Venha o novo ano 2007! Pior que 2006 não será, por certo!

































Este ano não deixa, mais uma vez, motivos de saudade...

Internamente, a estatística acima não explica tudo, mas é uma preciosa ajuda para se entender os motivos por que uma taxa cada vez mais significativa de população vive nos limites da pobreza ou abaixo destes.
Fica-me na retina e na memória «a festa» que foi o acordo que possibilita a passagem do Ordenado Mínimo Nacional para 500 € em 2011.
Convenhamos que é uma proeza!!!
Continuamos a ganhar por tabelas quase terceiro-mundistas e a pagar e a descontar como se vivessemos na Noruega, com cada vez menores garantias de futuro e com ameaças muito sérias no horizonte.

Vimos a mais absurda e despudorada luta do estado, enquanto empregador, contra os seus próprios colaboradores.
Neste processo o estado, como a generalidade dos políticos, «pegam de empurrão» pelo sector privado e/ou pela comunicação social.
De notar que são exactamente quem «empurra» os mesmos que são compulsivamente «subsidio-dependentes», que acusam os trabalhadores de não serem produtivos - os mesmos que correspondem a 25 % da força produtiva do mais evoluído e bem sucedido país da UE - o Luxemburgo, p.e.,os mesmos que apresentam lucros fabulosos, cada vez maiores, a cada ano que passa e os mesmos «empreendedores» que são responsáveis pela elevada informalidade da economia que, a continuar assim, em breve será só comparável a igual taxa em Angola.
Com profundíssima mágoa o digo mas, pior nem Salazar conseguiu, mesmo quando baixou salários aos funcionários públicos para conter dificuldades orçamentais. Nessa altura os funcionários viviam com ordenados de miséria e o que os fez permanecerem a trabalhar para o estado foram dois princípios - a garantia de trabalho até á aposentação e a isenção de Imposto Complementar (ex-IRS).
Hoje, as garantias são cada vez menores, pretende-se a todo o transe que os funcionários abandonem funções, criando legal ou artificialmente uma infindável série de dificuldades. Mais perto que nunca encontra-se o momento em que as classes dirigentes da função pública começarão a abandonar o barco, dada a degradação e a falta de estímulo e apoio.
Veremos até onde é que a situação poderá cair!

Este ano o país perdeu (??) um presidente-palavroso, sério mas que nunca se impôs... e ganhou (??) um outro estratégicamente-colaborante. Conceitos das originalidades á portuguesa...

Vimos Bush ser finalmente derrotado nas urnas, sem apelo nem agravo.
Vimo-lo também ter que engolir em seco, ele e todos os defensores da famosa «Cimeira das Lages», o facto de que no Iraque as coisas não só não estão a correr bem como, pior de tudo, para todos, a importantíssima Guerra contra o Terrorismo sofreu, por essas e por outras, revezes importantes.

Vimos a «orquestração» contra interesses e representações da Dinamarca, pelas caricaturas do profeta.
Vimos o Líbano ser destruído, mais uma vez, pelos seus vizinhos.
Vimos a Coreia do Norte transformar-se em potência nuclear e a ameaça de o Irão ser o próximo regime ditatorial a obter o mesmo estatuto.

Vimos a continuação da miséria e da fome em vastas áreas do planeta.
Vimos a guerra voltar ao «corno de África».
Vimos a instabilidade manter-se em Timor-Leste e, ao que parece ser alimentada por interesses neo-coloniais.
Não vimos e não sei se veremos eleições parlamentares e presidenciais em Angola.

Vimos, rimos de gôzo, chorámos de raiva com as peripécias do «Apito Dourado» e de todo o folclore e impunidade que envolve todos os personagens envolvidos como se de uma qualquer loja maçónica se tratasse.

Perdemos Mário Cezariny e James Brown.

Ao desaparecimento de Pinochet e Saddam, acrescente-se o de Gerald Ford que, com Kissinger, deu a benção, em Djacarta, ao ditador Suharto, para invadir e anexar Timor-Leste, causando centenas de milhares de mortos.

E não houve boas notícias???...
De repente, lembro-me apenas desta.
Exemplar, por sinal.



Desejo a todos os um ano de 2007 replecto de saúde, prosperidade, sonhos e projectos concretizados.
Um 2007 que nos fique na memória pelas melhores de todas as razões!

Abraço.

Mais um tirano morto...

























O ás de espadas juntou-se a Pinochet.

O último não pagou pelos crimes, o primeiro não pagou por todos os que cometeu.

Pinochet teve todo o apoio americano, como se sabe, Saddam Hussein é, só, mais um triste exemplo da política americana. Em comum, o facto de serem ditadores cruéis, criados pelos demiurgos do Pentágono, com a benção de Washington.

Estranho (ou talvez não) que os paladinos da democracia se envolvam com este tipo de escroques...

Saddam foi «inventado» pelos americanos que o ajudaram e a quem foi concedido todo o apoio e garantias (excepto a que reservaram para si - a impunidade perante o TPI) para que cometesse todos os crimes hediondos por que acabou de ser acusado e condenado.

Saddam sacrificou, pelos interesses americanos, contra os ayatolah iranianos centenas de milhares de jovens e, para conter revoltas contra a impopularidade da guerra, com o silêncio (na altura) do amigo americano gaseou curdos e cometeu atrocidades como as de Dujail.

Para o «desinventarem» necessitaram do monstruoso embuste das Armas de Destruição em Massa, de acenarem com o seu amancebamento com Bin Laden e, por fim, brindaram-no com um julgamento que a maioria dos peritos afirma não ter sido justo.

Para variar, terão neste processo criado mais um mártir ao invés de deixarem uma «carta que já estava fora do baralho» apodrecer na cadeia.

A morte de Saddam não resolve nada e pode criar condições para que a situação piore.

A nossa condição de ocidentais e de portadores, orgulhosos, de valores civilizacionais que valorizam e salvaguardam o valor da vida humana obrigam-nos a que não nos não calemos perante esta execução.

Ler mais sobre o assunto aqui, aqui ou aqui.

Núpcias



















Penetro
esse colchão de cristal,
e
um lençol de mar
me envolve
tecendo o meu vestido raro,
espuma e sal.


Interrompo estas núpcias com o coral,
vem-me o mavioso murmurar
das palmeiras pela brisa
será que não aprovam?



Ana de Santana

Grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr....
















Cumpre-me o doloroso dever de informar os meus estimados amigos, visitantes e clientes desta "espelunca" que o computador do gerente... se finou.
Estão por apurar os desconhecidos motivos que levaram a que o "bendito" computador, se finasse...
Tentar-se-á uma operação de urgência, hoje á noite, para ver se o súbito passamento não passará, afinal, de um súbito entorpedecimento ou consequências de um Natal bem regado...!
Caso a cirurgia não resulte terei que partir para a autópsia... com todas as desvantagens que daí advém.
Assim sendo não restam dúvidas que estou, para já, condenado a não vir aqui nos dias mais próximos.
Espero voltar a revê-los em breve e, se não nos virmos antes, desejo a todos um Feliz Ano Novo.
Logo agora que o ho-ho-ho já passou... Só comigo!
Portem-se bem que eu... volto já!


Adenda:
Voltei...mais rápido que era previsível.
Nem finado, nem regado... apenas e só, como também entrava nas supeitas, «capricho de hardware»!
Podia ser uma infinidade de coisas qual delas a mais grave.
Eis que o simples ligar/desligar os cabos do monitor e placa gráfica repuseram em perfeito funcionamento o «bicharoco», depois de já ter feito o «exercício» antes...
É de loucos!

Feliz Natal

























In Leigos Missionários da Consolata

O menino e sua mãe



Madona, Raphael



Vi há tempos um quadro feito por mão inspirada:
Os traços eram perfeitos
do Menino Jesus e sua Mãe.
Causava enlevo, fazia ternura,
e o olhar que se desprendia de Nossa Senhora,
Que tinha seguro nos braços o seu Menino.

Este deixava ver bem
Seu grande afecto, Sua divina paixão
por Aquela que tão estreito
o trazia ao peito:
A cabecita de encontro, bem encostada,
entre a face e o ombro de Sua Mãe
e a carita de criança voltada para nós…

Mais que tudo, porém, impressionou-me o ar,
o ar de desafio, cheio de divina meiguice
um ar (Deus me perdoe!) quase gaiato
que parecia dizer a quantos o quisessem entender:
“É minha, só minha a Virgem Maria!”
De tão estreito e apertado que cingia com os bracitos
Nossa Senhora…

Confesso que estranhei,
por me ver quase defraudado por esta divina avareza.
Mas no olhar sorridente da Virgem bondosa
li logo a resposta, a bonança que me vinha:
“Deixa-O, meu filho, são primeiros tempos
que goza a novidade de ter… Mãe:
Eterno que é, só isto Lhe faltava, no céu…

Não tarda que no Calvário te dê a Sua vida
(pouca coisa para Ele!) e o que é mais ainda:
que te dê Sua Mãe, tua Santa Maria”.



D. Alexandre do Nascimento
In “Livro de Ritmos”

Como surgiu a Rabanada



















Fatias de parida?

Quem inventou a rabanada? Os portugueses.
Dizem que a rabanda surgiu, porque as pessoas aproveitavam os restos de pão duro, que a maioria jogava fora.
O doce é conhecido como fatia de mulher parida. É isso mesmo. Conta a história que a mulher rica que acabava de ser mãe, era alimentada com o pedaço do que chamamos de rabanada para aumentar o leite da gestante.
No nordeste do Brasil é conhecida como fatia parida, para além de serem chamadas de fatias douradas.
Em França, a delícia chama-se Pain perdu.





Rabanadas à Moda do Minho


Ingredientes:

2 pães de cacete com 0,5 Kg cada
0,5 l de leite
4 ovos inteiros
Óleo para fritar
Açucar areado e canela para polvilhar na proporção de 4 partes de açucar para 1 parte de canela em pó
Confecção :

Arranjam-se pão com dois dias de antecedencia. Cortam-se as fatias obliquamente, para as tornar mais compridas, e com a espessura de um dedo. Colocam-se num tabuleiro e regam-se com leite frio, de modo a ficarem bem demolhadas. Em seguida, batem-se os ovos. Pega-se nas fatias de pão, que se expremem um pouco entre as palmas das duas mãos, passando-as bem pelo ovo batido e fritando-as de seguida em óleo bem quente, virando-as para ficarem bem lourinhas de ambos os lados. Depois de fritas, escorrem-se e polvilham-se bem com a mistura de açucar e canela. Acompanham-se com molho que a seguir se indica:

Molho de rabanadas:

0,5 Kg de açucar
3 dl de água
Uma casca de laranja
Meio calice de vinho do Porto doce
Mistura-se o açucar com a água e a casaca de laranja, leva-se ao lume e deixa-se ferver durante três minutos.
Junta-se o vinho do Porto, deixa-se levantar fervura e retita-se do lume.
Serve-se frio.

Feliz Natal para todos







Silent Night




Silent night, holy night.
All is calm, all is bright.
'Round yon virgin mother and child.
Holy infant so tender and mild.
Sleep in heavenly peace,
Sleep in heavenly peace.

Silent night, holy night.
Shepherds quake at the sight.
Glorious strains from Heaven afar
Heavenly Hosts sing alleluia.
Christ the Saviour is born

(A Estáline)


























Vivemos num país ora irreal e estranho;
Não há quem nos ouça a dez passos de distância.
Mas quando cochichando temos conversado,
o montanhês do Kremlin sempre é nomeado.

O dedo grosso, verme gordo, gesticula.
Suas palavras chegam como um forte murro.
Bigodes de barata são de riso amável,
O cano das suas botas brilha de impecável.

Seu bando de senhores está sempre a postos,
Brutais semi-humanos á sua ordem tortos.
Decretos incessantes, como pontapés
Acertam-nos nos olhos, baixo-ventre, testas.

Tem busto atlético, da Geórgia uma beleza.
E cada nova morte é sua sobremesa.





Recordar, nas palavras de Osip Emilievitch Mandelstamm, traduzidas por Jorge de Sena, 128 anos depois do seu nascimento, esse monstro que foi Joseph Vissarionovich Dzhugashvili (Estalin)





Trouxe as flores






















Trouxe as flores
Não são todas branças,mãe
Mas são as flores frescas da manhã
Abriram ontem
E toda a noite as guardei
Enquanto coava o mel
E tecia o vestido
Não é branco, mãe
Mas serve à mesa do sacrifício
Trouxe a tacula
Antiga do tempo da avó
Não é espessa, mãe
Mas cobre o corpo
Trouxe as velas
De cera e asas
Não são puras, mãe
Mas podem arder toda a noite
Trouxe o canto
Não é claro, mãe
Mas tem os pássaros certos
Para seguir a queda dos dias
Entre o meu tempo e o teu.



Ana Paula Ribeiro Tavares
in Ex-votos

As aparências enganam





















As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam
Porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões.
Os corações pegam fogo e, depois, não há nada que os apague...
Se a combustão os persegue, as labaredas e as brasas são
O alimento, o veneno e o pão,
o vinho seco, a recordação
Dos tempos idos de comunhão,
sonhos vividos de conviver...

As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam
Porque o amor e o ódio se irmanam na geleira das paixões.
Os corações viram gelo e, depois, não há nada que os degele...
Se a neve, cobrindo a pele,
vai esfriando por dentro o ser
Não há mais forma de se aquecer,
não há mais tempo de se esquentar
Não há mais nada pra se fazer,
senão chorar sob o cobertor...

As aparências enganam, aos que gelam e aos que inflamam
Porque o fogo e o gelo se irmanam no outono das paixões
Os corações cortam lenha e, depois, se preparam pra outro inverno...
Mas o verão que os unira,
ainda vive, e transpira ali

— Nos corpos juntos na lareira...
na reticente primavera...
No insistente perfume
de alguma coisa chamada amor...




Sérgio Natureza

Vácuo


























Se tivesse de descrever esta procura,
uma palavra bastaria:

inútil.

Como qualquer outra, nos dias que correm.

E é assustador pensar que as palavras podem perder-se hoje,
e nunca mais voltar.
E eu com elas.

As palavras já não nascem na mesma fonte salgada,
mas também nunca foram derramadas pelo sol.

E eu continuo a procura-las.
inutilmente.

O negro véu que cobre certezas acabou por esconder dúvidas.
O véu do tempo,
sujo de rotinas,
dourado de esperas,

descobriu o ócio.

E a espera cegou-me sonhos ou pessimismos.
Como que me esqueceu.
Sou só eu aqui.
Mais só que nunca.

Já não há vícios nem folhas em branco,
agora só o silêncio dos dias que passam
vagarosamente depressa.

E eu vejo-os passar,
conto mais uma vez os segundos,
descubro heterónimos da alma
que nunca saberei escrever,
e vejo que são inuteis,
mais uma vez,
todas estas redundâncias.

O agora é um grande pedaço de nada embrulhado no tempo
que passa sem me consultar.

Procuro apenas as palavras.
Procuro nas palavras
se ainda há vida aí.

Tenho quase quase a certeza que hibernaste dentro de ti.
E que esse Tu
Sou Eu.



Patricia Silva

Portugal


























Do mar Atlântico na margem pura
se senta uma matrona desgrenhada
ao pé da serrania coroada
de triste pinheiral. Nos joelhos dura

os cotovelos pousa, e o rosto na mão,
e crava ansiosos olhos de leoa
no sol poente, e o mar em frente entoa
de maravilhas a fatal canção.

Diz-lhe de longes terras e de azares,
enquanto ela os pés banha nas espumas,
sonhando absorta o trágico império

que se abismou nos tenebrosos mares,
e fita que entre as agourentas brumas
se alca D. Sebastião, rei do mistério.



Miguel de Unamuno
(tradução de Jorge de Sena)


Faça-se, tranquilamente, justiça!
























Apito Dourado.

Onde. Quem. Quando. Como. Porquê.

Perguntas que, espero, Maria José Morgado, como coordenadora dos processos e a sua equipa, venham a obter.

Sejam dadas todas as garantias de defesa aos investigados e todas as condições quer de segurança, quer de meios á investigação de modo a garantir que este enorme quisto não se torne no cancro mortal do futebol português.

Que os media e os fazedores de opinião não perturbem o processo.

Espera-se que o (mau) exemplo do Processo Casa Pia tenha ensinado algo a todos.

Não encontro compatibilidade entre justiça, populismo e sensacionalismo, para mais se aliados a paixões por vezes irracionais.

É muito difícil já, neste momento, num Estado de Direito Democrático, conseguir «engolir» a sobranceria e o gozo com que se observam alguns dos personagens pretensamente envolvidos proferir declarações á sombra da confiança na inconstitucionalidade dos preceitos que o(s) levaria(m) a julgamento.

Pretendem demonstrar que estão no patamar da impunidade. Estarão?

Relembro este post... e retenho na memória as palavras, há muitos anos, de Carlos Manuel, centrocampista do Benfica, numa entrevista a um jornal desportivo:

- "...no futebol a única coisa séria, é a bola..."

A bola continua a ser séria porque não pode mudar a sua natureza... por isso é tão maltratada!

Certamente saberia do que falava!

Ontem já era tarde...


























'El diablo va a tener un mal día, porque le van a quitar la presidencia del infierno', en referencia a la muerte del dictador Augusto Pinochet.
(Carlos Fuentes, escritor mexicano)

Parabéns

























Aos vencedores e a todos os participantes de "Os Melhores Blogues 2006" em A Geração Rasca

Cantar de Emigração



















Este parte, aquele parte
e todos, todos se vão
Galiza
ficas sem homens
que possam cortar teu pão
Tens em troca
órfãos e órfãs
tens campos
de solidão
tens mães que não têm filhos
filhos que não
têm pai
Coração
que tens e sofre
longas
ausências mortais
viúvas de vivos mortos
que ninguém
consolará



Rosália de Castro

Refeição de katete

























Foto de Cyntia Cavalcanti


Vindo, cansado e famélico da escola,
Encontro a minha refeição de katete
Ou de xima acompanhado de mutete
E encosto ao lado a minha sacola.


Por momentos, o caderno e a ardósia,
Que tenho na sacola, ficam esquecidos,
Para poder matar a enfadonha miséria
Da fome que não conhece sofridos.


A seguir é a visita às armadilhas
Que me surpreendem com maravilhas
De um peixe, um rato, um pássaro caído


Que vão construir o novo cozido
De outras nutritivas minhas refeições,
Antes de poder rever a matérias das lições.



José Samuila Kakueji





Glossário
Katete: folhas comestíveis, antipalúdicas
Mutete : azeda; folha comestível
Xima : pirão, funji

Actualização










Há algum tempo que se vinha a impôr a actualização das ligações a alguns blogues e sites.
Está feito!
Foram retirados blogues que já haviam deixado de existir, outros haviam mudado de residência, acrescentados muitos outros de grande qualidade.

Surpresa maior e desagradável, porventura não surpreendente... o site da UCCLA está inactivo ou é apenas acessível a um número restrito de utilizadores.

Por uma ou outra causa, lamenta-se.

Eis a mensagem:

"Forbidden
You don't have permission to access / on this server.

Additionally, a 404 Not Found error was encountered while trying to use an ErrorDocument to handle the request.


--------------------------------------------------------------------------------

Apache/2.0.52 (Red Hat) Server at cm-lisboa.pt Port 80"

Memoriais e... condomínios























A propósito da edição de "Night" , de Elie Wiesel, tive esta tarde a oportunidade de ver Oprah Winfrey, no seu programa, em Auschwitz.
Imagens de violência e terror sem fim, vistas já vezes sem conta e que não deixam de horrorizar.


Estas imagens e o monumento á paz que Auchwitz hoje constitui lembraram-me igualmente outro memorial, outro genocídio - Ruanda - recordado em My Bivouac.























Finalmente recordaram-me outra imagem, outro local, onde o apreço pela história e pela memória dos homens leva a que responsáveis políticos entendam que ali fica melhor um condomínio de luxo.





Era no tempo dos tamarindos


















Era no tempo dos tamarindos
Meu pai sempre me acordava pela manhã
E ia cantando para o quintal
Enquanto fazia a barba
Debaixo do caramanchão
Da buganvília cor-de-violeta.

Era no tempo dos tamarindos
Zenza Niala vinha entrando na cancela
À cabeça a quinda carregadinha de fruta
Sempre cumprimentava minha mãe:
-“Sápêrê, Dona!”
Minha mãe respondia:
-“Olá”
Ela agachava no chão
Destapava a quinda
E por sob as folhas frescas de mamoeiro
Mostrava papaias e pitangas saborosas

Às vezes trazia fruta-pinha e sápe-sápe

Era sempre o mesmo diálogo
Minha mãe:”Chingamin?”
Zenza Niala no chão sorria
Mostrava os dentes de marfim
E respondia
-“Meia-cinco, sinhóra”

Era no tempo dos tamarindos.

E havia “bigodes” e “bicos-de-lacre”
Cantando nas acácias do quintal.

Depois Zenza Niala ia embora,
As ancas baloiçando
A quinda na cabeça

Era no tempo dos tamarindos



Ernesto Lara Filho








Fausto

Poesia na cidade


Poema "Manhã de sol com azulejos", de Francisco Alvim

Brasília

Noite







A noite fuma silenciosa

dançando na discoteca,

bamboleando-se lânguida

nos braços do prazer...



Sai cambaleando,

o seu decote de estrelas

ajeitando...

E os seus passos

nas ruelas, perdidos,

sôfregos

rumam a uma casa de fado


Vozes doridas,

vozes sofridas,

e a noite chora.

Das partituras do vento

lembra-se...

Das sinfonias de amor

que a embalam



Sai titubeando

e seus passos ecoam

no breu profundo.




Helena Estevão*
_____________________

*Aluna da Escola Secundária de Santa Comba Dão
15 anos

Lista
















Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais.

Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar
Quantos amores jurados prá sempre
Quantos você conseguiu preservar.

Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora
Hoje é do jeito que achou que seria
Quantos amigos você jogou fora.

Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber.

Quantas mentiras você condenava
Quantas você teve que cometer
Quantos defeitos, sanados com o tempo
Era o melhor que havia em você.

Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia prá sobreviver
Quantas pessoas que você amava
Hoje acreditam que amam você.

Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais.

Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber
Quantas pessoas que você amava
Hoje acreditam que amam você.




Oswaldo Montenegro


O meu presépio




Fabuloso

Tinha que partilhar isto convosco!
Absolutamente fantástico!





Jean-Batiste Maunier et Clémence
Concerto Pour Deux Voix

Esperança



























Se quiseres partir amanhã
eu paro o mundo
com facilidade assim
com esta mão
e então descobriremos
o mais profundo fundo que há no mundo
que é no irmos fundo às coisas
que há razão
de verdades consumadas me consomem
de falácias bem montadas me alimentam
mas meu filho mora o reino do futuro
que é mais duro
e não vai ser com palavras
que o contentam

Se a morte lenta te rebenta sob a pele
a cada dia
e se no teu braço apenas sentes a força
de um cansaço organizado
mas manténs na tua fronte a dúvida
e o gosto pelo longe e a maresia
e se sentes no teu peito de criança
a alma de um sonho amordaçado
se quiseres partir amanhã
eu paro o mundo
com facilidade assim
com esta mão
e então descobriremos o mais profundo
fundo que há no mundo
que é no irmos fundo às coisas que há razão


(iste mundus furibundus falsa prestat gaudia
quia fluunt et decurrunt ceu campi lilia
Laus mundana vita vana vera tillit premia
nam impellit et submergit animas in tartara)



Pedro Barroso


Flagelados do vento leste
















Nós somos os flagelados do vento leste!

A nosso favor
Não houve campanhas de solidariedade
Não se abriram os lares para nos abrigar
E não houve braços estendidos fraternalmente
Para nós

Nós somos os flagelados do vento leste!

O mar transmitiu-nos a sua perseverança
Aprendemos com o vento a bailar na desgraça
As cabras ensinaram-nos a comer pedras
Para não perecermos

Nós somos os flagelados do vento leste!

Morremos e ressuscitamos todos os anos
Para desespero dos que nos impedem
A caminhada
Teimosamente continuamos de pé
Num desafio aos deuses e aos homens
E as estiagens já não nos metem medo
Porque descobrimos a origem das coisas
(Quando podermos!...)

Nós somos os flagelados do vento leste!

Os homens esqueceram-se de nos chamar irmãos
E as vozes solidárias que temos sempre
Escutado
São apenas
As vozes do mar
Que nos salgou o sangue
As vozes do vento
Que nos entranhou o ritmo do equilíbrio
E as vozes das nossas montanhas
Estranha e silenciosamente musicais

Nós somos os flagelados do vento leste!



Ovídio Martins








Fausto

Liberdade para Abdelkareem Nabil Soliman




Abdelkareem Nabil Soliman, é um blogger egípcio de 22 anos e encontra-se preso pelas autoridades do seu país, em Alexandria, por opiniões publicadas no seu blog.

Encontrei este apelo no excelente O Lisboeta Observador.
Se preza a liberdade de expressão clique aqui

Um dia

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Um dia, gastos, voltaremos

A viver livres como os animais

E mesmo tão cansados floriremos

Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços

Dos gestos agitados irreais

E há-de voltar aos nosso membros lassos

A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar

Através do mistério que se embala

No verde dos pinhais na voz do mar

E em nós germinará a sua fala.

«Com fúria e raiva acuso o demagogo

E o seu capitalismo das palavras



Pois é preciso saber que a palavra é sagrada

Que de longe muito longe um povo a trouxe

E nela pôs sua alma confiada





Sophia de Mello Breyner Andresen

Migrações




A migração do velho blogger para a nova versão beta, para já, trouxe uma quantidade incomensurável de erros que com paciência, tempo e muita atenção terei que corrigir.
Enquanto isso não fôr possível queria apresentar as minhas desculpas a todos vós pelos inevitáveis inconvenientes que tal situação causa.
Espero que não haja mais contratempos...
Um imenso kandandu para todos.

Canção desesperada




















Vento que vais passar
Pelos loucos cabeços nus,
Que trazes para contar
Sobre a Noite ou sobre a Luz?

Sol que incendeias a terra
Toda nua e resignada,
Que nos trazes dessa guerra
Sem esperança desejada?

Lua, erma e abandonada
Nos confins do abandono,
Que trazes ,assim calada,
Para além de morte e sono?
- Jaz a terra de bruços
Não canta água na pedra:
Só se ouvem soluços
Da desgraça que medra...



António Cardoso
In Nunca é velha a esperança

Amai-vos...


























First Love II, por Lester Kern




Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um grilhão.

Que haja, antes, um mar ondulante
entre as praias de vossa alma.

Enchei a taça um do outro,
mas não bebais da mesma taça.

Dai do vosso pão um ao outro,
mas não comais do mesmo pedaço.

Cantai e dançai juntos,
e sede alegres,

mas deixai
cada um de vós estar sozinho.

Assim como as cordas da lira
são separadas e,
no entanto,
vibram na mesma harmonia.

Dai vosso coração,
mas não o confieis à guarda um do outro.

Pois somente a mão da Vida
pode conter vosso coração.

E vivei juntos,
mas não vos aconchegueis demasiadamente.

Pois as colunas do templo
erguem-se separadamente.

E o carvalho e o cipreste
não crescem à sombra um do outro.




Kahlil Gibran

Não me lavem o rosto






















Não me lavem os olhos!

Não; já disse não!

Deixai-me ver,

sentir, viver tudo em mim

mas não me lavem os olhos!



Deixai-me crer por mim

aceitar a realidade

mas não me barrem a caminhada

não me lavem os olhos!



Deixai-me sofrer realidade

ao sonhar fraternidade

mas... por favor...

não me lavem os olhos!




Sukrato

Uma voz que canta convoca a terra perdida




















Foto de Rui Vale Sousa





Uma voz que canta convoca a terra perdida.

Quase em surdina, evoca os secretos lugares

da infância;

o sítio onde pousavam os pássaros

o quintal cheio de estórias

e - lembras-te? - a tarde em chamas.


A voz murmura:

O exílio é onde nada se recorda de ti

Nada te diz:

sou teu/és meu





José Eduardo Agualusa

Hoje lembro... Mário Viegas









Exílio (Manuel Alegre)




Lisboa perto e longe (Manuel Alegre)

Pastelaria





















Mário Cesariny
(1923-2006)





Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra




Mário Cesariny

Camarada Inimigo

























Rebentamento de mina na picada de Chizampeta e Furancungo
Foto de Costa e Almeida, daqui




Esteve aqui um inimigo sem fome, muita.
Deixou-me este inimigo uma ração de combate com formigas
E 2 pedaços de papel de jornal com excrementos
E 22 latas de cerveja vazias
E capim pisado.

Contou-me muita informação preciosa este inimigo
Sei que há 3 meses fazia frio em Lisboa (Portugal)
Caetano está bom na legenda mas só tem meia cabeça na foto
E o seu sorriso acaba onde começa mais excremento
Caetano está bom mesmo e o Povo Português muito triste
Hoje há 3 meses pois Eusébio não alinha por ter menisco
E Santo Francisco de Paula é senhorio em Lisboa dos pobres.

Sei ainda que este inimigo tem a doença da sede para esquecer
Tem pouca fome porque ainda não sabe aprender a esquecer
Tem diarreia, tem lombriga tem solidão
E só sabe fumar metade do cigarro.

Este inimigo deixa muita informação e rasto
Não pode ser um inimigo tão assim tanto
É um camarada trabalhando no campo inimigo
É pelo menos um agente duplo.»




Mutimati Barnabé João
In "Eu, o Povo"
(Lourenço Marques, Frelimo, 1975)


Pegue um sorriso

























Foto de Inés Martin




Pegue um sorriso
e doe-o a quem jamais o teve...
Pegue um raio de sol
e faça-o voar lá onde reina a noite...
Pegue uma lágrima
e ponha no rosto de quem jamais chorou...
Pegue a coragem
e ponha-a no ânimo de quem não sabe lutar...
Descubra a vida
e narre-a a quem não sabe entendê-la...
Pegue a esperança
e viva na sua luz...
Pegue a bondade
e doe-a a quem não sabe doar...
Descubra o amor
e faça-o conhecer o mundo...



Mahatma Gandhi

Apenas


























Foto de Alan Cresto



Amor
Não me dês tanto, não.

Uma vez ou outra
Prende-me nos teus braços
E envolve-me na carícia morena e loira do teu desejo

Uma vez ou outra
E esquecerei tudo
Até as manhãs em que nos vêm buscar
E não sabemos se voltamos
E se somos homens ou coisas
E se conhecemos o sentido natural do riso
E se é verdade ou mentira
Os filhos a chamar
E a casa
E a mulher de olhos espantados de medo
Nem um assomo de remorso despertando

Amor
Não me dês tanto, não.

Só uma vez ou outra
Prende-me nos teus braços em cruz
E envolve-me na carícia morena e loira do teu amor
E na certeza de paz do teu carinho.

Só uma vez outra…

Só uma vez ou outra
Prende-me nos teus braços
Amor!


José Craveirinha

Uma vez, enchi a minha mão de bruma



















Foto de Peter Essick





Uma vez, enchi a minha mão de bruma
Uma vez, enchi a minha mão de bruma.
Quando a abri, a bruma era uma larva.
Voltei a fechar a mão, e então era um pássaro.
E fechei a abri novamente a mão,
e na sua palma encontrava-se um homem
de rosto triste, virado para o céu.
Mais uma vez fechei a mão,
e quando a abri já só havia bruma.
Mas escutei uma canção de uma doçura extrema.



Kahlil Gibran

Quitandeira





















A quitanda.
Muito sol
e a quitandeira à sombra
da mulemba.

- Laranja, minha senhora,
laranjinha boa!

A luz brinca na cidade
o seu quente jogo
de claros e escuros
e a vida brinca
em corações aflitos
o jogo da cabra-cega.

A quitandeira
que vende fruta
vende-se.

- Minha senhora
laranja, laranjinha boa!

Compra laranja doce
compra-me também o amargo
desta tortura
da vida sem vida.

Compra-me a infância do espírito
este botão de rosa
que não abriu
princípio impelido ainda para um início.

Laranja, minha senhora!

Esgotaram-se os sorrisos
com que chorava
eu já não choro.

E aí vão as minhas esperanças
como foi o sangue dos meus filhos
amassado no pó das estradas
enterrado nas roças
e o meu suor
embebido nos fios de algodão
que me cobrem.

Como o esforço foi oferecido
à segurança das máquinas
à beleza das ruas asfaltadas
de prédios de vários andares
à comodidade de senhores ricos
à alegria dispersa por cidades
e eu
me fui confundindo
com os próprios problemas da existência.

Aí vão as laranjas
como eu me ofereci ao álcool
para me anestesiar
e me entreguei às religiões
para me insensibilizar
e me atordoei para viver.

Tudo tenho dado.

Até mesmo a minha dor
e a poesia dos meus seios nus
entreguei-as aos poetas.

Agora vendo-me eu própria.
- Compra laranjas
minha senhora!
Leva-me para as quitandas da Vida
o meu preço é único:
- sangue.

Talvez vendendo-me
eu me possua.

- Compra laranjas!



Agostinho Neto

Os melhores blogues 2006


















Não poderia ficar alheio ao desafio lançado pela Geração Rasca.
Aqui ficam os votos da Kitanda:

- Melhor Blog Individual Feminino

Chuinga, África de todos os sonhos, Abrigo de pastora, Repensando, Ás vezes (des)organizo-me em palavras..., Blue Shell

- Melhor Blog Individual Masculino

Pululu, Ma-schamba, Água Lisa, Forever Pemba, A matéria do tempo, Postais da Novalis

- Melhor Blog Colectivo

Dias com árvores, Causa nossa, 2+2=5, ante et post, Bicho carpinteiro, FisicosLx

- Melhor Blog Temático

Africanidades, Margens de erro, Raim's blog, Malambas, Caminhadas e Descoberta em STP, Tócolante

- Melhor Blog

Jumento, Pululu, A Fábrica, Blogda-se, NimbyPolis, Água Lisa

- Melhor Blogger

Isabella Oliveira (Chuinga), João Tunes (Água Lisa), JPT (Ma-schamba), Eugénio Costa Almeida (Pululu / Malambas), Brigida Rocha Brito (África de Todos os Sonhos), Carlos Narciso (Blogda-se)


O regulamento pode ser consultado aqui.

Canto do Nosso Amor sem Fronteira




















Praia da Polana
Foto publicada em Lourenço Marques / Maputo, Moçambique





Estamos juntos.
E moçambicanas mãos nossas
dão-se
e olhamos a paisagem e sorrimos.

Não sabemos de áreas de esterlino
de câmbios
vistos de fronteira
zonas de marco e dólar
portagem do Limpopo
canais de Suez e do Panamá.

Amamo-nos hoje numa praia das Honduras
estamos amanhã sob o céu azul da Birmânia
e na madrugada do dia dos teus anos
despertamos nos braços um do outro
baloiçando na rede da nossa casa na Nicarágua.

Ou
com os olhos incendiados
nos poentes do Mediterrâneo
recordamos as noites mornas da praia da Polana
e a beijos sorvo a tua boca no Senegal
e depois tingimos mutuamente
os lábios com as negras amoras de Jerusalém
ambos entristecidos ao galope dos pés humanos
sem ferraduras mas puxando riquexós.



José Craveirinha
Karingana ua Karingana

Quando o sol se apaga























I

Quando o Sol se apaga
o céu é palco estrelado
véu de mil feitiços


A Lua insinua
o seu perfil de dama da noite

De um toque de magia
é uma flor do mar
uma luz no ar

Arte e pura fantasia.



II

Ao poente
a natureza desliza
nas raízes mais fundas

Esconde
a sua intimidade
no seio da terra

E é na sombra
que se cruzam
os laços da vida




Paula Tribuzi

Negra




























Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
quiseram cantar teus encantos
para elas só de mistérios profundos,
de delírios e feitiçarias...
Teus encantos profundos de Africa.


Mas não puderam.
Em seus formais e rendilhados cantos,
ausentes de emoção e sinceridade,
quedas-te longínqua, inatingível,
virgem de contactos mais fundos.
E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual,
jarra etrusca, exotismo tropical,
demência, atracção, crueldade,
animalidade, magia...
e não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.


Em seus formais cantos rendilhados
foste tudo, negra...
menos tu.


E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
sofrimento,
a glória única e sentida de te cantar
com emoção verdadeira e radical,
a glória comovida de te cantar, toda amassada,
moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE





Noémia de Sousa

A Espantosa Realidade das Cousas

























Miradouro da Lua, Luanda





A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.




Alberto Caeiro

Paisagem




















Foto de António Ferreira de Sousa em Caminhadas e Descoberta em STP







Ai meu país de tchilóli e mar

país de riso azul a percorrer memórias

debaixo do sol do Equador e do Cruzeiro do Sul.


ai meu país de tchilóli e mar

de nuvens brancas e negras a percorrer teu rosto

de cânticos-poetas de Tenreiro e Costa Alegre...


Que idílio sublime nestas paisagens tropicais!



E quando a noite se esconde sob a ramada

do teu corpo de ébano e seda

de espuma e coral

então escorre de África inteira

a infinda seiva

lasciva e branda

como da abelha se desprende

o doce mel!




Olinda Beja

Assim clamava esgotado




























Não direi nada

nunca fiz nada contra a vossa pátria
mas vós apunhalastes a nossa
nunca conspirei nunca falei com amigos
nem com as estrelas nem com os deuses
nunca sonhei

durmo como pedra lançada ao poço
e sou estúpido como as carnificinas vingativas
nunca pensei estou inocente

não direi nada
não sei nada
mesmo que me espanquem
não direi nada
mesmo que me ofereçam riquezas
não diréi nada
mesmo que a palmatória me esborrache os dedos
não direi nada
mesmo que me ofereçam a liberdade
não direi nada
mesmo que me apertem a mão
não direi nada
mesmo que me ameacem de morte

Ah!
a morte

Morreu alguém no meu lar
No meu lar havia uma filhinha
estrela brilhante no céu da minha pobreza
ela morreu

Vejo a grinalda branca da sua inocência
arrastada nas águas sobre o seu corpo
Ofélia negra neste rio podre da escravatura.



Agostinho Neto