Luanda é a cidade
























Foto de Vasylis, aqui



Luanda é a cidade
que não sabe se é cidade
se é país.
Tanto país se encontra nela
tanta cidade compõe este país
tão país e tão cidade
Luanda mulher criança velha
homem que por ela morre e vive
do Mucussu ás alturas do Belize



Costa Andrade

Entardecer

















Do dia, para mim, o entardecer
É, de longe, o mais belo, o mais suave..
É feito de magia, de poder
Sentir o vôo , a leveza duma ave.

De ar carregado de mensagens,
De brumas enroladas em mistério,
Em poentes rasgando outras paragens
Pintando de vermelho o céu etéreo.

Sensação de findar com tal beleza
Não deverá ninguém triste deixar...
Assim se toca o raiar de uma grandeza
Que todos desejamos alcançar!



Ana Bela

Chama quente





Gosto de ti apaixonadamente
De ti, és a vitória, a salvação
De ti que me trouxeste pela mão
Até o brilho desta chama quente

A tua linda voz de água corrente
Ensinou-me a cantar... e essa canção
Foi ritmo nos meus versos de paixão
Foi graça no meu peito de descrente

Bordão a amparar minha cegueira,
Da noite negra o mágico farol,
Cravos rubros a arder numa fogueira!

E eu, que era no mundo uma vencida
Ergo a cabeça ao alto, encaro o sol!
― Águia real, apontas-me a subida!



Florbela Espanca

Estive lá!

We are the world




Michael Jackson (1958-2009)

Viva o Rei!!


















Pensava eu que só a "má moeda" era sinónimo de trapalhadas.
Engano meu!

De cada vez que ouço intervenções da "boa moeda" aqui, aqui ou aqui, mais me convenço da razão de D. Duarte Pio de Bragança e da necessidade que todos temos de repensar, de facto, sem preconceitos a mudança de regime.

"Um Rei é independente dos partidos e dos interesses económicos."


O ridículo é tão grande que a probabilidade de virmos a ouvir algo como isto é muito elevada:
«Sondagens que terão sido feitas manifestam uma preferência por um regime monárquico, mas, repito, nesta matéria a opinião dos partidos é importante».

De acordo com a homilia interpretativa do teólogo e reverendo pároco da Igreja da Lapa a declaração deverá ser interpretada mais ou menos assim:
«Bom, é provável que tenha razão... Sondagens são sondagens e não é agora que vou comentar... Esta declaração deverá ser lida como uma pré-candidatura ao trono... Aconselho-o a não alimentar o tabu por muito tempo... O núcleo duro do pré-candidato deverá lembrar-se dos resultados funestos que tal estratégia obteve...»


SIADAP
























A leitura do post de "O Jumento", "E se o SIADAP fosse adoptado numa empresa privada?", levou-me a rabiscar algo parecido com um comentário.
A sua dimensão levou-me a publicá-lo aqui.



Qualquer que seja a entidade em questão – empresa privada ou serviço público – terá que ter um sistema de organização o mais simples, claro e funcional possível.
Deverá ter um sistema sério, claro, lógico, justo de avaliação que sirva não apenas de avaliação de cada trabalhador mas que seja, pela obtenção de objectivos, como que um sistema de auditoria interna.

O sistema de avaliação de alguma grandes multinacionais baseia-se não numa “terraplanagem” de objectivos (tipo na ASAE cada fiscal tem que efectuar não sei quantas fiscalizações, detenções, apreender não sei quantas toneladas de material deste ou daquele tipo, fechar não sei quantos restaurantes ou á Divisão de Trânsito da PSP e aos fiscais da EMEL ser exigido a apresentação de x multas mensais e processos de contra-ordenações ou aumentar anualmente em y por cento os mesmos itens) mas na verificação do trabalho desenvolvido por cada colaborador, nas suas capacidades, no que a empresa espera dele em particular na obtenção de objectivos.
O objectivo do colaborador x não tem que ser o mesmo do y.
Os objectivos não são estratosféricos mas de acordo com aquilo que efectivamente é exigível permitindo que o colaborador tenha consciência da real possibilidade de lá chegar e até ultrapassar essas expectativas.
É a possibilidade que é dada ao colaborador em trabalhar com formação e a colocação de fasquia em local atingível que gera a motivação.
Motivação acrescida pela certeza do rigor na avaliação, a certeza que alcançar a classificação máxima depende apenas de cada um, pela inexistência de cotas para os vários níveis de classificações. Entende-se que os Departamentos de Recrutamento fazem o seu trabalho e, do leque total de candidatos, com as devidas oscilações (que se pretendem mínimas), escolheram os melhores ou, se não são os melhores, a organização quer torná-los como tal e o sistema de avaliação fará a devida aferição.

Um tal sistema de avaliação poderá existir em todo o lado, até na FP.
Porém o SIADAP é tudo menos o que ficou enunciado.

Num mundo perfeito, com as devidas adaptações, deveria de facto existir um sistema de avaliação que premiasse o mérito e o desempenho.
Num mundo perfeito, a anterior classificação de serviço que o SIADAP veio substituir deveria funcionar porque era simples e, se rigoroso, teria as suas consequências na separação entre o trigo e o joio embora não enunciasse objectivos ou pudesse ser ferramenta de auditoria.
O que a realidade demonstra é que o anterior sistema faliu por falta de rigor dos avaliadores uma vez que todos os funcionários eram muito bons.
Ser bom era demérito e abaixo de bom, sem que a situação fosse bater nas comissões paritárias eram tão raras ou tão difíceis de encontrar como a vida o é no universo.
Para substituir este malfadado sistema inventou-se uma adaptação que está longe de ser justo e, por isso, se encontra nos antípodas de algo que deveria ser razoável.
Neste, como noutros casos, houve um falhanço total de comunicação, os objectivos foram muitas vezes absurdos e incompreensíveis. A negociação com o colaborador não passou da imaginação de quem adaptou o sistema e a fixação dos objectivos não foi outra coisa que não fosse a tal “terraplanagem” sem ter em conta a capacidade individual e a sua valorização.
O sistema burocrático de suporte, se levado ás últimas consequências, terá que ser (porque não há…) pesadíssimo, absurdo e, na maior parte dos casos impraticável e injusto.
Como é que um avaliador, por exemplo, pode ser justo com 200 colaboradores a avaliar, dispersos por várias unidades de trabalho, cada uma das quais com um ou vários níveis de chefias intermédias, que não avaliam mas aos quais compete transmitir informação??
Tendo em conta que todos os factores positivos e negativos que influenciam a avaliação final estão dependentes de prova factual, imagine-se o peso, o tempo e os gastos económicos que tal sistema comporta.

Os funcionários públicos tiveram que engolir a pastilha sem tugir nem mugir, nestes exactos termos!

Não tenho a mais pequena dúvida que a separação entre os bons e os maus, entre quem se dedica e quem se está nas tintas, tem que ser feito.
Parece-me óbvio que quem mais trabalha, mais se dedica, melhor qualidade e maior quantidade de trabalho apresenta deverá também, mais rapidamente, progredir na carreira e auferir retribuição em função desse desempenho.
Estes são princípios básicos que qualquer cidadão português, quer tenha sido funcionário público ou trabalhador de empresa privada conhece, respeita e defende.
É especialmente válido para todos os que, equiparados a cabo-verdianos ou ucranianos, optaram por, em algum momento da sua vida, ser emigrantes.

No estrangeiro, salvo raras excepções, os trabalhadores trabalham, são formados e respeitados. A idade (experiência) é uma mais valia e a juventude e a formação uma oportunidade de progresso e inovação.
Em Portugal vinga o princípio de que todos os trabalhadores são preguiçosos e sem formação e, por isso, merecedores de baixos salários que, por sua vez, são apresentados como vantagem competitiva do país.
Aos jovens é descredibilizada a sua formação e valorizada a falta de experiência. Aos experientes, ditos velhos, é realçada a sua idade em detrimento da experiência profissional.

Não admira, pois, que sejamos revoltados e ingovernáveis… Isso prova apenas a desorganização existente… e a injustiça da avaliação que nos é comummente feita.

O Luxemburgo não improvisa, não tem recursos naturais, tem cerca de 20 % de mão de obra portuguesa, não tem empresários portugueses… e é um país viável e igualmente muito mais justo.

Deliramos quando as estatísticas, as sondagens (agora tanto em moda…) ou simples inquéritos de rua comprovam que, na improvisação e no desenrascanço, somos os maiores!

Improvisámos em quase todas as crises históricas.
Improvisámos na expulsão dos judeus e na conversão forçada de todos os cristãos-novos…
Improvisámos na introdução da Inquisição… para que D Manuel tentasse aceder ao trono de Espanha….
Improvisou D Sebastião e mais as suas bravatas…~
Improvisámos em 1580…
Improvisámos nas lutas liberais… ao ponto de termos sido temporariamente governados por aquilo que hoje seria um Alto-Comissário da ONU (os ingleses…)
Improvisámos na I República…
Improvisaram os golpistas do 28 de Maio… que não assumiram responsabilidades e, por ignorância própria, foram a Coimbra buscar o ditador…
Improvisou Salazar…porque além do terror e da intriga política para equilibrar e consolidar o seu poder mais nada fez!!
Improvisou ainda o ditador por não ter compreendido que apenas a descolonização servia os interesses do país… A responsabilidade da guerra, de todos os mortos que ocorreram no período entre 1961 e 1974, bem como de todos aqueles, dos povos das antigas colónias portuguesas, que ocorreram posteriormente são crédito na sua conta pessoal pela sua cegueira, sua obstinação…
Improvisaram as Forças Armadas em 25 de Abril porque, não tivesse sido a coragem pessoal de Salgueiro Maia na Av Ribeira das Naus e o desrespeito pelo povo da ordem de recolher obrigatório… teríamos provavelmente saído do Salazar-Caetanismo e caído num consulado extremista de Kaulza de Arriaga ou na passagem simples e pacífica de poder de Caetano para Spínola com resolução dos problemas corporativos das Forças Armadas ou, finalmente, na guerra civil…ou, mais verdadeiramente, na guerra entre facções militares…
Improvisámos em 25 de Novembro, porque a parte rectangular da Península Ibérica já nada interessava ao exterior e, nessa medida… “são brancos, que se entendam”. A guerra, civil desta vez, esteve mais perto que nunca!
Não tenho a certeza que não tenhamos improvisado na integração cega e incondicional na União Europeia. Tenho sérias reservas se estrategicamente este é o caminho (a auto-estrada, o aeroporto, o TGV…) por onde passa o futuro e a afirmação do país…

O saudosismo por um lado pelo barreirismo extremista e folclórico de 74/75, que se “converteu” á democracia burguesa num sucedâneo de marca BE, por outro lado pelo amorfismo independente e salvador de todos os PRD’s que permita a condução do país a um paraíso ético-poético-político (que existe apenas no mundo virtual) ou, ainda, a deriva paternalista e autoritária, que pretende a interrupção da democracia para reformar…a democracia, levam-nos, de novo, a novos improvisos…

Somos muito bons (avaliação própria de desempenho) e muito improvisadores (criativos… na nossa interpretação do vocábulo, perante o avaliador).

O futuro é cada segundo que passa e não aguarda que nós nos organizemos e entendamos!

Numa verdadeira avaliação do SIADAP… Portugal teria nota claramente negativa.
Como não estamos em auto-gestão (acho…) é lícito entregar a nota negativa a alguns dos nossos mais dilectos responsáveis.

O povo é, como os frangos, os suínos e bovinos, engordado com toxinas!

Meditemos























"Não quero que minha casa seja cercada por muros de todos os lados e que as minhas janelas estejam tapadas. Quero que as culturas de todos os povos andem pela minha casa com o máximo de liberdade possível."


"As divergências de opinião não devem significar hostilidade. Se fosse assim, minha mulher e eu deveríamos ser inimigos figadais. Não conheço duas pessoas no mundo que não tenham tido divergências de opinião. Como seguidor da Gita (Bhagavad Gita), sempre procurei nutrir pelos que discordam de mim o mesmo afecto que nutro pelos que me são mais queridos e vizinhos.!"


"Acredito na essencial unidade do homem, e, portanto na unidade de tudo o que vive. Por conseguinte, se um homem progredir espiritualmente, o mundo inteiro progride com ele, e se um homem cai, o mundo inteiro cai em igual medida."


"Uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias."


"A regra de ouro consiste em sermos amigos do mundo e em considerarmos como uma toda a família humana. Quem faz distinção entre os fiéis da própria religião e os de outra, deseduca os membros da sua religião e abre caminho para o abandono, a irreligião."


"A minha preocupação não está em ser coerente com as minhas afirmações anteriores sobre determinado problema, mas em ser coerente com a verdade."


"O erro não se torna verdade por se difundir e multiplicar facilmente. Do mesmo modo a verdade não se torna erro pelo facto de ninguém a ver."


"A não-violência, em sua concepção dinâmica, significa sofrimento consciente. Não quer absolutamente dizer submissão humilde à vontade do malfeitor, mas um empenho, com todo o ânimo, contra o tirano. Assim um só indivíduo, tendo como base esta lei, pode desafiar os poderes de um império injusto para salvar a própria honra, a própria religião, a própria alma e adiantar as premissas para a queda e a regeneração daquele mesmo império."





Mahatma Gandhi

De que Serve a Bondade

















1

De que serve a bondade
Quando os bondosos são logo abatidos, ou são abatidos
Aqueles para quem foram bondosos?

De que serve a liberdade
Quando os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão
Quando só a sem-razão arranja a comida de que cada um precisa?

2

Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos
Por criar uma situação que torne possível a bondade, e melhor;
A faça supérflua!

Em vez de serdes só livres, esforçai-vos
Por criar uma situação que a todos liberte
E também o amor da liberdade
Faça supérfluo!

Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos
Por criar uma situação que faça da sem-razão dos indivíduos
Um mau negócio!



Bertold Brecht

Balada da Flor de Espuma
























Foto de Salucombo_Jr em "Portfolio Photografico"





Descalça vai pro mercado
Don’ Ana pelas barrocas
vai formosa e vai segura...

Com quatro notas de cem,
em alegre sinecura
leva na boca o refrém
duma canção de ternura.
Vai formosa, e tão segura
Don’ Ana pelas barrocas...

Don’ Ana foi ao mercado,
foi ao mercado do Prenda
com quatro notas de cem
e com uma fome tremenda!
Com seu passinho estugado,
descalça pelas barrocas,
foi de quitanda em quitanda
Don’ Ana pelo mercado,
depressa, como quem anda
a cogitar no almoço.
Pelo mercado do Prenda,
foi num alegre alvoroço
com quatro notas de cem
florindo-lhe a mão pequena.

Mas de quitanda em quitanda.
saltando daqui para além
– com que surpresa, coitada!
com quatro notas de cem
Don’ Ana não comprou nada!

Cada vez mais lentamente,
foi de quitanda em quitanda
olhando p’ra toda a gente.
E as quatro notas de cem,
quatro pétalas de espuma
como uma coisa indecente,
como flor de frustração,
foram murchando uma a uma...

Descalça pelas barrocas,
Don’ Ana voltou p’ra casa
devagar, como quem chora.
E as quatro notas de cem
que Don’ Ana deitou fora
com o desgosto de as ter,
cantam ainda o refrém
numa vozinha cansada:

“mal-me-quer
bem-me-quer,
muito-pouco,
ou nada...”



Henrique Abranches

(primeira fase do amor terapêutico)

















Não é difícil arrumar um poema
que te leve aos poucos para a enorme noite;
ter-me-ás de novo. Boa sorte.
E a lua próxima de ti.
Fogo contigo. Os luares enchem-te o corpo.
Divindades e mãos masculinas abrem-te conchas.
E os frutos prestes a encher a terra.
Não cairás porque o chão aproxima-se de ti;
como fruto ofereces-te à terra.
Prestes a abrir-se o poemário. O pomar.
O pêndulo: as mamas em pertubação.
Repetes o torpor do clímax. Não me ouves?
As mãos acumulam orgasmos contadinhos,
entrego-tos como vinho beberás
tardes tropicais iguais à sobrevivência;
tardes que povoam de emgriaguez um mundo
e o fundo da época. Tardes de brasa
em teu fundo frio.



João Tala

os mortos não dormem
























Os mortos não dormem são quissanjes
de profundos teclados em repouso
Atravessam levemente o rio
da eternidade e a sua voz levita e é o maximbombo
de um certo munhungo extraterrestre
Discam os signos da noite
nas grandes mansões em que sonhamos
Os mortos não dormem caminham
connosco vivendo a vida que esquecemos


José Luís Mendonça

Ainda Não Fiz Um Poema De Amor























Foto de Vitaly-Sokol, via "O Jumento"




Falta-me fazer o poema de amor
Consciente,
Sentindo os pés bem firmes na terra
E o sexo como a semente
Que promete em breve ser uma flor.

Falta-me fazê-lo
E mandá-lo à noite
Quando o corpo dela nu
Se mirar nos vidros da janela
Fugindo das roupas que o prendem.

Depois colher a flor
Como a ave que leva no bico
Uma palha para o ninho,
Ou como o viajante sequioso
Que bebe na fonte do caminho...



António Cardoso

The ball




Orlando Mesquita

Je ne regrette rien




Edith Piaf & Isabelle Boulay

Adultério Literário



















Alguém me disse que pareço mais velho
Sinceramente acho que sim
Fui envelhecido pelas muitas vidas que vivi
Já fui viajante, religioso,
Revolucionário, músico,
Louco... e até trabalhador.


Hoje sou poeta, faço versos
Uso as palavras
Sou possuído por elas
Tomam-me de assalto
E quando percebo, escrevo
Saem de mim correndo
Para encontrarem seu papel
São como as espumas
Que o mar não consegue esconder,
Brotam, esbravejam, quebram


Tenho um caso de amor com as palavras
Um romance secreto, adultério
São minhas amantes caladas
E me cobram encontros noturnos
Na calada da noite, na praia...
E eu vou, contestando a moral
Ao encontro fugaz dessas doidas
Que me enchem a mente arredia
Fazendo de mim refém
Se não escrevo, maltratam-me
Pois não saem da cabeça


Tenho que escreve-las, me ordenam
Dominam-me, como na cama
Domina a mulher sorrateira
Enlouquecem-me até que de gozo
Chego a explodir muitas delas
Prazer, choro, alívio
Elas já não me aprisionam
Agora me deixam livre...
Livre ???


Daqui a pouco começa tudo de novo...




José Barbosa Júnior

Sócrates...é responsável pela gripe H1N1




Absolutamente fantástico!!!

Lisboa - 1971
















A Ovídio Martins e Osvaldo Osório





Em verdade Lisboa não estava ali para nos saudar.
Eis-nos enfim transidos e quase perdidos
no meio de guardas e aviões da Portela.

Em verdade éramos o gado mais pobre
d'África trazido àquele lugar
e como folhas varridas pela vassoura do vento
nossos paramentos de presunção e de casta.

E quando mais tarde surpreendemos o espanto
da mulher que vendia maçãs
e queria saber donde... ao que vínhamos
descobrimos o logro a circular no coração do Império.

Porém o desencanto, que desce ao peito
e trepa a montanha,
necessita da levedura que o tempo fornece.

E num caminhão, por entre caixotes e resquícios da véspera,
fomos seguindo nosso destino
naquela manhã friorenta e molhada por chuviscos d'inverno



Arménio Vieira