A Espera de Ti

























Foto de "Angola em Fotos" (que recomendo, vivamente!)




Por agora,
deixa os sinos do teu corpo
tocarem todos,
deixa a vaga de vento
te levar para as portas do céu.
Poisa levemente os pés
na lã dos caminhos e
vai segura pela minha mão
que voltarás ao amanhecer
com as águas das montanhas
entre o coaxar das rãs
saindo do teu peito.
Os dias serão maduros
de azul, cânticos de amor e pão.
Haverá mel nos lábios
e em todas as esquinas
estarei
à espera de ti!



E.Bonavena

Havemos de voltar




















Havemos de voltar!
Mais velhos...
Diferentes...
Derrotados...
Cinzas...
Pó...
Sementes
arrastadas pelo vento
num pôr de sol de fogo...
Levados na fúria da maré...
Mas havemos de voltar
numa trovoada tropical,
derrubados
beijaremos a terra
e voltaremos, serenos,
a florescer no capinzal.


Isabel Branco

Elefantíase


























Meu embondeiro
a pingar múcuas
por raízes
dispersas em prece

jeitoso
elegante
sinuoso

Meu embondeiro
de espíritos albergados
na fundura do casco
em espera do viajante

Meu embondeiro
meu embondeiro



Fragata de Morais

Porque me vem este odor forte






















Porque me vem este odor forte
Da terra onde há chovido
Em que cada átomo
Tem força poderosa
Nas células que germinam
Crescem e se dividem?
Porque me vem este perfume
De ervas orvalhadas
De múltiplas flores
E múltiplos odores?
Rosas ou crisântemos
Narcisos ou dálias
Tudo o vento traz
Em suas asas leves
Porque vem a mim
E me penetra assim?...
Será o anseio
O gosto de beber
Em sorvos largos
A seiva à minha volta?



Eugénia Neto

Sonho de amor




















O meu sonho
é uma madeixa dos teus cabelos
sufocada ao luar de uma noite
cansada de amor

O meu sonho
somos nós, tu e eu
no corcel da vida
à procura do sol

Falo do sonho, amor
do nosso sonho
em que brincamos com crianças não paridas
com esperanças sangrando desesperanças

O meu sonho
és tu, Minda-a-Mulata
sonhando com a vida e morrendo
em tempo de fome farta
e a guerra a acabar
(ou a reatar?)

O meu sonho
é sonho de mar
as ondas indo e vindo
do fim do Mundo
as aves a voar.


Domingos Florentino

chamei-lhe amiga

























Aquela rapariga de olhar triste...
Olhei-lhe os olhos
e vi que eram como os meus.
Olhei-lhe as mãos
e vi que eram como as minhas.
Sorriu
e vi que os dentes eram brancos como os meus.
Debrucei-me sobre a sua alma
ansioso
como quem se debruça da amurada de uma navio
para ver o mar.


E vi que era imensa
e livre
como o voo das águias.
Chamei-lhe amiga.


O semblante encheu-se-lhe de súbita alegria
e respondeu-me: "amigo!"
Entre nós só havia duas diferenças:
o sexo e a cor da pele.


Vasco Cabral
in A Luta é a Minha Primavera


A hora é de agir... mas meditemos!

























Dói muito mais arrancar um cabelo a um europeu que amputar uma perna, a frio, a um africano.

Passa mais fome um francês com três refeições por dia que um sudanês com um rato por semana.

muito mais doente um alemão com gripe
que um indiano com lepra.

Sofre muito mais uma americana com caspa
que uma iraquiana sem leite para os filhos.

É mais perverso cancelar o cartão de crédito
a um belga que roubar o pão da boca a um tailandês.

É muito mais grave deitar um papel no chão na Suiça, que queimar uma floresta inteira no Brasil.

É muito mais intolerável o shador de uma muçulmana que o drama de 1000 desempregados em Espanha.

É mais obscena a falta de papel higiénico num lar sueco que a de água potável em 10 aldeias do Sudão.

É mais inconcebivel a escassez de gasolina na Holanda que a insulina nas Honduras.

É mais revoltante um português sem telemóvel
que um moçambicano sem livros para estudar.

É mais triste uma laranjeira seca num colunato hebreu que a demolição de um lar na Palestina.

Traumatiza mais a falta de uma barbie a uma menina inglesa, que a visão do assassínio dos pais a um menino ugandês.


Recebi por email há algum tempo.
Hoje foi-me recordado por uma mensagem no Amigos de Manica e Sofala a quem agradeço.

Duas idades iguais


























Uma criança chora na rua
Andou a brincar com outras crianças

Subiu árvores
Sujou a camisa de caju
Agora não sabe onde deixou
O seu carrinho de papelão

Chora e procura o seu carrinho de papelão

Foi um velhinho já todo curvado
Viu a guita do automóvel
Pegou nele a sorrir
Brincou e levou contente como uma criança

Toda a gente viu
Mas ninguém disse nada

O velhinho reencontrou o seu mundo puro de ingenuidades
As suas mãos tornaram-se pequeninas e saudosas

Uma criança chora na rua
Um velho brinca distante
Com um brinquedo de papelão.




Tomás Vieira da Cruz

Mãe África




















Mãe ÁFRICA
É do teu ventre glorioso que nascemos
É teu o sangue vermelho que corre em nossas veias
Tal como os rios entrelaçados
que deslizam sobre tuas virgens

É de ti
Que sentimos as saudades mais profundas,
Existentes em nosso ser
É por ti
Que lágrimas tristes
Rolam sobre nossos rostos negros acriançados
E são para ti
As palavras melancólicas que juntamos
E transformamos em poesia sólida e serena

Por isso, ÁFRICA
Jamais a distância
Jamais as luzes ludibriadoras
Jamais os castelos encantados
Nos farão esquecer, tuas terras de feitiços e Kijilas1
De florestas tropicais
E de danças eufóricas

É a ti
É a ti que pertencemos…



Juliana Pedro

A Arte de ser poeta


























Sinto-me poeta
Quando bebo o ópio do teu ósculo
E ressuscito na maré-alta da tua kilapanga

Sinto-me poeta
Quando sinto a calefacção da tua nudez
A insuflar este desejo de peregrinar em ti

Sinto-me poeta
Quando desfaço o fracasso dos meus passos
No pulso do teu abraço melado e castiço

Sinto-me poeta
Quando me derreto em ti
E loucamente te contorces zumbindo
– Qual um’abelha cantarolando -

Sinto-me poeta
Quando nos encontramos a sós
Descalços & famintos
À hora da ceia p’ra refrega

Sinto-me poeta
Quando reclinas a cabeça no regalo do meu colo
E m’insinuas a escalar o teu monte-de-vénus

Sinto-me poeta
Quando me deixas brincar
Com a escultura ginecológica do teu atelier

Sinto-me poeta
Quando desfilo est’olhar geodésio
Na arquitectura poética do teu rosto de Kyanda

Sinto-me poeta
Quando oiço a sexta sinfonia
Do teu sorriso de Gioconda.




Sapyruca

Acácia em flor africana - 4º devaneio


















se pudesse ainda colher de teu ventre a fragrância rubra das acácias
teria ainda benevolência para digerir o compêndio das frases
douradas
que cativam a orla do tempo
se pudesse ainda sentir em deitada areia brisa em cada instante de
amor
convocaria o surrealismo de meu âmago e deixar-me-ia
sequestrado
quiçá entorpecido na silhueta de teus lábios quão belos são meus
depositando flores e suores em teu prado por ti por mim por nós
e por vós
para que nossos dias forjassem um novo edifício no sémen da
Pátria


Nok Nogueira

Isto inclui-me!

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Não devemos transformar a pobreza numa fatalidade e muito menos em paisagem.
Esta campanha foi-me dada a conhecer pela Madalena Nunes do Khanimambo!
e teve origem em Isto inclui-me.

Herança de morte

























Lírios em mãos de carrascos
Pombal à porta de ladrões
Filho de mulher à boca do lixo
Feridas gangrenadas sobre pontes quebradas
Assim construímos África nos cursos de herança e morte
Quando a crosta romper os beiços da terra
O vento ditará a sentença aos deserdados
Um feixe de luz constante na paginação da história
Cada ser um dever e um direito
Na voz ferida todos os abismos deglutidos pela esperança


Amélia Dalomba



Outras margens da mesma Língua













Porque a História também se faz ao contrário, o caçador quando pressente o perigo é tarde demais e saiu já caçado, num golpe de futura sorte ou carnaval linguístico; e o oceano, quintal vasto e multiplicador de margens, convida a viagens com direito a retorno melhorado e banquete renovador. Depois dos gestos, a linguagem falada é a boca sincera dos sentimentos e a cultura apanha boleia para ir mais longe, enfeitiçar outros mundos e mascarar-se de novos conteúdos.

”(…) Ela não voltou a falar. Lava as chávenas com espantável lentidão. Suas mãos acariciavam o vidro por onde eu havia bebido. Senti como se ela me tocasse os lábios e me retirei nesse embalo de ilusão.
Me dirigi para casa, sem vontade de caminho. Demorei em coisas nenhumas.
Nisto, uma estrelícia, simples flor, me deflagra os olhos. O vendedor me cativa a atenção agitando a crista laranja da flor. (…) As mãos se ridicularizam com a intransitiva flor. Chego a casa e a flor se extravaganta ainda mais. Nunca eu tinha encenado flor em jarra.
Sentado, frente a uma cerveja deixo entrar em mim a voz: preciso é de mulher. Necessito de um acontecimento de nascência, uma lucinação. Careço de um lugar para esperar, sem tempo, sem mim. Devia haver um feminino para ombro. Porque ombra era o nome único que merecia o encosto daquela mulher.”1

Depois de Língua conquistadora, a Língua conquistada virou raiz reprodutora - arma e fogo artificial; embrião e simultânea gravidez.
E é sabido pelos mais-velhos que uma Língua grávida pode parir culturas, cores novas e contornos imprevistos em pessoas humanas. E todas as grávidas levadas, e todos os séculos extraídos e a terra sangrando em lágrimas de saudade, e todos os navios idos haviam de levar, além de fomes e músculos, sementes de uma flor mestiça com condimentos de diferença e criativa ramagem. Na fogueira do tempo, as chamas cercaram o lacrau, o lacrau picou o próprio corpo, e o veneno circulou feito febre nova, nova temperatura, temperatura de uma nova errância.

“Naquela hora em que os pescadores atravessavam o canal com seus apetrechos tão resumidos para virem fazer a aguada, o mar abria boca-réstia de sono ainda em maré baixa a espreguiçar-se, sonolentamente, sob o sol sem nuvem. Esteira de dormir qualquer liturgia mesmo de difícil, um esse porém afofalhado imenso de se apresentar sem vaga, na areia da beira-praia, em desinteresse de pureza pisada de ilusão. Pois só a linha trémula, tão empoucada de suave movimento, demarcava a aparente separação de diferença entre a terra e o mar. (…) Cheiros retirados à noite. Misturados. Essências de peixe. Néctares de algas, plantas e coisa no ar como aroma de árvore e fruto da beira rio, amadurecido. Rascaldo ou quê.”2

Porque a História também dá golpes num corpo linguístico que, lá longe, é a sombra de uma mesma imagem. As investidas políticas, e as de letras, e as sociais, e as mundanas, e as imprevistas, numa dança alargada - e mesmo que controlada - libertam-se das correntes pré-concebidas e o inesperado vence. O Kinaxixi com as crianças e os pássaros luandinizados, vencem; um santo de pessoa como o Arnaldo Santos vence; o Pepe solta um cão entre os caluandas e o cão morde a realidade; assim o cão do Honwana tomba mas a Isaura segue nos nossos sonhos de criança; as crianças do Manuel Rui, depois da fogueira e das estrelas do povo, só querem ser ondas; as mumuílas fazem transumância num poema da Paula; os olhos do Mia brilham à passagem dos flamingos e o leite de cabra lá do Sul se entorna meio azedo nas palavras do Ruy Duarte de Carvalho. E mesmo assim ficam nomes por celebrar.
A Língua, à velha maneira de Brecht, retira passividade às margens e intimida o rio a ser mais plural; o rio que corria estreito e manso, agora caudaloso faz uso de uma rebeldia saudável. Porque a natureza da água (da cultura) é mover-se, descendo o vale ou trepando a montanha, em luta de vaivém ternurento com a vã pressão dos homens. E se a margem toca o rio, o rio beija a margem numa dúvida aquática sem limite de exactidão.
As Línguas faladas e escritas, e as sonhadas, e as censuradas, nunca foram pertença de ninguém. Afinal, o maleável não pode ser amarrado, e à força de tanto contacto, o original fez da sombra verdade, e o resto também.

“O que ainda que ninguém que falou, ainda não existiu. (…) O homem ainda não descobriu a morte, muadiê. Se nem ainda chegou na lua, coisa-de-ver, quanto mais… Com morte eu dou-me bem, afirmei e não regresso. A senhora tumbandala não me assusta. O meu medo só é o que o senhoro bem sabe - voz, cara e alma de gente não encontrar, o deserto desumano, solidão de sozinho. Eu chego de dormir de luz acesa para fingir sol em meu quarto. As trevas danam a alma.”3

Nesse refluxo musical vindo de outras margens, há uma coloração que no tempo se espalha devolvendo à Língua uma faceta adequada para enfrentar futuros.
À mistura estão as pessoas - que são as margens da cultura, e os destinos da Língua revistos por aqueles que a manejam como utensílio quotidiano. Que esta linguagem seja, pois, ferramenta e prazer, veículo seguro mas maleável; que as gerações vindouras nela vejam molde aberto para memória e labor criativo. Porque bonitas são as Línguas depois de manejadas e celebradas pelas pessoas.


1 Mia Couto, in “Contos do nascer da terra”, Caminho, 1997, p.123.
2 Manuel Rui, in “Rio Seco”, Cotovia, 1997, p.9.
3 Luandino Vieira, in “João Vêncio: os seus amores”, Ed. 70,1987, p.84.






Ondjaki
10/12/2004

* comunicação lida na conferência, “A Língua Portuguesa: Presente e Futuro”, realizada na Fundação Calouste Gulbenkian, dias 6 e 7 de Dezembro de 2004, em Lisboa

Os meninos do Huambo







Com fios feitos de lágrimas passadas
Os meninos do Huambo fazem alegria
Constroem sonhos com os mais velhos de mãos dadas
E no céu descobrem estrelas de magia

Com os lábios de dizer nova poesia
Soletram as estrelas como letras
E vão juntando no céu como pedrinhas
Estrelas letras para fazer novas palavras

Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão aprender como se ganha uma bandeira
Vão saber o que custou a liberdade

Com os sorrisos mais lindos do planalto
Fazem continhas engraçadas de somar
Somam beijos com flores e com suor
E subtraem manhã cedo por luar

Dividem a chuva miudinha pelo milho
Multiplicam o vento pelo mar
Soltam ao céu as estrelas já escritas
Constelações que brilham sempre sem parar

Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão aprender como se ganha uma bandeira
Vão saber o que custou a liberdade

Palavras sempre novas, sempre novas
Palavras deste tempo sempre novo
Porque os meninos inventaram coisas novas
E até já dizem que as estrelas são do povo

Assim contentes à voltinha da fogueira
Juntam palavras deste tempo sempre novo
Porque os meninos inventaram coisas novas
E até já dizem que as estrelas são do povo




Manuel Rui Monteiro

Voltarei África


























Voltarei, África!
Voltarei a ouvir tua voz doce.

Porém, ainda é cedo!
Cedo, p‘ra que regresse
Mãe África.

Meu corpo fraco anseia teu corpo
Mas minha mente ludibriada
Com desejos de vencer
Interrompe abruptamente
Minha ansiedade de te amar.

Já sinto as ondas do mar negro
Ondearem no meu corpo.

Mas ainda é cedo
É cedo p‘ra mostrar ao mundo
Minhas saudades incontroláveis

Por isso,
Espera
Espera, Mãe África

Que um dia voltarei.



Juliana Pedro