Canção para a Minga



















Esta mulher
Retém o mar em seu olhar
Quando quer.

Esta mulher desconhece
Que eu adoro
Os cozinhados que ela me oferece.

Ela simplesmente desaparece
E sozinha

Na cozinha
Trabalha e s‘atrapalha na batalha
De m‘oferecer comida boa:

- Quiabos quentes com gimbôa
ginguinga em artística trança
um trago de walende
e cacussos do Kwanza!

À noite
Lhe ponho conversa
Lúdica
Mas ela reage na inversa
E pudica
Rejeita nudez somente de nós os dois
E se refugia nas dobras dos lençóis.

Acordo com o canto do galo
Vou saindo pró salo
Jejum d‘amor não feito
E raiva
De a deixar assim no leito.
Isto não é vida
E vai acabar em briga…

Mas, os meus poemas, Mingas?
Os meus temas d‘amor e desespero?
Caramba fala deles
Me critica
Me xinga se é coisa reles.

Ah…
Esta mulher
Retém o mar no olhar
Quando quer.



António Azzevas

A quitandeira de Sambizanga


















A Quitandeira, quadro de Clarissa Quadros



Na cabeça
quitanda

nas veias
quitanda

nas ancas
quitanda

nos olhos
quitanda

nos ritos
quitanda.

Tudo o coração é de quitanda.

Quitandeira
boa

quitandeira
doce

quitandeira
linda

quitandeira
grande.

Quitanda
fresca

quitanda
de madrugada.

Nos rostos
quitanda e fogueira.

Frutos crescendo
no ardor da quitandeira.

Longínqua voz para a quitanda:

jindungo

batata

limão

cavaça

mamão

laranja

mandioca

papaia


bebem Sol

bebem Lua

no kimanga da quitandeira.


Ó quitandeira que esperas
na lata
no pau
de Sambizanga

a Lua
há de dar-te teus ritmos

o Sol vai devolver-te teus frutos.

Nos teus olhos cresce banana
em teus frutos vibra quitanda



Xosé Lois García

África


Foto de Jorge Rosmaninho em Africanidades





Trouxe na memória o vermelho da terra,


Os poilões que se abrem como os livros,

A quente humidade que se cola à pele,

O pôr-do-sol abrasador que esmaga a linha do horizonte,

As cores vivas que por todo o lado inundam a vida,

Os enormes formigueiros das termiteiras,

Os coutos dos arbustos em praias de criação recente,

O coaxar sem fim dos batráquios pela noite dentro,

A espuma cremosa de um café bem batido,

O gosto das ostras abertas sobre chapa quente,

Os mangueiros e cajueiros que crescem rebeldes,

O sabor de um bom chabéu à mesa de amigos,

A diversidade cultural que pupula nas ruas,

Os papéis e os balantas, e todas as outras etnias,

O burburinho da entrada e saída dos táxis colectivos,

As boleias cravadas em todas as estradas,

A travessia do tranquilo rio a caminho de Farim,

As quedas de água e a força do rio no Sul,

As grossas gotas de chuva num manto sem fim,

A alegria de um viver diferente.

Trouxe na alma um feitiço, certamente…

Pois cá tão longe ela chama por mim,

Impiedosa, insistente,

Como se pudesse haver um amor assim!




Joana Roque Lino

Poema de amor
























Adoro-te, África semente
amor profundo
nobre fruto do meu eu vivente.
Adoro a calidez das tuas tranças,
manta preta do meu primeiro calafrio.

E o dorso largo em que dormi o sono infantil
e acordei já homem feito.



Jorge Macedo

O Candongueiro



















Foto de Phwo, em ás vezes (des)organizo-me em palavras...






xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (Para Glória,
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxUma desconhecida
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxQue viajou comigo
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxEm um dia qualquer)


Paragem do candongueiro:

Sol escaldante
A fustigar gente
Gente aborrecida
De pé, cansada de esperar
Gente entristecida
Com raiva no olhar!

Ao entrar no candongueiro:

Correrias
Gente aos empurrões
Gente aos safanões
Mãos leves puxam carteiras
Mãos malandras nas mbundas das senhoras
É assim todos os dias

Dentro do candongueiro...

Gritarias
Barulheiras
Gente aos desentendimentos
E a protestar
Gente com vincos nos rostos
E com raiva no falar!

Barulho
Carro velho
Sujo e desconfortante,
Musica alta e ruidosa a incomodar
E a perturbar gente
Gente com raiva no escutar!

Carro abarrotado
De gente
Gente descontente
A reclamar
E mais gente a entrar
Carro de gente empanturrado

Gente apertada
A suar
Gente mal cheirosa encostada
A transpirar
Gente misturada com mercadorias
É assim todos os dias

... E durante a viagem:

Só eu, no meu canto
Não protesto
E até gosto
Do desconforto da viagem,
Um encanto
Viajar ao teu lado jovem
(Glória, sussurraste no meu ouvido
Em cima do muito ruído)

Só eu, aprecio as curvas apertadas
Que o motorista faz
Pois muito me apraz
Sentir tuas pernas encostadas
Às minhas
Olhando de soslaio tuas maminhas

Só eu sinto teu calor
Tua respiração ofegante
E teu agradável odor
Só eu viajo contente
Meu corpo colado ao teu
Teu olhar cravado no meu!

Que a viagem dure eternamente
E que entre mais gente!



Décio Bettencourt Mateus

A Minha Casa






















A minha casa
É fácil de localizar
É fácil de encontrar
Basta ires sempre em frente
Para além da linha do horizonte
É fácil concerteza

Primeiro encontras lixo

Lixo e pessoas em convivência
E em harmonia,
Lixo na parte de baixo
E na parte de cima
Lixo e pessoas em convivência íntima

Mais adiante
E com o mau cheiro crescente
Encontras uma lagoa
E nela, crianças a banharem
Crianças a brincarem
Na maior, numa boa

Mais a frente
Entras em becos estreitos
Becos pequenos e apertaditos
É fácil, é só teres isto em mente
Becos e suas enxurradas
Becos e suas águas estagnadas

Sempre em frente
Para além da linha do horizonte
Lá onde a água corrente
Lá onde a água potável
Passa muito distante
E da cor do invisível!

Sempre em frente
Para além da linha do horizonte
Lá onde a luz eléctrica
Connosco brinca
Qual nuvem passageira
Que ora vai, ora vem zombateira!

Sempre em frente
Para além da linha do horizonte
Cheiro de kaporroto no ar
Cheiro de kimbombo a vibrar
Nossas bebidas do dia-a-dia
Nossas bebidas nossa companhia

E no quintal da minha casa
Há jovens a falar alto, bêbados
Jovens cansados, frustrados e arrebentados
São os meus kambas
Kambas das bebedeiras e das minhas malambas
É fácil de localizar concerteza,
Sempre em frente
Para além do horizonte!



Décio Bettencourt Mateus

Terceira gota



















Oh meu país de areias brancas,
meu país de mar
meu país de povo
eu quero ser espuma
menino de sonho alado
na roda das casuarinas

meu país de nuvens brancas no azul
meu país de sol
meu país de povo
eu quero ser de pedra
firme no gesto aberto
da conquista de horizontes

meu país tão novo
areias novas na praia
nuvem clara no azul
meu país de povo
algodoais que sangravam
povo antigo e sempre novo

menino a vogar que sou
vida que à vida se dá
só não consigo entender
porquê que só as areias
porquê que só as nuvens
porquê que os algodoais
sendo brancos são tão nossos?

Porquê, oh meu país,
que um qualquer lugar comum
recusa ao meu irmão
filho da minha mãe
que seja do meu país
a sua brancura pequena?



Costa Andrade

CHEGA!!... Vamos a isto!

























É este o teor do email que por aí circula:

"Vamos fazer a diferença!
Isto tem que começar por algum lado!
Vamos passar a palavra e não ser indiferentes, temos que fazer com que as coisas mudem!
A subida vertiginosa dos preços dos combustíveis tem que parar e temos que fazer com que baixem!
Para tal vamos combinar três dias nacionais seguidos de NÃO ABASTECIMENTO NA BP, GALP, REPSOL!

Esses dias serão o 1 -2 -3 de Junho que vem!

VAMOS FAZER A DIFERENÇA!

Nesses dias abasteçam em outros postos de combustíveis tais como a Esso, Total, Continente (antigo Carrefour), Intermarché, Jumbo e Eleclerc!
Juntos teremos força para baixar os lucros destes gigantes!
Agora é só passar a palavra com urgência!
Estou farto de ser levado na hora de pagar!

CHEGA!

SEJAMOS UNIDOS PORTUGUESES E TODOS OS QUE TENTAM SOBREVIVER EM PORTUGAL!


NÃO ESQUEÇAM 1 - 2 - 3 de JUNHO que vem Não Abasteçam na BP, GALP e REPSOL!
FORÇA PORTUGAL!"



Contudo, como bem explica o Jumento há que efectuar este boicote de forma selectiva e por tempo indeterminado.
N'A Barbearia do Senhor Luis segue a ideia que devemos muito sériamente considerar.
Estou naturalmente na onda.
Chega!

Só eu sei porque… fico em casa!
























Imagem daqui


Apenas porque não tenho a certeza que ao entrar num estádio de futebol, o espectáculo a que assisto é ou não real… pode ser perfeitamente uma encenação como o são as lutas de Wrestling…deixei de ir ao futebol, ao estádio, em meados da década de 70.

Porque não é seguro em face de todo o vandalismo associado ao futebol ir ao estádio mais me convenci que não devia pôr lá os pés.

Porque me recuso a aceitar que a imprensa desportiva tenha como objectivo vender papel e pactuar com estas situações… deixei de adquirir jornais desportivos no inicio dos anos 80.

E no entanto a bola, pela sua honestidade, não deve ser (mal) pontapeada como vimos todos os fins de semana.

As perguntas e perplexidades…

























- Se O FC Porto tivesse apenas 4 pontos de avanço sobre o Sporting CP a decisão seria de punir com 6 pontos??? Ou seria menos???
- Mesmo que fosse punido com os 6 pontos, perante a perda do título, levaria o FCP a manter a decisão de não recorrer – com a inevitável assumpção de culpa?? Ou nestas circunstâncias recorreria???
- Há alguma “alma penada” neste país que acredite na “forma tentada” de coacção???
O que é isso??? É preciso o quê??? Depois de correrem atrás de José Pratas pelo campo todo, darem um “enxerto” de porrada frente a todos os espectadores???
- A “invenção” da forma eufemistica da “tentiva” serviu apenas para regulamentarmente se evitar a descida de divisão do FC Porto???
- Então porque não se concedeu ao Boavista a mesma benesse??? Alguém teria que pagar as favas…
- Qual a razão por que os pontos são convenientemente descontados esta época e não na próxima época… com início da prova com pontos negativos??? O regulamento não prevê…
- Sendo a FIFA um “estado” multinacional, com vários estados-dentro-do-estado… porque permite que em questões tão sensíveis para o desenvolvimento e nome da modalidade cada federação ou liga tenha a sua própria forma “original” de interpretar e regulamentar?? E não é apenas este caso, a aplicação da pena disciplinar dos cartões exibidos pelos árbitros…é escandalosa em Portugal. Nas provas internacionais, os jogadores que nas provas nacionais são penalizados com uma suspensão de 1 jogo pela amostragem de 5 cartões amarelos, teriam cumprido 2 jogos de suspensão e estariam a caminho do terceiro… Mas, além disso, há a atitude… nas provas nacionais os jogadores permitem-se discutir e envolver os árbitros… nas provas internacionais há respeitinho porque sabem o que custa. E se o respeito falta…é porque, como se viu já em várias ocasiões de tensão, a nível sobretudo da selecção, vem á superfície a indisciplina recalcada mas que lá se encontra latente.
- Porque decidir agora sobre este processo??? Qual a razão?? Qual a pressa???
- Se o processo “Apito Dourado” que corre nos tribunais comuns… der em nada, o que irá acontecer ás decisões tomadas no âmbito deste processo??? Já adivinhei…mais um alargamento e chorudas compensações!
- E se o mesmo processo provar que além das nomeações tipo “quando-o-telefone-toca” houve efectivamente da parte de todos os protagonistas coacção efectiva??? A CD da LPFP efectuará a revisão do processo?? Em que época é que o FC Porto descerá de divisão???
- Ou será que a disciplina desportiva pretende condicionar o curso do outro processo???
- Que razão existe para que a imprensa com ligações ao Porto, em particular, e toda a imprensa desportiva de uma forma geral tenha emudecido tão repentinamente???

São demasiadas perguntas!
Há com certeza respostas para muitas… mas para outras não há.

Desportivamente não vejo qualquer diferença entre o FC Porto, a Juventus, o Milão, O Swarovski Tirol, o Benfica, o Sporting, o Dínamo de Kiev… as questões de justiça desportiva a este nível devem ser universais e definidas de forma clara e precisa pelo organismo máximo que tutela o futebol.

A indecência… e a nódoa


















O acórdão da CD da LPFP sobre os factos indiciados no processo “Apito Final” é, salvo melhor opinião uma indecência… e mais uma mancha indelével no futebol português, daquelas que nem o Vanish OxyAction, passe a publicidade, conseguirá tirar..

As questões ali levantadas de ameaças e coação a equipas de arbitragem… não são de agora e só para a LPFP envolverão apenas o Porto e o Boavista.
Os intervenientes destes clubes são apenas os mais visíveis por se terem convencido do seu poder ilimitado, da sua impunidade… e que o nacional-porreirismo, a que outros chamam brandos costumes, jamais levaria a que a justiça os beliscasse.
Na verdade as mais caras e mediáticas coações passar-se-ão ao nível da liga principal, com todos, ou quase todos, os intervenientes, mas envolvem todas as competições… nacionais e internacionais.
Os ideais de desporto pertencem já a conceitos de romantismo absolutamente ultrapassados e ridicularizados.
Se recordarmos as palavras de Carlos Queirós a propósito da falta de “organização” da FPF no fim de um jogo de apuramento com a Itália, onde o conjunto das quinas perdeu 1-0, percebemos o que se quer dizer… e fica por dizer…
Se nos lembrarmos que o agora comentador da SportTV, Carlos Manuel, antigo jogador do Benfica, disse em entrevista a um jornal (cito de memória) que “…no campo de futebol a única coisa séria é a bola…”

Evitou-se, á boa maneira portuguesa, ir ao fundo da questão analisando aquilo que era conveniente… com as punições a aguardar o tempo adequado para aplicação.

Do romantismo… ao Chico-espertismo













Os primeiros anos do século passado de Ligas e campeonatos de Portugal terão sido, provavelmente, no amadorismo então reinante os únicos em que, competitivamente, o desfecho deverá ter sido mais transparente.
Era ainda prevalecente, no comum dos mortais, a ideia de que “ganhar ou perder era desporto”… e boa parte do pagamento aos intervenientes era feito por bebidas e sanduíches.
Este saudável e incipiente amadorismo deu origem ás conversas irónicas e brejeiras que alimentavam épocas inteiras pelos cafés deste país, autênticas extensões dos precários estádios de futebol.
As provas eram, por falta de competitividade e organização, discutidos a três competidores e meio e decididos basicamente por dois dos contendores.
Este clima foi alimentado pelo poder político de modo a evitar que usássemos a cabeça para pensar no que não devíamos.

Desta fase passou-se ao chico-espertismo nacional que conduziu, desde os anos 40 a ciclos bem definidos de dominação do sistema…
Primeiro o Sporting, em seguida o Benfica a quem através de sucessivos «chitos» dos 4 Pintos, como bem se recordarão, tomaram de assalto o poder na Praça da Alegria, entregando-o ao Porto.
Repare-se que a deriva foi (é) tão grande que, para contrapor ao poder discricionário obtido, os maiores clubes de Lisboa tiveram presidentes que se destacaram pela capacidade de cometer iguais ou maiores trafulhices… Jorge Gonçalves exilou-se em Luanda e Vale e Azevedo no EPL.
Uma alegria…

A gozação e o brejeirismo cedeu o lugar ao mais puro fanatismo, ao facciosismo, á profissionalização da arruaça, ás intimidações, ao poder dos gangues a quem eufemisticamente se chamam claques…e que na pátria do futebol, sem papas na língua, não passam de, sem apelo nem agravo, hooligans - um conjunto de arruaceiros organizados que são reprimidos, controlados e condenados quer judicialmente quer socialmente.
Os corredores passaram a estar povoados de “bobbies, tarecos e abéis” de todas as cores e em todos os locais…

Organizativamente, nos clubes, conforme se desenvolveu o mercado e profissionalizou a prospecção de jogadores, com base em parâmetros de produtividade, de personalidade e de talento… verifica-se igual desenvolvimento na identificação e catalogação dos intervenientes de modo a aferir fraquezas e forças que poderão ser exploradas em beneficio de uns, prejuízo de outros e… vergonha de todos.

Mas, verdade se diga… ladrão não é o que rouba, mas sim o que é apanhado.

Aprender a ler… e a conhecer o mundo





Não é hábito deter-me sobre questões de actualidade neste espaço mas a questão é suficientemente importante para lhe dedicar umas poucas linhas de perplexidade…
O respeito pelo fenómeno desportivo e pela verdade do que se passa dentro dos vários recintos, qualquer que seja a modalidade aí praticada, leva-me a tecer alguns comentários.

Não posso deixar de recordar o frenesim com que, há muitas décadas atrás, aguardava a chegada a casa do jornaleiro que ia entregar ás segundas, quintas e domingos “A Bola”, ás terças e sábados “o Record” e ás quartas “O Mundo Desportivo” aquele que, francamente, menos gostava.
Quase aprendi a ler com estes jornais… mas se não aprendi de todo a ler nestes jornais ajudaram muito e acima de tudo ajudaram a mostrar-me um mundo muito diferente do cinzento canto lusitano. Foi por aqui que comecei a perceber a existência, nas entrelinhas, da multiplicidade de opções por esse mundo que obstinadamente nos escondiam. Acima de tudo “A Bola” era, na época, leitura obrigatória.

Mais, ao futebol era dada tanta importância que até a “gesta heróica” do Coreia do Norte – Portugal do Mundial de 66 se tornou lição de português. Lia aquilo e parecia estar a ler “Os Lusíadas”.

Muito do que recordarei nos próximos posts e das conclusões que retiro derivam do espírito critico com que me habituei a olhar para tudo na vida, sabendo que quanto mais me aproximar dos objectos… menos vejo.

A tradução do amor

























É um compêndio o amor. Caminho de muitas coisas.
Tem coisas novas e outras tão velhas
como são os ventres de raparigas aos estertores;
como o amor de Neto e os suspiros de Eugénia.

Rimas perdidas - não mais a casa da rima
onde escolhesse uma embriaguez e matutasse
às cores do divumu. Esta pedra que
não para de pensar porque estou sentado nela
e ela me tem como a um esposo, sobre esta pedra
concluo a noite.

O amor é a nocturnidade é um compêndio solto.
Qualquer que seja a página que rasgue da noite,
o amor sangrará.
Este é o longo caminho e metade de mim mesmo.
- Sabes o que é o amor? -
Quem responderá quem fortalece sua própria insónia?
Todo este tempo que amei é uma insónia.



João Tala

Universalidade do gesto da ave



















derrubadas no grito do meu silêncio sugerem lágrimas
a rima do batom marrom sugere prata suor e ouro
que fenómeno matará a distância?

no deserto eros mãos e sol anunciam o cântico do arco-íris
ao mesmo tempo que a ave
o hino pleno da ave plena anuncia de cristal
o fim do canto do pranto que habita em mim em cada gesto

de riso em riso
tece o convexo sacro-belo da génese da nova poesia
em cada gesto humano da ave
há expresso ensejo universal de nação



Trajanno Nankhova Trajanno

Pangea Day




Veja mais, aqui

Mãe



















Minha mãe:
trago a resina das velhas árvores
da floresta nas minha veias.
E a sina de nascença
No meio das baladas à volta da fogueira
tu sabes como é sempre uma dor nova
sabes ou não sabes, minha Mãe?

Sabes ou não sabes
o mistério de olhos inflamados de macho
que um dia encontraste no teu caminho
de tombasana* de pés descalços?

Sabes ou não sabes, Mãe
a resina das velhas árvores plantadas pelos espíritos
as blasfémias dos mortos salgando as raízes virgens
e as grandes luas de ansiedade esticando
... as peles dos tambores enraivecidos
e dando às folhas das palmeiras
o brilho incandescente das catanas nuas?

E no sabor do encantamento, Mãe
dos nossos desenfeitiçados feitiços ancestrais
o exorcismo ingénuo das tuas missangas
o maravilhoso mecheu das tuas canções
e o segredo do teu corpo possuído
mas de materno sangue inviolável
donde a minha sina nasceu.

No
espaço da tua sepultura de negra
sabes ou não sabes a verdade
agora sabes ou não sabes
minha Mãe?


*Tombasana - moça, rapariga solteira.



José Craveirinha
In "Karingana ua karingana"

Agora eu era linda outra vez



























Foto de Massimiliano Uccelletti, via "O Jumento"



Agora eu era linda outra vez
e tu existias e merecíamos
noite inteira um tão grande
amor

agora tu eras como o tempo
despido dos dias, por fim
vulnerável e nu, e eu
era por ti adentro eternamente

lentamente
como só lentamente
se deve morrer de amor




Valter Hugo Mãe
in «O Resto Da Minha Vida seguido de A Remoção das Almas»

Aparição


























Tão de súbito, por sobre o perfil noturno da casaria, tão de súbito surgiu, como um choque, um impacto, um milagre, que o coração, aterrado, nem lhe sabia o nome: a lua! - a lua ensangüentada e irreconhecível de Babilônia e Cartago, dos campos malditos de após-batalha, a lua dos parricídios, das populações em retirada, dos estupros, a lua dos primeiros e dos últimos tempos.


Mário Quintana

in "Sapato Florido"

Esqueleto sufocante da alma


















Namorei um aquário
penetrando senti o consolo do fogo
e abraços de peixinhos
na areia senti a ternura
das tuas mãos macias

Subi ao céu e senti no meu peito
o esqueleto sufocante das
estrelas luminantes

Desabafei com a relva
descarreguei a bílis
e senti consolo das nossas falas


Kanguimbo Ananaz