Hand in hand





Sem palavras... porque não as há que cheguem!

Vou embora




















Vou embora amanhã
levo a cratera, o frémito…
A neblina dos meus olhos
deixo-ta como lembrança

Nos dias de solidão
não terás a minha mão
suave como a seda
na tua fronte furacão!

Vou embora amanhã
levo apenas os chinelos
aqueles que me deste
no dia dos namorados

Vou embora amanhã
deixo tua soturna sombra…
No teu quarto a penumbra
não apagará o meu penedo…



Isabel Ferreira

Algum dia
















Algum dia um novo Papa
anunciará altivo
que Deus é raiz quadrada
de um quantum negativo

e o Deus que tanto procuro
em que atingido me afundo
é aquele ser-não-ser
do que acontece no mundo

da matéria mais que densa
é que é divertido ser
ali se nada acontece
tudo pode acontecer



Agostinho da Silva

Tão grande dor















"Tão grande dor para tão pequeno povo"


Timor fragilíssimo e distante
«Sândalo flor búfalo montanha
Cantos danças ritos
E a pureza dos gestos ancestrais»

Em frente ao pasmo atento das crianças
Assim contava o poeta Ruy Cinatti
Sentado no chão
Naquela noite em que voltara da viagem


Timor
Dever que não foi cumprido e que por isso dói
Depois vieram notícias desgarradas
Raras e confusas
Violência mortes crueldade
E ano após ano
Ia crescendo sempre a atrocidade
E dia a dia - espanto prodígio assombro -
Cresceu a valentia
Do povo e da guerrilha
Evanescente nas brumas da montanha


Timor cercado por um muro de silêncio
Mais pesado e mais espesso do que o muro
De Berlim que foi sempre tão falado
Porque não era um muro mas um cerco
Que por segundo cerco era cercado
O cerco da surdez dos consumistas
Tão cheios de jornais e de notícias


Mas como se fosse o milagre pedido
Pelo rio da prece ao som das balas
As imagens do massacre foram salvas
As imagens romperam os cercos do silêncio
Irromperam nos écrans e os surdos viram
A evidência nua das imagens



Sofia de Mello Braeyner Adresen

O teu riso





















Antes a morte,
que perder o instante em que sorris.

Não me negues
o milagre que inventas,
a rosa que de súbito
brota da tua alegria.

Regresso por vezes com as mãos
vazias, o corpo dormente,
o sol já não morre, o mar
já não preenche infinitos caminhos,
mas logo tu sorris,
e tudo regressa a sua mansa ordem,
o mar que secara,
ressurge dos teus lábios,
o tempo que me atravessava como
um espada afiada, é agora
o meu único refugio.

O teu riso, meu pão,
sustenta os caminhos há muito estancados
que me guiavam ao teu colo... Escuta,
o rio, as algas, o vento,
que eu escutei um murmúrio
e entendi o teu riso,
essa porta que para mim
se abre.


Eusébio Sanjane

Desnuda



















Desnuda eres tan simple como una de tus manos,
lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente,
tienes líneas de luna, caminos de manzana,
desnuda eres delgada como el trigo desnudo.

Desnuda eres azul como la noche en Cuba,
tienes enredaderas y estrellas en el pelo,
desnuda eres enorme y amarilla
como el verano en una iglesia de oro.

Desnuda eres pequeña como una de tus uñas,
curva, sutil, rosada hasta que nace el día
y te metes en el subterráneo del mundo

como en un largo túnel de trajes y trabajos:
tu claridad se apaga, se viste, se deshoja
y otra vez vuelve a ser una mano desnuda.



Pablo Neruda

Sonatas de caniços














Foto de Dave Hare, via "O Jumento"



Gorjeio
de flauta
em alvéolo de abelha
mestra.

Zângão
de voo
em pólen
de sonho.

Sonata
doce com doce
na surdina
dos caniços.

Flauta
de pêlos
com pêlos
aflautando
mel
com mel
no teu favo.



José Craveirinha

Noiva





















Eu te daria frescas flores de laranjeira
para uma grinalda na carapinha desfrisada.

Eu te daria um colar de missangas coloridas
para uma cruz de outra carne a fogo marcada
sobre o seio esquerdo ao rasgar da virgindade.

Eu te daria um trevo de quatro folhas verdes
para que te nascesse o primeiro filho varão.

Eu te daria se não fosses a noiva de todos
fazendo bandeira com uma capulana garrida
às nove da noite naquela rua de areia
suburbana. Uma rosa encarnada se desfolha
na fonte do teu corpo em cada lua nova como
se fosses a virgem noiva a quem eu daria
flores de laranjeira, um colar e um trevo
que te darei talvez para usares quando não
puderes ser noiva de todos fazendo bandeira
às nove horas da noite naquela rua de areia.



Orlando Mendes

Ser... benfiquista

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Esta noite




















Esta noite dormi perdida, entregue nos teus braços,
saciada e exausta,
deitei-me de ventre para baixo, nua,
deitada por cima de ti,
embriagada pelo teu cheiro, o calor do teu corpo,
as tuas entranhas, o teu abdómen,
as tuas mãos, nas minhas costas,
o teu abraço guardando-me profundamente,
para que não fugisse,
para que não quebrasse o nosso laço de cumplicidade,
adormecido estavas entregue a mim,
longe de tudo e de todos,
queria chamar-te para que me possuísses novamente,
mas o teu sono era tão profundo,
em paz, que fiquei ali,
somente a contemplar-te como podias ser meu,
sem estares ali, mas mesmo assim,
fazendo parte deste meu sonho desperto.



Sónia Sultuane
in "Imaginar o poetizado"

Tambor




José Craveirinha

Nha vida





Hoji n`odjal
Hoji n`odja homi di nha vida
Ê cenam Ku mon n`fica sima pomba perdida

N`amor bem dam razon di vivi
Bem intchi nha vida di kusa fasi
Nhas horas alegri n`krê passa Ku bó
Nhas horas tristi n`krê passa ku bó
Nha passa tempo n`krê passa ku bó
N`amor ami n`naci pam vivi ku bó

Bem pegam no mom
Bem lebam ku bó
N`krê bai na bu ragass
Refrão
Bem inxinam tudo kusa k`inda n`ka sabi
Bem lebam ku bó inxinam tudo kel ki bu prendi na vida

N`amor bem dam razom di vivi
Bem intchi nha vida di kusa fasi
N`sta raserva nha vida pa bó
N`amor ami n`naci pam vivi Ku bó
Refrão
Ó kim sta ku bó pa mim mundo ka existi màss
Ó kim sta ku bó mundo feto só di nôs dôs



Lura

Queixa

















Toda a noite te esperei.

Quando cheguei
Não estava ainda luar.
E fiquei
A esperar
Que viesses
Como tinhas prometido.

Toda a noite te esperei
E afinal não apareceste.

Fiquei esperando,
Esperando,
E as horas foram caindo,
Uma a uma,
Como gotas de cacimbo.

Entretanto,
Surgiu detrás da Igreja
O disco, em prata,
Da Lua.

Debaixo da gajageira,
Junto à valeta da rua
E sob a luz que me encanta
Vi nascer a madrugada
Da cor da semana santa
Vi como a noite fugia
E como raiava o dia.

Toda a noite te esperei
E afinal não apareceste...



Aires de Almeida Santos