Nzoji

























o passado
é uma laranja amarga
a chuva
cai dos teus olhos
o vento
tem cabeça de galo
e
o jacaré
levou tua perna
pro palácio
de seu rei

*

por noites de outubro
almas de antepassados
acordam
lagartos adormecidos

riso
de menina só
quebra-se
nos cincos dedos da mão
que
almas de antepassados
por noites de outubro
não impedem de fechar

*

corvos de ronda
não sabem
quem matou o antílope
cor de vento listrado de chuva
e
pombos verdes
de vôo redondo
não sabem
por que o homem tatuado
caiu no feitiço das coisas de longe

*

por fendas
de máscara apodrecida
passam
tufos de capim de outubro

nos charcos
de teus olhos
pairam moribundos
espíritos de antepassados
e
pássaros d’água
fazem ninho
em cabeça de mologe

por fendas
de máscara apodrecida
passam
tufos de capim de outubro

*

a nuvem produziu um elefante
o elefante pariu o coelho
das orelhas do coelho saíram montanhas
as montanhas tornaram-se tetas duma cadela prenha
das tetas da cadela prenha caiu a chuva



Arlindo Barbeitos
in "Nzoji" (Sonho)