Luanda















a lua anda
conforme a música


a noite fecha
meus olhos
mas é você
quem dorme e dança


nua anda
na distância
pelo deserto sereno


eu penso numa boca
que ainda não me beija
a fotografia - a mesma -
revela o sonho
de um sorriso bom.



Felipe Rey
In "Subversos"

Sinfonia














A melodia crepitante das palmeiras
lambidas pelo furor duma queimada

Cor
estertor
angústia

E a música dos homens
lambidos pelo fogo das batalhas inglórias

Sorrisos
dor
angústia

E a luta gloriosa do povo

A música
que a minha alma sente



Agostinho Neto

Doçura



















Quando a fitei extasiado,
Suas mãos pálidas, mimosas,
Escolhiam frutas bem cheirosas
Num recanto calmo do mercado.

E por mero acaso, (eu sei!,
Senhora minha desconhecida,
Ai! só por mero acaso...)
Vossos olhos belos,
Plácidos e meigos,
Negros, fulgurantes,
Sobre mim poisaram,
– P’ra logo se afastarem
Indiferentes, distantes...

Ao compor na rede
A gostosa fruta,
Um pouco vos baixastes
E o decote largo
Do vestido azul
Afastou-se lento
Como onda branda
De cansado mar...


Maurício Gomes

Teus olhos de dendém















Imagem de "Angola Minha Terra"





Para a M. J.


Naquela noite eu disse
lá em casa
que ia prò cinema.

Cruzei a Baixa toda
entrei numa boate
– a mais fina de Luanda –
e fui dançar com ela
apaixonadamente.

Ela era uma pequena
de Malange.

Tinha nos olhos
brilhantes como incêndios ao luar
o claro escuro
dos bagos
de um cacho de dendém.

Naquela noite
dançámos loucamente
apaixonadamente.

Tinha a pele clara
como qualquer daquelas
mulheres que eu conheci
nas longas noites invernais
da Europa.

Mas o olhar
ai
o olhar
trazia o sofrimento
das noites Africanas.

Nunca mais pude esquecer
aquela rapariga branca
de Malange
que tinha os olhos lindos
como as cores
dos bagos
de um cacho de dendém.

Nunca mais
ai, nunca mais
dancei assim
e nunca mais a vi
dançar assim
tão loucamente
alucinadamente
a rapariguinha branca de Malange
que tinha o corpo esguio
o ritmo no bailar
esse ritmo de uma qualquer mulata
das minhas longas noites Africanas.

Nunca mais dancei assim
tão desvairadamente
apaixonadamente
os lábios num murmúrio
a boca num perjúrio
seus seios no meu peito
amachucadamente
aqueles cabelos negros
roçando a minha face
os cílios desse olhar
com gotas de luar
que tinha as ambições
o claro escuro
dos bagos
de um cacho de dendém.

Nunca mais
ai, nunca mais
dancei assim
tão loucamente
apaixonadamente...



Ernesto Lara Filho

Condenado por recolher notícias da net e ter um livro



















André Zeferino Puati, natural de Cabinda/Angola, activista de Direitos Humanos, um chefe de Escuteiros católicos e trabalhador da Chevron, foi condenado neste dia 10 de Junho, em Cabinda, a 3 anos de prisão. A acusação divulgada na altura, para a sua detenção, depois de uma busca a sua casa, foi a de ter em sua posse notícias retiradas da Internet sobre a situação em Cabinda e um livro sobre a História de Cabinda, publicado em Portugal em 2008, e intitulado "O Problema de Cabinda Exposto e Assumido à Luz da Verdade e da Justiça", cujo autor é o advogado Francisco Luemba, detido também posteriormente com a mesma acusação.

Qualquer cidadão livre fica estarrecido com uma notícia com este conteúdo.
Fico-me por aqui.
Deixo aos leitores os pensamentos e os comentários que "isto" merece.

Respigado, com a devida vénia, de "Notas Verbais"

Encontro de acaso



















Na tristeza de meus olhos
Pousaram suaves os teus.
Nos meus lábios secos de tabaco
Roçaram suaves os teus.
Mulher!
Nem sabes a força que deste
A este desespero calado
De rebentar as amarras
De um dongo numa praia de pesadelos
Varado.


António Cardoso

Fabuloso