Irmão branco




Tuas sementes mortas não poderiam brotar

Misturaste meu sangue negro
na massa de uma terra que desejaste unicamente para ti
Empunhaste os membros que te dei - irmão branco -
e extraiste fortunas no lodaçal onde meus olhos viram a luz

Assim, dia a dia, construiste na destruição
a sepultura dos teus sonhos
hora a hora inoculaste nas minhas veias
o fel que amargamente terias de beber

Agora só te resta o mar - contempla-o -
nessa imendidade
- quiçá -
tens a visão de um símbolo que desfizeste: a união

Onde teus caprichos de negreiro?
Onde tuas galeras repletas das minhas vidas que vendeste
Onde teu fasto que meus filhos extrairam desta lama para te dar?

Tua intolerância, tua inconsciência
Onde? Onde?
Acolhi-te na inocência da minha simplicidade
como uma criança
Tudo foi teu
meus segredos meus tesouros
meus filhos teus escravos
meu corpo teu tapete

E esse deslumbramento foi tua sepultura
Nada viste nem poderias ver

Finalmente só te resta o mar - símbolo da união -
caminho profundo e imenso que te trouxe e hoje te leva

Meus filhos desprezados não te amaram
meus tesouros não poderiam brolhar eternamente na tua fronte
Tua cor que tanto defendeste altivamente
foi tudo
foi o mal que não viste e te destruiu

Branco:
escuta-me um momento
ainda é tempo
porque te falo de irmão para irmão
No mistério daquilo que nos formou
- considera-me -
Só isso nos basta
Só isso
e estende-me tua mão.


Luís Romano
(Clima, 1963)