Maternidade
























Dentro de mim,
é que trago
a voz que se não cala,
e a força
que não mais se apaga...

Dentro de mim
é que o caudal-anseio alaga,
e correndo
há-de ir, de mar em mar,
levar
ao fim da terra,
um sinal de infinito...

Dentro de mim,
do meu sangue nutrida,
e sustentada,
é que a voz não é soluço
mas grito!

Dentro de mim,
eco de paz ou de alerta,
dentro de mim,
é que a eternidade é certa!...



Alda Lara

Lisboa, Fevereiro de 1959

No país dos sacanas














Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.

No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.


Jorge de Sena

Trem de lata




Almir Sater

Arbitros












A avaliar pela "exibição" de Vasco Santos no FC Porto/Leixões, é de esperar que o árbitro dê, dentro de momentos, uma ajudinha á treinadora do conjunto da S. Caetano á Lapa.

Os árbitros não conseguem nem disfarçar a vontade de vedetismo nem a tentação de se tranformarem em sujeitos da acção.

Se deixarem os contendores "jogarem" não será um Benfica / V. Setúbal, mas prevejo um jogo duro, com tentativa de jogo sujo... mas com vencedor previsível.

Aguardo o final e, mais que tudo (para poder rir ás gargalhadas...) a campanha de intoxicação que se seguirá por parte dos chamados "comentadores" - essas púdicas virgens que vendem notícias como se vendem t-shirts contrafeitas na Feira de Carcavelos.

Felizmente, embora vão ocorrer interferências no resultado... o verdadeiro árbitro apenas se pronunciará em 27 de Setembro.


Adenda:
O jogo começou e terminou com marcação de penalty contra J. Sócrates.

Foi notória a falta de jeito para o "futebol" por parte de MF Leite e, por isso, foi alvo de protecção por parte do árbitro, marcando "faltas a meio campo" quando o adversário se lançava no contra-ataque.
Sócrates não permitiu que o adversário colocasse em campo o seu jogo sujo, o elaborasse e desenvolvesse, com a vista grossa do árbitro.


Comentário:
Á parte o momento inicial em que os "comentadores" admitiram a vitória de Sócrates, a verdade é que com a naturalidade que o poder económico tenta condicionar o poder e, no limite, controlá-lo... a qualidade da democracia foi, como era previsível, imediatamente colocado em causa.
A título de exemplo...A TSF, que inicialmente colocou no ar a opinião dos comentadores, passou em todos os espaços noticiosos seguintes, a emitir apenas a opinião de MF Leite sobre a impossibilidade de acordo para formar o Bloco Central, com o propósito evidente de credibilizar a opinião da senhora e de desvalorizar o oponente por não passar de uma besta intransigente, omitindo todo o noticiário sobre o debate ou a divulgação dos comentários.


Sucedeu nesta estação emissora, como se passará noutras com armas diferentes com propósitos semelhantes.
Normal!

Amor Em Carta Aberta























Foto de "Angola em fotos"





Meu amor venho em carta aberta, dizer o seguinte:
de ti vi nascer a paz!

Crescer árvores nos baldios das minhas solidões onde pássaros
chilreiam e anunciam o sol e a chuva ao deserto.

Tua chegada trouxe o projecto de uma casa com dois cómodos
apinhados de livros, um pomar de rica sombra e nossos netos de
todas as cores, a treparem pelas nossas bengalas e cadeiras de verga
balanceando com seus choros e fraldas molhadas;


De ti recebi o sémen do amor, verdadeiro de mais, para se esbanjar
pela cercania da mágoa. Hoje enquanto o céu caía sobre mim, da
chuva das tuas lágrimas compreendi a imperfeição da minha alma!
E o que me levou a desentender o percurso de nós. Vejo que o
abismo pode estar onde menos se espera, até, imagina, na esquina
desta entrega que nos parecia ser capaz de superar todas as crateras
e enfrentar as trevas... quanta crueldade!

Enfim, este adiamento ao nosso reencontro e aos nossos corações,
talvez traga maior maturidade e aceitação da vida com a
serenidade das coisas simples:

Somente!



Amélia Dalomba

Mbanza Congo

The road to freedom

Winds of Change

























Foto daqui



Ninguém se apercebe de nada.
Brilha um sol violento como a loucura
e estalam gargalhadas na brancura
violeta do passeio.
É África garrida dos postais,
o fato de linho, o calor obsidiante
e a cerveja bem gelada.
Passam. Passam
e tornam a passar.
Estridem mais gargalhadas,
abrindo uma sobre as outras
como círculos concêntricos.
Os moleques algaraviam, folclóricos,
pelas sombras das esquinas
e no escuro dos portais
adolescentes namoram de mãos dadas.
De facto como é mansa e boa
a Polana
nas suas ruas, túneis de frescura
atapetados de veludo vermelho.
Tudo joga tão certo, tudo está
tão bem
como num filme tecnicolorido.
Passam. Passam
e tornam a passar.
Ninguém se apercebe de nada.



Rui Knopfli