Quando o sol for sol


















na doçura idade:
o sul chora no coito forçado
o sexo sangra longe da ave-picasso
a naufragar no bolso.

na doçura da idade:
a noite povoa o sexo da mocidade
o mel foge dos lábios da mulher
que procura escaldante beijo.

quando o sol for sol
despir-se-á todo
para mostrar aos mortos
as cicatrizes da respiração
na doçura da idade.



António Francisco Panguila

Catavento numa ilha do Atlântico



















Campo de Concentração do Tarrafal, Cabo Verde




- Vento ao norte! - Vento norte,
Que novas trazes de Set?
Inda o domínio da morte,
O reino da escuridão?

- Vento ao oeste! - Vento oeste,
Que novas bebeste em terra?
Ainda a desunião,
As lutas, a fome, a guerra?

- Vento ao sul! - Vento do sul,
Porque tens sabor agreste?
Ainda alguma criança
Faleceu, hoje, de peste?

- Vento ao leste! - Vento leste,
Que tens a morte de Set,
Nasceu alguma esperança?
O barco pode singrar?
Tem rumo-de-só-amar?...



António Cardoso

Eusébio da Silva Ferreira





65 anos. Parabéns!
Os génios dispensam palavras. Os actos falam por si.

Luanda sob fortes chuvadas

Luanda_chuvas.gif

Imagens gentilmente enviadas pelo amigo Aires Bustorff através de email




Luanda, belíssima nos seus 431 anos... e tão vulnerável.
Luanda, uma cidade paralisada pela intempérie.
Luanda, 82 mortos...e a ameaça de epidemias.
Luanda, cinco milhões de habitantes e infraestruturas para uma população com 1/10 dessa grandeza.
Luanda, a Luanda que sofreu não foi a da Cidade Alta...
Na Luanda da Cidade Alta já ninguém se lembra, envolvidos que estão em 1001 planos de Protecção Civil, sempre anunciados, nunca cumpridos...
O nobre e resistente povo angolano continuará a resistir na adversidade e na miséria.
Até quando??
A que preço??

Um abraço solidário!

Onde cairá o orvalho se as pedras perderam dono






















Onde cairá o orvalho se as pedras perderam dono
e história
e só as coisas torpes e destruídas
cobriram os campos e tornaram cinza o verde?

Oiço exércitos do norte do sul e do leste
fantasmas lançado o manto das trevas
os rostos exilando-se de si mesmos.
Oiço os exércitos e todo e qualquer som abafarem.
- Não ouves a chuva lá fora, a voz de uma mulher,
o choro de uma criança?
Oiço os exércitos, oiço
os exércitos.

Quero reconstruir tudo - alguém disse
e ouvimos cair as árvores.
E vimos a terra coberta de acácias
e as acácias eram sangue.

Estamos à beira de um caminho
- que caminho é este?
Inventam de novo o vôo dos
pássaros.
Aqui já se ouviu o botão da rosa a desabrochar.




Maria Alexandre Dáskalos
In “Do tempo suspenso

É útil redizer as coisas



















Foto daqui




É útil redizer as coisas
as coisas que tu não viste
no caminho das coisas
no meio de teu caminho.

Fechaste os teus dois olhos
ao bouquet de palavras
que estava a arder na ponta do caminho
o caminho que esplende os teus dois olhos.

Anuviaste linguagem de teus olhos
diante da gramática da esperança
escrita com as manchas de teus pés descalços
ao percorrer o caminho das coisas.

Fechaste os teus dois olhos
aos ombros do corpo do caminho
e apenas viste uma pedra
no meio do caminho.

No caminho doloroso das coisas.



João Maimona

Ralhete


























Não me cobres
histórias de adormecer
quando o obus
rebenta no quintal
não me peças luz
se as janelas estão trancadas
não me lembres dos traumas
nem fales de fantasmas
quando eu sonho com
todos os companheiros
que sinto perder na batalha
a cada tempo
não me perguntes sobre o amor
que não tive
nem pelo coração, que esse,
faz tempo, jaz gelado
na granada do meu peito.
Porque procuras os meus olhos
se há muito foram perfurados
pelos estilhaços?
Como te atreves a querer
que te dê a mão se ainda agora
a ofereci em troca de pão?
E, sobretudo, não me perguntes
pelo que não disse
pois a minha boca
há muito se fechou à força
do fuzil do homem
que em mim te semeou.



Ana de Santana

Post 1000

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Gravuras de L Ross




O escritor moçambicano Mia Couto, também licenciado em Medicina e Biologia, fez uma oração de sapiência, no dia 7 de Março, na abertura do ano lectivo do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique.
Partes dessa oração foram publicados no “Courrier Internacional” de 2 de Abril.
Destacamos...


“Os Sete Sapatos Sujos”:


Não podemos entrar na modernidade com o actual fardo de preconceitos.
À porta da modernidade precisamos de nos descalçar.
Eu contei “Sete Sapatos Sujos” que necessitamos deixar na soleira da porta dos tempos novos.
Haverá muitos. Mas eu tinha que escolher e sete é um número mágico:

Primeiro Sapato: A idéia de que os culpados são sempre os outros.
Segundo Sapato: A idéia de que o sucesso não nasce do trabalho.
Terceiro Sapato: O preconceito de que quem critica é um inimigo.
Quarto Sapato: A idéia de que mudar as palavras muda a realidade.
Quinto Sapato: A vergonha de ser pobre e o culto das aparências.
Sexto Sapato: A passividade perante a injustiça.
Sétimo Sapato: A idéia de que, para sermos modernos, temos que imitar os outros.


Mia Couto


Ao publicar este milésimo post, queria deixar um profundo agradecimento a todos os amigos cuja amizade e companhia tem sido um privilégio imenso.
Particular agradecimento á Koluki que teve a gentileza de me enviar por email a apresentação que aqui reproduzo.

Yolanda





Esto no puede ser no más que una canción;
quisiera fuera una declaración de amor,
romántica, sin reparar en formas tales
que pongan freno a lo que siento ahora a raudales.
Te amo,
te amo,
eternamente, te amo.

Si me faltaras, no voy a morirme;
si he de morir, quiero que sea contigo.
Mi soledad se siente acompañada,
por eso a veces sé que necesito
tu mano,
tu mano,
eternamente, tu mano.

Cuando te vi sabía que era cierto
este temor de hallarme descubierto.
Tú me desnudas con siete razones,
me abres el pecho siempre que me colmas
de amores,
de amores,
eternamente, de amores.

Si alguna vez me siento derrotado,
renuncio a ver el sol cada mañana;
rezando el credo que me has enseñado,
miro tu cara y digo en la ventana:
Yolanda,
Yolanda,
eternamente, Yolanda.



Pablo Milanés
(1970)

5 estrelas

Chovia simplesmente

























Saí...
E meu corpo sacudiu estonteante
Ao embate do vento
E da chuva na pele
Sangrava violentamente o espírito desesperado
Que lutava pelo escasso espaço a circular pelas artérias,
Lutava para me manter à tona.
Os pulmões vomitavam os sons lindos da morte.

Estava a morrer
Enquanto o mundo fugia devagar
Por toda aquela maré.
Já todos tinham ido embora,
Tinham todos fugido da chuva
E do vento
Gritando os nomes sonantes dos parentes
Já falecidos lá longe pelas velhas matas do Maiombe.

Estava a morrer,
Mas ecoei os ecos dos mortos
Enquanto lutava para chegar ao único sítio
Onde seria feliz
à sombra da minha árvore.

Despertei,
Não choveu
Eram as lágrimas de uma criança que me molhavam.



Ana Maria Branco

A feiticeira de olhar de prata


























Femme, Traoré Oumarou






a feiticeira de olhar de prata
cansada da tranquilidade de fronteiras e de acampamentos
largou
as pedrinhas que ficaram das pedras
e
se exilou para lá dos sonhos


em sua libata de nuvens brancas
e
envolta em panos de bruma
enrola linhas de horizonte
em grossos novelos
que
por tardes de chuva desdobra
pelo céu alto
em longos arco-íris

a feiticeira de olhar de prata
me aguarda
encoberta em mosquiteiro de brisa
na sua funda alcova de luas e de estrelas
devagar
de lágrimas e sol
ela vai tecendo a renda de meus dias




Arlindo Barbeitos

Linha quatro




















No largo da Mutamba às seis e meia
carros pra cima carros pra baixo
gente subindo gente descendo
esperarei.

De olhar perdido naquela esquina
onde ao cair da noite a manhã nasce
quando tu surges
esperarei.

Irei pr'á bicha da linha quatro
Atrás de ti. (Nem o teu nome!)
Atrás de ti sem te falar
só a querer-te.

(Gente operária na nossa frente
rosto cansado. Gente operária
braços caídos sonhos nos olhos.

Na linha quatro eles se encontram
Zito e Domingas. Todos os dias
na linha quatro eles se encontram.

No maximbombo da linha quatro
se sentam juntos. As mãos nas mãos
transmitem sonhos que se não dizem.)

No maximbombo da linha quatro
conto meus sonhos sem te falar.
Guardo palavras teço silêncios
que mais nos unem.

Guardo fracassos que não conheces
Zito também. Olhos de cinza
como Domingas
o que me ofereces!

No maximbombo da linha quatro
sigo a teu lado. Também na vida.
Também na vida subo a calçada
Também na vida!

Não levo sonhos: A vida é esta!
Não levo sonhos. Tu a meu lado
sigo contigo: Pra quê falar-te?
Pra quê sonhar?

No maximbombo da linha quatro
não vamos sós. Tu e Domingas.
Gente que sofre gente que vive
não vamos sós.

Não vamos sós. Nem eu nem Zito.
Também na vida. Gente que vive
Sonhos calados sonhos contidos
Não vamos sós.

Também na vida! Também na vida!



Mário António
In “Obra poética”

Língua esvoaçante

























A língua nasceu solta e desenvolta. Nasceu virada para fora de si, irmanada com os lábios, os dentes e as cordas vocais que lhe deram a fala, a música, o grito e o silêncio, próprio da caverna onde livremente se encontra enclausurada. A língua serve-se dos olhos, de tudo ao seu alcance e fora dele para, sem papas, testemunhar a nossa relação com a vida. A língua é assim aquela coisa que nos permite, dentro do nosso silêncio, dizer tudo sem nada ter dito. Pois em língua e só nela carpimos os nossos mortos, contamos as nossas histórias e estórias, cantamos as nossas noivas quando rumo à casa do futuro marido deixa para trás a casa que a viu nascer e crescer. E só a língua permite a cada um dizer tudo, menos aquilo que se pensa, num jogo social em que cada um, munido do disfarce que julgar ideal, vai passando pelos círculos que a teia tece.
A língua, essa coisa esguia, nem sempre severa, guiada pela mente, vestida de uma mão ou, por vezes, de apenas três dedos - que podem ser de conversa -, vai dando largas às fantasias e aos sonhos.
A língua, na sua fantasia, tem vestidos: vestidos requintados e com enfeites de lantejoulas; vestidos com contornos de emoção, roupa de mendigo com remendos - mas nada para botar defeito; vestidos com bordados e afrontas que para muitos são heranças que os séculos lhe foram juntando num pé-de-meia. E com todos estes vestidos chega a bifurcar-se em língua do coração, do sentir, da alma e língua de contacto com o resto do mundo. Mas como a dificuldade é um mal dividido pelas aldeias, as línguas não são excepções à regra, lá têm elas o seu estilo de cooperação: a língua de viagens, a do contacto, acaba pedindo emprestadas as roupas de emoção da língua do sentimento; esta por sua vez vai deixando que a língua do sentimento faça uso de suas letras - com a permissão alfabetizada, é claro, de quem dita as regras do jogo.
Apesar de ter nascido solta e desenvolta, livre, ainda há quem pense ser dela o dono policiando no escuro a língua, não vá um mal-intencionado beliscar um acento ou acrescentar uma abertura em lugar incerto ou, ainda, quem sabe?, virgular o que deve ser pontofinalizado. Mas a língua não se importa que a façam voar em vozes e falas, que a enrolem em pergaminhos, folhas simples ou papel reciclado; o certo é que em silêncio ela grita e mesmo quando, inseguros, nela deitamos a mão... questionando... a língua é sempre testemunha.


Em que língua escrever
As declarações de amor?
Em que língua cantar
As histórias que ouvi contar?

Em que língua escrever
Contando os feitos das mulheres
E dos homens do meu chão?
Como falar dos velhos
Das passadas e cantigas?
Falarei em crioulo?
Mas que sinais deixar
Aos netos deste século?
Ou terei de falar
Nesta língua lusa
E eu sem arte nem musa
Mas assim terei palavras para deixar
Aos herdeiros do nosso século
Em crioulo gritarei
A minha mensagem
Que de boca em boca
Fará a sua viagem
Deixarei o recado
Num pergaminho
Nesta língua lusa
Que mal entendo
Ou terei de falar
Nesta língua lusa
E eu sem arte nem musa
Mas assim terei palavras para deixar
Aos herdeiros do nosso século
Em crioulo gritarei
A minha mensagem
Que de boca em boca
Fará a sua viagem
Deixarei o recado Num pergaminho
Nesta língua lusa

Que mal entendo
E ao longo dos séculos
No caminho da vida
Os netos e herdeiros
Saberão quem fomos



E, assim, as mensagens vão passando porque a língua também vai permitindo, assumindo-se como portador de mensagens, voando nos ecos dos que ainda podem gritar pela liberdade, deslizando nas lágrimas invisíveis dos que apenas com seus olhares denunciam a pobreza extrema.





Odete Semedo
06/06/2003

Parte d’África


















Parte d’África
Que estás morrendo

O mesmo navio negreiro
Leva agora a tua alma

Se demandavas
Os campos de café
Em abjecta escravidão

Se te deram
Atroz estigma
Muito abaixo de cão

És total e
Realmente escrava

Sublimas hoje
O rude abraço do patrão



Luís Rosa Lopes

Redenção




















Goa winter sunset, foto de Karan Bajaj






Goa bela!
Olha os Gates (1) em chama!
Olha a crista revolta
que se inflama!
Andam tigres à solta
nos bosques de Bengala!
É a Índia que te fala!
É a Índia que te chama!

Olha os Gates floridos, Goa bela!
Seus píncaros parecem mil canteiros
de corolas subtis, multicolores;
nos seus desfiladeiros,
a Água se transforma em mar de leite
e o leite em mar de Flores!

Eis a Manhã de Glória, que desponta
num clarão!
Goa! Olha os Gates floridos!
Olha os reflexos da Aurora
da tua redenção!

Vês como, além, o areal palpita
e as arequeiras
suas copas virentes entrelaçam
ao seu calor?
No jangál (1) já vê o wág (1) se não agita,
e, alacres, despertam capoeiras,
e mil casais se enlaçam
com amor...
É o fulgor
da tua manhã de Glória que os excita!

Ó Goa bela, ouve os Gates cantando:
nos seus mihares
de ôllos (1) seculares
— imensas catedrais abobadadas —
acordam as ninhadas!
A brisa do Decão traz-nos, dos ninhos,
suas canções:
parecem luz a entrar aos bocadinhos
nos corações!

Olha os Gates, ó Goa, Goa bela!
Vê como as verdes olas se espanejam
nos seus palmares;
e os bule-bules gárrulos festejam
a hora do resgate!
O coco, escrínio de oiro,
tingiu-se de mais loiro,
e nas searas das morodas (1)
se aloira mais o bate!(1)

Goa bela!
Eis o pólen da Vida
que Súria (1) vem verter nos teus jardins!
Abre à Vida o teu peito:
o seu beijo fecundo redimida,
a Natureza juncará teu leito
de mogarins (1) !...

O Mar, teu bardo antigo,
teu velho amante,
estorce-se em tuas praias suplicante,
esmolando carícias:
(blandícias
de traição...)
Mas não lhe volvas teu olhar amigo,
ó Goa bela!
O mar é um inimigo:
se te traz a monção,
também te traz procela
e já te trouxe a santa
Inquisição...

O Mar, teu velho amante?
Tola a paixão qu'inda por ele nutres!
pelos trilhos
do seu dorso gigante,
pombas de brancas asas,
(por dentro abutres
de goela hiante...)
vieram sobre ti banquetear-se
e te servirem fogo em vez de luz:
e mancharem teus lares
e queimarem teus filhos,
teus livros, teus tesourso, teus altares
frias, pálidas mãos alçando a Cruz!

E com os filhos queimados,
com os livros perecidos,
os altares destruídos
e os templos profanados,
os teus Deuses te deixaram,
os teus sábios morreram
as virtudes debandaram
e... os abolins (1) feneceram...
Hoje na tua vida
tudo é monotonia:
sem ciência nem cultura, sem génios nem poetas vegetas...

Pobre mina exaurida!

No ritmo da ataxia
a seiva produtiva
estancou em tuas veias...
E crês-te progressiva!
E pensas iludir essa melancolia
caiando de alvaiade as faces bronzeadas,
a fingir de .... europeias!

Mas ficam furta-cores...

Águias ousadas
e inquietas,
condores
ansiosos de vida e de espaços,
teus filhos,
buscando novos trilhos
abandonam-te em triste debandada.
Uns encontram a Glória, outros a Morte:
eles, águias inquietas
na sua sede de vida e de espaços!
Mas tu, indiferente à sua sorte,
comes do ganho dos seus braços
e encostas-te às muletas
como uma velha trôpega e cansada!

Eis a lição,
«a exploração»,
que te legou a Europa, tua senhora:
ela explorou-te outrora,
tu exploras agora
os filhos do teu próprio coração!
Pobre Goa, tão pobre! Em que ignóbil carcaça
pôs a tua alma d'ouro, a hora da desgraça!
Teu cérebro esgotado
dormiu na inconsciência!
E, esquecido o passado,
interrupta a História,
bate em vão a alheias portas em busca da Ciência!
Vai em balde a estranhas terras à procura da Glória!

Ó Goa bela! Acorda!
Esquece-te e recorda!

Esquece os longos anos de desdita,
de miséria infinita,
de revolta, de luto, de opressão!
Esquece a Inquisição,
e o Jesuíta
que te torceu a alma,
que te deixou por arma
a hipocrisia,
e cavou mil abismos penetrantes
(fé, costumes, língua, tradição...)
entre
os filhos do teu ventre.
Esquece-te das noites horrorosas
e trágicas, de incêndios crepitantes
em que, templo após templo,
campo após campo,
se consumia
o melhor das riquezas portentosas
que no teu seio havia.

Ó Goa bela, acorda!
Esquece-te e recorda!

Recorda a tua História!
Folheia o Livro de Ouro do Passado!
Volve às eras de glória
em que eras grande, em que eras moça e sábia,
em que os homens do Pérsico e do Tigre
te vinham ofertar corcéis da Arábia
e tu lhes davas sândalo e gengibre;
em que os teus cinco rios,
cantados
pelas puranas santas
lavavam os pecados
e eram visitados:
rios cuja água, bebida,
era uma fonte de amor, doçura e vida!

Esses tempos passaram,
estas glórias morreram,
essas árvores d'ouro feneceram,
e as águas sagradas,
abandonadas,
se profanaram...
Jamais um batelão
de quilha donairosa
flutuou triufante à tona do Zuari (1);
e a flor da tradição
tremeu e, pressurosa
fugiu de ao pé de ti....

Outros povos, porém, outros ares mais puros
e reinos mais seguros
guardaram com unção
o seu botão.
Hoje, desabrochada, as pétulas estrela
e estende para ti:
E sobre o gineceu — exulta ó Goa bela! —
surge, de novo, ovante, a Deusa Lakximi (1)!

E agora
olha a manhã de glória que desponta
num clarão:
É ela
— Ó Goa bela!
São os Gates floridos!
São os reflexos da Aurora
da tua redenção!



Adeodato Barreto
In "O Livro da Vida", Nova Goa, 1940


Glossário de termos de origem indiana:

Gates - do Konkani «Ghant» ou cordilheira que separa a zona litoral de Goa do planalto de Decão.
Jangál - floresta
wág - tigre
ôllos - vôvio (?) ou rimas populares
morodos - murddi, ou terrenos cultivados nas encostas das colinas (A.B. parece ter errado. Estes terrenos utilizavam-se quase exclusivamente para o cultivo de legumes e cereais).
bate - arroz antes de ser descascado.
Súria - Sol
mogarins - flores brancas e cheirosas, muito procuradas pelas senhoras indianas para adorno da cabeça e para grinaldas.
abolins - flores encarnadas, sem notável cheiro, e muito utilizadas em Goa nos serviços religiosos, e para fabricar grinaldas.
Zuari - o maior rio ao sul de Goa.
Lakximi - deusa consorte de Vishnu, e fonte de beleza e de fortuna.

Africa



WILD ANIMALS of AFRICA.NAMIBIA.

Canção para uma mulher


























Nunca me falaste
da tua música
estuprada à força do falo,
nem me contaste
das partículas que
pacientemente raspaste
ao sol para fecundar a terra.
Apenas dizes dos braços
Cruzados à volta do filho
Ou do milho a colher

Sempre espero, pacientemente,
tua boca liberta,
pelas mãos mostrando o sol
e
pelos teus filhos contando-te
da vida que semeaste.



Ana de Santana

Sementeira






















Cresce a semente
lentamente
debaixo da terra escura.

Cresce a semente
enquanto a vida se curva no chicomo
e o grande sol de África
vem amadurecer tudo
com o seu calor enorme de revelação.

Cresce a semente
que a povoação plantou curvada
e a estrada passa ao lado
macadamizada quente e comprida
e a semente germina
lentamente no matope
imperceptível
como um caju em maturação.

E a vida curva as suas milhentas mãos
geme e chora na sina
de plantar nosso suor branco
enquanto a estrada passa ao lado
aberta e poeirenta até Gaza e mais além
camionizada e comprida.

Depois
de tanga e capulana a vida espera
espiando no céu os agoiros que vão
rebentar sobre as campinas de África
a povoação toda junta no eucalipto grande
nos corações a mamba da ansiedade.

Oh! Dia de colheita vai começar
na terra ardente do algodão!




José Craveirinha

Cuidado!












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frequentes (FAQs) do Google no endere :
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Já percebi, pela leitura do Attelier dos Mangueirinhas, que não fui o único a receber esta "prenda" na minha conta do hotmail

Estão á vontade para cancelar a minha conta do Orkut... que não existe!

Não sei como é possível apagar o que não existe, mas tentem!

Esta "conversa" parece ter chegado em simultâneo com um virus detectado... um worm/bagle que não morou nunca por estas bandas em função das várias protecções.
Mesmo que uma coisa nada tenha a ver com a outra, "cheira mal" e é altamente suspeita.
Faz-me parecer uma outra que recebi por várias vezes alegadamente da Caixa Geral de Depósitos, para actualização de dados de uma conta inexistente, num português tão execrável como o exemplo que hoje chegou.



Parece-me que todo o cuidado é pouco!



Aos difusores desta mensagem deixo a imprecação que se adivinha na foto que, com a devida vénia, "subtraí" de A Lei do Funil




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Lua






















Foto de Aires Bustorff





Lua cheia
quase fogo
a mão tateia
um desejo espreita
a teia no azul
das nossas veias.
Promete a noite
mistérios fartos
empunho meu arco
pra caçar a Lua
entre teus lábios.



Jurema Barreto de Souza

Plenitude






















hoje é domingo
peço paz & cachimbo
sem me importar
se sou mesmo fraco
se o touro é valente
se o buraco é muito fundo
ou se o mundo
vai mesmo se acabar



Zhô Bertholini

Se fosse hoje...


Liberdade



























Aos operários que por melhores salários lutam,
aos camponeses que por melhores dias reclamam,
a Liberdade os recompensará...

Às mulheres que pela igualdade batalham,
aos homens que pelos seus direitos gritam,
a Liberdade chegará...

Aos países que pela libertação clamam,
aos povos famintos que contra a fome esbracejam,
a Liberdade sorrirá...

Aos povos tiranizados que contra a opressão batem,
aos países pobres que contra a miséria combatem,
a Liberdade também os abraçará...

A Angolana Revolução
os Movimentos emancipalistas,
os Heróis da Libertação,
a Liberdade os jubilará...

Liberdade,
pequena é esta palavra,
múltiplos os seus sentidos.
Para muitos um suspiro,
um clamor;
para todos, porém,
um símbolo,
muito sangue e muita dor.
.


Lobitino Almeida N’gola
(feito em Luanda a 28-Abril-1975)




Malambas, o excelente blog de Eugénio Costa Almeida completou ontem 1 ano.
Quaisquer outras malambas são supérfluas perante as do autor e do poeta.
Parabéns
Kandandu.

A ler, a reler... a meditar
















Eugénio Costa Almeida, no seu magnífico Pululu, manifesta a sua incredulidade perante as frequentes notícias de abusos vários levados a cabo por missões de apoio humanitário ou de paz, perante seres humanos em condições de extrema fragilidade.




Koluki, no seu blog, uma referência já incontornável, a propósito de uma iniciativa de Oprah Winfrey reflecte sobre a frivolidade de opções de apoio a certas iniciativas em detrimento do estrito dever de se fazer aposta no futuro, apostando na educação.




A este propósito, a foto que encima este post, de 1996 foi obtida por mim em Luanda, algures a caminho do Mussulo. Um jipe da ONU (UNAVEM II) transporta no seu interior pelo menos uma "catorzinha".


Estas práticas, o alheamento relativamente á missão, como se o propósito primeiro no local fosse o turístico e a sua percepção pelas partes teve como sabe consequências no reacender da guerra.


Mas não foram precisas mais que meia dúzia de horas de estadia em Luanda para me aperceber do ambiente que me rodeava.


Na visita de cortesia á Ilha do Cabo, numa esplanada de praia, um corropio imenso, a passagem insistente, isoladas ou em grupos, com sorrisos artificialmente construídos ao longo do tempo, insinuações... de crianças de olhar vivo mas infinitamente triste que trocam o juvenil corpo por algumas notas que sirvam para matar a sua fome e a da família.


Pior de tudo, a normalidade com que a situação era olhada.

Tem um hora pa tude



























Na vida tem um hora pa tude

Ma ca tem nenhum hora que nô ta tem tude na vida

Nô ta sinti sempre falta emocional

Falta material ou falta de saúde



Nô ta sinti sempre falta emocional

Ou falta d`algum cosa que vida ca ti ta da



Ma mim m tem nha crêtcheu m tem tude na vida

M tem sossego m tem paz

M tem amor e saúde

Ma nha crêtcheu m ca tem um hora sem tudo



Lura











Sumidouro


















I

Tocas a fímbria dos desfiladeiros,

fruindo a cor do figo e da romã

no nascente e secreto sumidouro.

É tarde nas folhas e nos muros,

nas sombras do tanque de lodo e musgo,

é tarde já. é noite – e o sol vem vindo

e a primavera vindo onde a água

é o mel feroz de pássaros em tua língua,

onde o amor deságua em delta e tudo é fogo.

II

Direi então: amor é onde

o junco alto e as dunas soam mais brando

e os frutos cheiram mais e são mais doces,

onde há a embriaguez e uma tensão

de corda esticada no limite

e tudo é lasso, onde

as abelhas perdem a ferocidade

sendo mais mel,

onde tudo é ordem e labirinto.




Olga Savary

Um vento - a erosão do tempo


























Shepherd, de Violet Hewitt Chandler


A palavra dorme
no flanco das serras
faz nuvens de tempo
e cava ribeiros
com os caudais do som.

A palavra medra
no fundo das covas
exala vapores
desfaz-se em poeira
de cáustica cor
adere às camadas
mais finas da pele
desfaz as mãos dadas
do amor indeciso
e embala crianças
negras que arrefecem.

A palavra invade
o pudor das grutas
as veias dos bosques
o céu das lagoas.
A palavra esculpe
nas furnas de grés
a fresca ventura
de meninos nus.

A palavra está
na cama dos fósseis:
dorme há milhões de anos
nas asas do raio
que petrificou
a aurora dos dias.

A palavra roda
no selim da infância:
marítima luz
ladrilho de sal
um disco que disca
com o centro na cinta
e amputa a paisagem
ao nível da idade.



Ruy Duarte de Carvalho