Quarto poema sem título



















Como posso não amar-te

Arte de todas as artes
Pedaço de paraíso
Flor múltipla e multicolor
Segredo que segreda em voz alta
Aquário de búzios voadores
Raiz, folha e árvore invisível
Métrica perfeita de uma canção criada
Fuga e regresso de emoções desconhecidas
Salmo que se soletra pela manhã
Alimento de matéria imaterial
Casa sem portas, janelas e tecto.

Como posso não amar-te?


António Gonçalves

Maria Keil




Aires Bustorff, amigo cá de casa, enviou-me amávelmente nota de um facto inacreditável que transcrevo, com a devida vénia, do blog " Cantigueiro".

Com tanto crime violento, este, que a história relata, não é notícia.
Porque... a cultura não é notícia.
Infelizmente.
Nem sequer para alguns blogs que por aí andam, profissionais, com óbvio e encapotado apoio para-institucional. Essas virgens imaculadas, paladinas da pureza e inimigas de estimação de tudo quanto seja público... emudecem perante o que é património de todos. Convenientemente!




















Esta senhora bonita é a nossa amiga Maria Keil, artista plástica.

Em 1941, via-se a si própria desta maneira.

























Maria Keil (gosta que a tratem apenas por Maria) nasceu na cidade de Silves, em 1914. Partilhou a maior parte da sua vida com o arquitecto Francisco Keil do Amaral, com quem se casou, muito jovem, em 1933.

De lá para cá fez milhares de coisas, sobretudo ilustrações, que se podem encontrar em revistas como a “Seara Nova”, livros para adultos e “toneladas” de livros infantis, os de Matilde Rosa Araújo, por exemplo, são em grande quantidade. Está quase a chegar aos 100 anos de idade de uma vida cheia, que nos primeiros tempos teve alguns “sobressaltos”, umas proibições de quadros aqui, uma prisão pela PIDE, ali... as coisas normais para um certo “tipo de pessoas” no tempo do fascismo.



Para esta “história”, no entanto, o que me interessa são os seus azulejos. São aos milhares, em painéis monumentais, espalhados por variadíssimos locais. Uma das maiores contribuições de Maria Keil para a azulejaria lisboeta, foi exactamente para o Metropolitano de Lisboa. Para fugir ao figurativo, que não era o desejado pelos arquitectos do Metro, a Maria Keil partiu para o apuramento das formas geométricas que conseguiram, pelo uso da cor e génio da artista, quebrar a monotonia cinzenta das galerias de cimento armado das primeiras 19, sim, dezanove estações de Metropolitano. Como o marido estava ligado aos trabalhos de arquitectura das estações e conhecendo a fatal “falta de verba” que se fazia sentir, o Metro lá teve de pagar os azulejos, em grande parte fabricados na famosa fábrica de cerâmica “Viúva Lamego”, mas o trabalho insano da criação e pintura dos painéis... ficou de borla. Exactamente! Maria Keil decidiu oferecer o seu enorme trabalho à cidade de Lisboa e ao seu “jovem” Metropolitano.

Estes pormenores das estações do “Intendente” (1966) e “Restauradores” (1959), são bons exemplos.





























Parêntesis: Qualquer alteração na “Gare do Oriente” do Arq. Calatrava, ou nas Torres das Amoreiras, do Arq. Tomás Taveira, só a título de exemplo, têm de ser encomendadas ao arquitecto que as fez e mesmo assim, ele pode recusar-se a alterar a sua obra original. Se os donos da obra avançarem para a alteração sem o acordo do autor, podem ter por garantido um belo processo em tribunal, que acabará numa “salgada” indemnização ao autor.



Finalmente, a história! Recentemente a Metro de Lisboa decidiu remodelar, modernizar, ampliar, etc, várias das estações mais antigas e não foram de modas. Avançaram para as paredes e sem dizer água vai, picaram-nas sem se dar ao trabalho de (antes) retirar os painéis de azulejos, ou ao incómodo de dar uma palavra que fosse à autora dos ditos. Mais tarde, depois da obra irremediavelmente destruída, alguém se encarregaria de apresentar umas desculpas esfarrapadas e “compreender” a tristeza da artista.

A parte “realmente boa” desta (já longa) história é que ao contrário de quase todos os arquitectos, engenheiros, escultores, pintores e quem quer que seja que veja uma sua obra pública alterada ou destruída sem o seu consentimento, Maria Keil não tem direito a qualquer indemnização.

Perguntam vocês “porquê, Samuel?” e eu tão aparvalhado como vós, “Porque na Metro de Lisboa há juristas muito bons, que descobriram não ser obrigatório pedir nada, nem indemnizar a autora, de forma nenhuma... exactamente porque ela não cobrou um tostão que fosse pela sua obra!!!



Este país, por vezes consegue ser “ainda mais extraordinário” do que que é o seu costume! Ou não?



Fontes usadas para as imagens, o Google. Para a história, o blog "As causas da Júlia", seguindo uma pista da minha amiga Isabel, que já deu cartas na "cultura" autárquica aqui no burgo.

Quem


















Quem me fará sorrir
Quem me fará gritar
O grito calado do meu peito?!

O peito rejeita a alma
Angústia transborda e soma
No rosto surrado de dor

Quem me fará falar?
As palavras engolidas
No íntimo
Quando elas flutuam
Sem sentido no leito

Quem me fará pensar
Na consciência rasgada
Dos meus dias
Sem glória e sem luz

Escrevo nova história
Sorrisos e glória
Na tristeza de ontem
Nasci de novo
Sem passado




Maria Fernanda Baião

Carta de um contratado



Um dos mais belos poemas em língua portuguesa, já publicado antes, dito por José Ramos





Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que recordasse nossos tempos na capopa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajús e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor....

Eu queria escrever-te uma carta...

Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu - Oh! Desespero! - não sei escrever também.



António Jacinto

Quero apenas cinco coisas...



















Foto de Anabela Oliveira



Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.



Pablo Neruda

Em festa!

























O amigo Armando Rocheteau lembrou-me ontem que, há 4 anos atrás, timidamente, abri as portas deste espaço.
Agradeço-lhe e a todos os que por aqui foram passando, lendo poemas excepcionais de todas as partes da lusofonia, ouvindo músicas, deixando rasto virtual da sua passagem ou simples comentário.

A todos, obrigado!

Eu tenho os dias claros
















"Solidão ao pôr-do-sol", foto de Miguel Teotónio, aqui





Eu tenho os dias claros
de sucessivas luas de Setembro
e a noite que me impõe sinalizar
as direcções cruzadas das mensagens verticais.

Eu estou parado no meio do terreiro
pastado dos meus passos e da minha gente,
ando a ganhar noções de translação
e a medir, pra meu governo, a cor do sol.

Eu entardeço, sobretudo, pouco atento ao vento
que não devo perturbar na sua rota alheia.
Permito, quando muito, que me sinta o cheiro
e deixo-o desfazer, furtivamente, molhos já secos de memória fêmea.

Eu finjo que não sei de elásticas tensões da claridade
e a cada passo meu faço estalar
membranas frias que a tarde debruou em rente azul.

Entendes, companheiro,
eu estou aqui sentado e nu
a procurar não ir além da bárbara carícia
de um olhar sem tacto

e que nem uma lágrima machuque
a capa muito fina da lembrança
que tenho para dar-te.



Ruy Duarte de Carvalho

Kilimandjaro








Don't say you want a better world
Don't say you want a better life
When all you do is watch tv
And listen to the promises

Don't say you want a better world
Don't say you want a better life
When all you do is just rely
on the progresses of science

Don't say another word, just let me dream

And look outside
where the wind blows and the flowers grow
Where the river goes
Taking my dreams away

Just let me go
Where the rain falls and the forest cries
Since there will be no more snow in Kilimandjaro

Don't say you want a better world
Don't say you want a breathe clean air
When all you do is drive around
In your brand new SUV

Don't say you want a better world
For all the children of mankind
When all you do is just rely
on the progresses of science

Don't say another word, just let me dream

And look outisde
where the wind blows and the flowers grow
Where the river goes
Taking my dreams away

Just let me go
Where the rain falls and the forest cries
Since there will be no more snow in Kilimandjaro



Era

História



















Tela de Márcio Camargo





Não havia sol
Não havia sombras
Não havia noite

Havia o mar e o luar
Numa hora indefinida

Havia a voz marítima
Num boiar de ossos
E de cascos de caravelas

E ninguém sabia ver
Para separar
Os ossos
Dos negros
E dos brancos

Havia uma vela branca
Sem barriga de vento
Mas cheia de cantos de Paz.



Tomaz Vieira da Cruz

Manga, manguinha...

























Manga, manguinha…
A manga é um símbolo d‘África:
No seu sabor
No seu aroma
Na sua cor
Na sua forma.

A manga tem o feitio do coração!
A África também
Tem um sabor forte, quente e doce!
A África também.
Tem um tom rubro-moreno
Como os poentes e as queimadas
Da minha Terra apaixonada.

Por isso te gosto e te saboreio
Ó manga!
- Coração vegetal, doce e ameno.

Tu és o amor do abacate
Porque ele guarda no seu meio
Um coração que por ti bate;
Bate, bate, que bate!
Ó manga, manguinha,
Amor do abacate!



Tomaz Vieira da Cruz

Meditemos

















De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”


Ruy Barbosa
estadista Brasileiro, 1912







"O que mais preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem carácter, dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons."





Martin Luther King