Esta é a Cidade





















Esta é a cidade. Quem caminha
sorvendo seus odores coloridos?

Caleidóscopicos sons
inebriam os músculos
como doces agulhas

Quem sente o calor do chão
luz de vidro e água
intensa e rumorosa como
um afago?

As crianças percorrema cidade

atrás do tiroteiro
como aves barulhentas. A rota
desta guerra
elas sempre a conheceram

Há uma farra em cada esquina
onde tambores renovados
fazem explodir toda alegria antiga

A liberdade é uma visível linha
de fogo nos olhos dos homens




João Melo

Os Mandamentos Cherokee...




















Treat The Earth And All That Dwells thereon With Respect

Remain Close To The Great Spirit

Show Great Respect For all Beings

Work Together For The Benefit Of All Mankind

Do What You Know Is Right

Look After The Well-being Of Mind And Body

Dedicate A Share Of Your Efforts To The Greater Good

Be Truthful And Honest At All Times

Take Full Responsibility For Your Actions

I Ask




















I lay down my knife
beside your gun,
And ask . . .
Is it good, that we not fight?


I give you my blanket,
In return for your coat
And ask . . .
Is it good, that we exchange?


I give you my land
In return for your progress
And ask . . .
Is it good, that we advance?


I share with you my beliefs,
In return for your beliefs,
And ask . . .
Why . . .
Is it good that we lose our identity?




Pam Taylor
Cherokee

O ritmo do tantã


















Foto de Namibiano Ferreira, aqui




O ritmo do tantã não o tenho no sangue
nem na pele
nem na pele
tenho o ritmo do tantã no coração
no coração
no coração
o ritmo do tantã não tenho no sangue
nem na pele
nem na pele
tenho o ritmo do tantã sobretudo
mais no que pensa
mais no que pensa
Penso África, sinto África, digo África
Odeio em África
Amo em África
Estou em África
Eu também sou África
tenho o ritmo do tantã sobretudo
no que pensa
no que pensa
penso África, sinto África, digo África
E emudeço
dentro de ti, para ti África
dentro de ti, para ti África
Á fri ca
xxxxxxÁ fri ca
xxxxxxxxxxxxÁ fri ca




António Jacinto

Cultura africana



De apresentação enviada pelo amigo Aires Bustorff

Mussunda amigo





















Para aqui estou eu
Mussunda amigo
Para aqui estou eu

Contigo
Com a firme vitória da tua alegria
e da tua consciência

O ió kalunga ua mu bangele!
O ió kalunga ua mu bangele-lé-leleé...

Lembras-te?

Da tristeza daqueles tempos
em que íamos
comprar mangas
e lastimar o destino
das mulheres da Funda
dos nossos cantos de lamento
dos nossos desesperos
e das nuvens dos nossos olhos
Lembras-te?

Para aqui estou eu
Mussunda amigo

A vida a ti a devo
à mesma dedicação ao mesmo amor
com que me salvaste do abraço
da jibóia

à tua força
que transforma os destinos dos homens

A ti Mussunda amigo
a ti devo a vida

E escrevo versos que não entendes
compreendes a minha angústia?

Para aqui estou eu
Mussunda amigo
escrevendo versos que tu não entendes

Não era isto
o que nós queríamos, bem sei

Mas no espírito e na inteligência
nós somos!

Nós somos
Mussunda amigo
Nós somos

Inseparáveis
e caminhando ainda para o nosso sonho

No meu caminho
e no teu caminho
os corações batem ritmos
de noites fogueirentas
os pés dançam sobre palcos
de místicas tropicais
Os sons não se apagam dos ouvidos

O ió kalunga ua mu bangele...

Nós somos!



Agostinho Neto
In “Sagrada esperança”

O Acaso da Vida


















Quem sou?... onde estou?...
Não serei, por acaso, mais um dos acidentes
da vida que por desatenção às
coisas lhe foi retirada a alma?
Ou não serei aquela tocha que por falta
de combustível apagou-se?
Não serei ainda, uma lágrima caída
do rosto de alguém que procura
recanto em braços de outrem?
Não serei... não serei, aquela
a quem, teu coração procura,
a quem tua alma almeja,
teus braços desejam e
cujo nome tua boca pronuncia?

Então quem sou...?
Se na calada da noite meu grito não ouço,
Na penumbra minha sombra não vejo
Nem na clareza do dia meu corpo não sinto.

Procuro, procuro, não ouço nem o bater
Do meu coração. Meu Deus...!
Que faço eu aqui, onde nada faz sentido?




Leila dos Anjos

Aforismo





















Havia uma formiga
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos.
Estávamos iguais
com duas diferenças:
Não era interrogada
e por descuido podiam pisa-la.
Mas aos dois intencionalmente
podiam pôr-nos de rastos
mas não podiam
ajoelhar-nos.



José Craveirinha

Paisagem do nordeste


















rio estátua
braço sem carne

chuva no mar
em terra seca

sol na paisagem
terra em desgraça

fome nos lábios
fome nos olhos

ossadas brancas
urubus em volta

terra em brasa
ar calcinado

plantas com fome
homens com fome

fome nos olhos
no ar morte




Jofre Rocha

Sonho, de amor























Foto de Dominique Lefort




O meu sonho
e uma madeixa dos teus cabelos
sufocada ao luar de uma noite
cansada de amor

O meu sonho
somos nós, tu e eu
no corcel da vida
à procura do sol

Falo do sonho, amor
do nosso sonho
em que brincamos com crianças não paridas
com esperanças sangrando desesperanças

O meu sonho
és tu, Minda-a-Mulata
sonhando com a vida e morrendo
em tempo de fome farta
e a guerra a acabar
(ou a reatar?)

O meu sonho
é sonho de mar
as ondas indo e vindo
do fim do Mundo
as aves a voar



Domingos Florentino