A leitura do post de "O Jumento", "E se o SIADAP fosse adoptado numa empresa privada?", levou-me a rabiscar algo parecido com um comentário.A sua dimensão levou-me a publicá-lo aqui.Qualquer que seja a entidade em questão – empresa privada ou serviço público – terá que ter um sistema de organização o mais simples, claro e funcional possível.
Deverá ter um sistema sério, claro, lógico, justo de avaliação que sirva não apenas de avaliação de cada trabalhador mas que seja, pela obtenção de objectivos, como que um sistema de auditoria interna.
O sistema de avaliação de alguma grandes multinacionais baseia-se não numa “terraplanagem” de objectivos (tipo na ASAE cada fiscal tem que efectuar não sei quantas fiscalizações, detenções, apreender não sei quantas toneladas de material deste ou daquele tipo, fechar não sei quantos restaurantes ou á Divisão de Trânsito da PSP e aos fiscais da EMEL ser exigido a apresentação de x multas mensais e processos de contra-ordenações ou aumentar anualmente em y por cento os mesmos itens) mas na verificação do trabalho desenvolvido por cada colaborador, nas suas capacidades, no que a empresa espera dele em particular na obtenção de objectivos.
O objectivo do colaborador x não tem que ser o mesmo do y.
Os objectivos não são estratosféricos mas de acordo com aquilo que efectivamente é exigível permitindo que o colaborador tenha consciência da real possibilidade de lá chegar e até ultrapassar essas expectativas.
É a possibilidade que é dada ao colaborador em trabalhar com formação e a colocação de fasquia em local atingível que gera a motivação.
Motivação acrescida pela certeza do rigor na avaliação, a certeza que alcançar a classificação máxima depende apenas de cada um, pela inexistência de cotas para os vários níveis de classificações. Entende-se que os Departamentos de Recrutamento fazem o seu trabalho e, do leque total de candidatos, com as devidas oscilações (que se pretendem mínimas), escolheram os melhores ou, se não são os melhores, a organização quer torná-los como tal e o sistema de avaliação fará a devida aferição.
Um tal sistema de avaliação poderá existir em todo o lado, até na FP.
Porém o SIADAP é tudo menos o que ficou enunciado.
Num mundo perfeito, com as devidas adaptações, deveria de facto existir um sistema de avaliação que premiasse o mérito e o desempenho.
Num mundo perfeito, a anterior classificação de serviço que o SIADAP veio substituir deveria funcionar porque era simples e, se rigoroso, teria as suas consequências na separação entre o trigo e o joio embora não enunciasse objectivos ou pudesse ser ferramenta de auditoria.
O que a realidade demonstra é que o anterior sistema faliu por falta de rigor dos avaliadores uma vez que todos os funcionários eram muito bons.
Ser bom era demérito e abaixo de bom, sem que a situação fosse bater nas comissões paritárias eram tão raras ou tão difíceis de encontrar como a vida o é no universo.
Para substituir este malfadado sistema inventou-se uma adaptação que está longe de ser justo e, por isso, se encontra nos antípodas de algo que deveria ser razoável.
Neste, como noutros casos, houve um falhanço total de comunicação, os objectivos foram muitas vezes absurdos e incompreensíveis. A negociação com o colaborador não passou da imaginação de quem adaptou o sistema e a fixação dos objectivos não foi outra coisa que não fosse a tal “terraplanagem” sem ter em conta a capacidade individual e a sua valorização.
O sistema burocrático de suporte, se levado ás últimas consequências, terá que ser (porque não há…) pesadíssimo, absurdo e, na maior parte dos casos impraticável e injusto.
Como é que um avaliador, por exemplo, pode ser justo com 200 colaboradores a avaliar, dispersos por várias unidades de trabalho, cada uma das quais com um ou vários níveis de chefias intermédias, que não avaliam mas aos quais compete transmitir informação??
Tendo em conta que todos os factores positivos e negativos que influenciam a avaliação final estão dependentes de prova factual, imagine-se o peso, o tempo e os gastos económicos que tal sistema comporta.
Os funcionários públicos tiveram que engolir a pastilha sem tugir nem mugir, nestes exactos termos!
Não tenho a mais pequena dúvida que a separação entre os bons e os maus, entre quem se dedica e quem se está nas tintas, tem que ser feito.
Parece-me óbvio que quem mais trabalha, mais se dedica, melhor qualidade e maior quantidade de trabalho apresenta deverá também, mais rapidamente, progredir na carreira e auferir retribuição em função desse desempenho.
Estes são princípios básicos que qualquer cidadão português, quer tenha sido funcionário público ou trabalhador de empresa privada conhece, respeita e defende.
É especialmente válido para todos os que, equiparados a cabo-verdianos ou ucranianos, optaram por, em algum momento da sua vida, ser emigrantes.
No estrangeiro, salvo raras excepções, os trabalhadores trabalham, são formados e respeitados. A idade (experiência) é uma mais valia e a juventude e a formação uma oportunidade de progresso e inovação.
Em Portugal vinga o princípio de que todos os trabalhadores são preguiçosos e sem formação e, por isso, merecedores de baixos salários que, por sua vez, são apresentados como vantagem competitiva do país.
Aos jovens é descredibilizada a sua formação e valorizada a falta de experiência. Aos experientes, ditos velhos, é realçada a sua idade em detrimento da experiência profissional.
Não admira, pois, que sejamos revoltados e ingovernáveis… Isso prova apenas a desorganização existente… e a injustiça da avaliação que nos é comummente feita.
O Luxemburgo não improvisa, não tem recursos naturais, tem cerca de 20 % de mão de obra portuguesa, não tem empresários portugueses… e é um país viável e igualmente muito mais justo.
Deliramos quando as estatísticas, as sondagens (agora tanto em moda…) ou simples inquéritos de rua comprovam que, na improvisação e no desenrascanço, somos os maiores!
Improvisámos em quase todas as crises históricas.
Improvisámos na expulsão dos judeus e na conversão forçada de todos os cristãos-novos…
Improvisámos na introdução da Inquisição… para que D Manuel tentasse aceder ao trono de Espanha….
Improvisou D Sebastião e mais as suas bravatas…~
Improvisámos em 1580…
Improvisámos nas lutas liberais… ao ponto de termos sido temporariamente governados por aquilo que hoje seria um Alto-Comissário da ONU (os ingleses…)
Improvisámos na I República…
Improvisaram os golpistas do 28 de Maio… que não assumiram responsabilidades e, por ignorância própria, foram a Coimbra buscar o ditador…
Improvisou Salazar…porque além do terror e da intriga política para equilibrar e consolidar o seu poder mais nada fez!!
Improvisou ainda o ditador por não ter compreendido que apenas a descolonização servia os interesses do país… A responsabilidade da guerra, de todos os mortos que ocorreram no período entre 1961 e 1974, bem como de todos aqueles, dos povos das antigas colónias portuguesas, que ocorreram posteriormente são crédito na sua conta pessoal pela sua cegueira, sua obstinação…
Improvisaram as Forças Armadas em 25 de Abril porque, não tivesse sido a coragem pessoal de Salgueiro Maia na Av Ribeira das Naus e o desrespeito pelo povo da ordem de recolher obrigatório… teríamos provavelmente saído do Salazar-Caetanismo e caído num consulado extremista de Kaulza de Arriaga ou na passagem simples e pacífica de poder de Caetano para Spínola com resolução dos problemas corporativos das Forças Armadas ou, finalmente, na guerra civil…ou, mais verdadeiramente, na guerra entre facções militares…
Improvisámos em 25 de Novembro, porque a parte rectangular da Península Ibérica já nada interessava ao exterior e, nessa medida… “são brancos, que se entendam”. A guerra, civil desta vez, esteve mais perto que nunca!
Não tenho a certeza que não tenhamos improvisado na integração cega e incondicional na União Europeia. Tenho sérias reservas se estrategicamente este é o caminho (a auto-estrada, o aeroporto, o TGV…) por onde passa o futuro e a afirmação do país…
O saudosismo por um lado pelo barreirismo extremista e folclórico de 74/75, que se “converteu” á democracia burguesa num sucedâneo de marca BE, por outro lado pelo amorfismo independente e salvador de todos os PRD’s que permita a condução do país a um paraíso ético-poético-político (que existe apenas no mundo virtual) ou, ainda, a deriva paternalista e autoritária, que pretende a interrupção da democracia para reformar…a democracia, levam-nos, de novo, a novos improvisos…
Somos muito bons (avaliação própria de desempenho) e muito improvisadores (criativos… na nossa interpretação do vocábulo, perante o avaliador).
O futuro é cada segundo que passa e não aguarda que nós nos organizemos e entendamos!
Numa verdadeira avaliação do SIADAP… Portugal teria nota claramente negativa.
Como não estamos em auto-gestão (acho…) é lícito entregar a nota negativa a alguns dos nossos mais dilectos responsáveis.
O povo é, como os frangos, os suínos e bovinos, engordado com toxinas!