Décimo sétimo poema
terça-feira, setembro 18, 2007
E,
O tempo que não passa para me trazer sorrisos,
Pois percorro-o à espera de chegue a hora
Em que possa apagar tudo para não sofrer mais...
Apagar o dia em que nasci em terras ciocas;
Apagar os primeiros anos;
Apagar as lembranças da infância perdida pelo capim,
Com os amigos das sanzalas vizinhas,
Apagar a primeira visita à cidade;
Apagar os sonhos sobre as pernas longas do Infante Henrique;
E os braços ondulantes do Príncipe Perfeito, tão lindo;
Apagar os anos na metrópole; o colégio de freiras;
As brincadeiras e risadas das crianças no pátio,
As missas de Domingo todas elas rezadas;
Os cânticos a que me forçava decorar,
As matinés do Sandokam e do Trinitá
A Cristina amiga de Santiago que nunca mais vi;
Apagar a perda de um lar;
Apagar a infância mal vivida,
O trabalho a que me obrigavam;
O sol que me queimava;
A enxada que me esfacelava as mãos;
As ervas daninhas e orvalhadas que cortava;
As vezes que meus pés as uvas frescas de Setembro esmagavam
As idas e vindas constantes ao alambique
As pedaladas a caminho da escola; tendo Zorba por companhia;
O peso que carregada às costas do burro humano a que me chamavam;
Apagar o quarto frio e feio onde cresci;
O medo de morrer gelada durante o Inverno;
Os poucos beijos que a meu Pai dei enquanto crescia;
Apagar as fugas para os milharais;
O livro lido às escondidas;
A madrasta que não me via;
O Pai que não me sentia;
A mãe que me esquecia;
As irmãs que de mim dependiam;
Apagar o tempo que fugiu;
A chegada ao outro lado do Atlântico;
O primeiro amor;
A grande paixão de 84
O casamento falhado com as culturas de sangue dos ilhéus;
Apagar o tempo;
Apagar as dores de parto que tive;
Apagar os filhos;
Apagar os anos em terras shonas; onde vi as ruas cobertas
de laranja, rosa, amarelo, violeta;
E senti o cheiro do belo da decência;
Apagar o tempo calmo em terras de Samora,
Onde falei o ronga e visitei os beira;
Apagar as alegrias, as tristezas, os sorrisos os choros e as gargalhadas;
Apagar as lágrimas;
As mentiras que contei e as que ouvi O esforço do sustento;
A fome; As Guerras, Os mares e os Oceanos;
A necessidade;
Apagar os amores;
Os sonhos; as vezes que amei e fui amada;
Apagar os amantes, os amigos, a família, os conhecidos;
Apagar os livros
As histórias;
A poesia;
Os poetas; Apagar as luzes ir embora...
Apagar tudo para não sofrer mais!
Ana Maria Branco
BELO MOMENTO DE POESIA, APESAR DO DESALENTO DA AUTORA.
Conceição Beirão Carvalho