A Fome





Quem pouco fala não diz nem bem nem mal
e o morto, no caixão
não tem voz activa.
Tu, quando falas
matas os da cobra
e os da hiena
vão para a sepultura.

Para que nós, na desgraça, não roubemos
para que nós, viajantes, não roubemos ninguém
Senhor, Deus de Nangobe
dá-nos a chuva.
Avô dos miseráveis
Mãe dos pobres
Tio dos famintos
Mãe, Avô e Tio dos que caem nos caminhos da fome
faz sair a chuva
faz crescer os mantimentos
inunda-nos com a tua água.
Ajuda os pobres, Deus de Nangobe.
Cai chuva
e traz-nos a bênção
do canto das rãs.
Aonde dorme, a chuva?
Na figueira da Haudila?
Nos grandes paus de Solela?
Eu queria o vento.
Eu queria a tempestade
e a faísca que levanta
pela raiz
a pequena palmeira.

Rei Mahondi de Mwaeta
soberano Kahondi do Muvale:
Senhor!
O calor já está a prolongar-se.
A massambala seca
a semente definha
e a rama murcha.
A fome aproxima-se, Senhor!
A seca já chegou às nossas portas
e até já se instalou em nossas casas.

Levou alguns para a lagoa
outros foram para o Lubango.
Não há para onde fugir
quando se é presa da fome.
A fome é filha das feras
está no teu estômago e diz:
vai roubar, vai roubar.
Os seus cornos são agudos e direitos
mais finos do que azagaias.
Não deixam marca
nem ferida nem chaga.
Oh meu boi magro
quando a chuva morre
não há casa que não faça o inventário.
Luto pesado!

Ruy Duarte de Carvalho

(origem Kwanyama)
Ondula, savana branca