25 de Abril de 1974… estava em São Salvador do Congo (hoje Mbanza Congo), dia cinzento que adivinhava já a chegada do cacimbo. Estava a estudar, sozinho, na antiga capital do Reino do Congo, os meus pais e a minha irmã estavam em Ambrizete (hoje Nzeto).
Dia de aulas perfeitamente normal mas, a meio da manhã, começou a sentir-se no ar algum nervosismo.
A maioria dos professores(as) eram ou ex-militares ou esposas de militares e por isso tiveram cedo acesso a algumas notícias «desencontradas» que algo de anormal se passava na metrópole…
Á tarde a notícia corria célere…mas ninguém se arriscava a confirmar nada.
Como à
IO, foi da rádio sul africana que foram chegando notícias que confirmavam não apenas o movimento mas a sua vitória.
Intimamente uma imensa alegria…. Uma esperança sem fim que tudo iria melhorar para todos.
Com o golpe de estado iriam embora os receios do antigo senhorio, na longínqua Brandoa, que em surdina vociferava, perante a bonomia do meu pai, contra Salazar… ou acabavam os receios do que pudesse ser dito aquando da visita daquele nosso vizinho, nos Olivais dessa distante Lisboa.
Ficariam longe as noites de Natal em que haveria prevenção rigorosa em vez de haver ceia com bacalhau, como ficariam longe igualmente as recordações de noites que, em vez de passadas a desembrulhar um ou outro livro de presente, as passei «a brincar» com uma G3 na mão, porque de Brazzaville a rádio, em ondas curtas, ameaçava, como sempre, o ataque fulminante a São Salvador, embora ninguém acreditasse nisso.
Assim, em zona de guerra, onde se ouve tudo e mais alguma coisa, não era segredo para ninguém, nem para um puto de 16 anos, que de um modo ou outro algo teria que acontecer.
Há cerca de dois anos que se falava com certo á vontade na possibilidade de Angola se libertar da metrópole, aceder á independência tornando Nova Lisboa (Huambo) sua capital.
Recordo que no dia seguinte, antes da primeira aula, a turma resolveu arranjar um emblema… e desenhá-lo no quadro! Que bela bronca ouviu o Cacusso por isso e sobretudo por ter integrado na sua composição estrelas de 5 pontas…
Recordo, e lamento ter perdido, as primeiras cartas (aerogramas) que troquei com o meu pai, então comandante da Esquadra da PSP em Ambrizete. Eu, eufórico pelos acontecimentos… ele, desconfiado e contundente com os militares afirmando que «nunca fazem nada de jeito, nem a marcar passo…»
Vindo dele e sendo representante de uma estrutura que sempre nutriu, mesmo que em surdina, um ódio de estimação aos militares, por entenderem ser a corporação uma polícia com características cívicas e não militares… não dei importância, mas registei, claro.
Vi, empolgado, emocionado e com «pele de galinha» no ecran do CRESSA (Clube Recreativo de São Salvador) as imagens do primeiro 1º. de Maio que nunca mais ninguém esqueceu.
E tive esperança… por mim, por todos e sobretudo por todos aqueles que me rodeavam, colegas e amigos, porque tornou-se óbvio para todos que a guerra, de um modo ou de outro, teria os dias contados.
Tive esperança. sobretudo por eles… o meu caminho, a curto prazo, já sabia não passar pela continuação em Angola. A comissão do «velhote» estava a terminar e o regresso acabou por acontecer em Setembro de 74.
Todos tínhamos esperança que a emancipação de Angola ocorresse longe de outros exemplos vizinhos.
A madrugada de 25 de Abril serviu para podermos sonhar…
E sonhámos!
E idealizámos!
E construímos!
Por entre sonhos e pesadelos, muito foi realizado…
Houve feridas abertas… incompreensões…
Responsabilidades assumidas e outras alijadas…
Responsabilidades ás consequências e não ás causas…Houve dores de «crescimento».
Mas... valeu a pena!
Viva o 25 de Abril!