Companheiros






















Vinde companheiros!
Que os vossos braços se abram
Aos nossos braços de amigos.

– Toma uma cadeira. Senta-te. Conta:
Desditas, anseios, desventuras
e desse fulgor ardente que se adivinha
no teu olhar, cavado das viagens,
como uma estrela numa noite morta...

Nós somos todos irmãos.

Ah, quando te invadir a solidão
e olhares à volta e sentires apenas
a presença perturbável dos teus ombros,
não estás só!
Vem até nós.
Estarás comigo.
Não será morta, a morta esperança
do teu olhar sem luz.

Mas, que fôlego ingénuo na aventura
te lançou em tão inóspitos lugares
deixando assim o teu lar, amigo?
Não contes, eu sei qual foi. Foi
essa vontade de produzir, de criar, de vencer...

Oh! nossa terra, oh nossa mãe!
Como se casam em nós os prodígios
da tua natureza forte!
O húmus inculto das florestas
brota em nós, freme em nós, canta em nós
no grito de todos os gritos,
na ânsia da tua descoberta!...
O amor dos nossos corações
transborda da nossa alma
como a força impulsiva dos teus rios...

Vês, companheiro, eu sou teu irmão,
toma a minha mão, dá-me a tua mão.




Alexandre Dáskalos

























Ilustração de Albano Neves e Sousa



2


E sentado na beira do passeio,
um operário aguarda,
pensa
e esquece.
(Cuidado!
Como ele não aprendeu boas maneiras
e não pode comer o que precisa,
é capaz de tornar-se perigoso.
Pelo menos parece).



Cochat Osório

in "Cidade" (1960)

Juro













Por tua culpa, Mulata,
Meu coração
Anda à toa
Sem saber onde se acoite.
Perdeu-se na escuridão
Dos teus olhos cor da noite.

Por tua culpa, só tua culpa,
Pois sei que foi causa disso
O feitiço
Do teu corpo.

Mas... Deus é grande
E... talvez
Ainda voltes outra vez
A abrasar-te em desejos,
Quianda dos meus amores.

Nesse dia
Hei-de cobrir o teu corpo
Com um vestido de beijos
E um manto de carícias.
Hei-de esmagar contra a minha
A tua boca vermelha.

Será nesse dia, então
Que terei onde me acoite,
Mesmo na escuridão
Dos teus olhos cor da noite.



Aires de Almeida Santos

Diz Que Me Amas

























Foto de Tuta, em Olhares





Diz que me amas sussurras
imploras exiges
berras
com todas as vísceras
diz diz que
me amas quem sou o que sou
furas-me
o peito
com tuas unhas azuis
quem sou eu nada tudo tua
diz que me amas explodes
porquê porquê
quem és tu de que limbo
surgiste anjo contumaz
de que noite
atávica que flores
são estas
que irrompem de teus dedos
que pavor assoma aos
meus olhos quando
me amas diz
diz que me amas porque
me amas diz dizes xingas
e desfaleces
alegre &
triste pois
eu não tenho respostas prontas
eu apenas
te amo
pronto pronto.



João Melo

Nas curtas horas























Nas curtas horas realmente longas
cada minuto um porquê da tua ausência
cada instante o desejo visceral da tua presença

Nas curtas horas realmente longas
ao afagar o sussurro da tua voz suave
ela ribomba como o trovão
como ondas iradas sob tempestade
aos ouvidos impacientes da ânsia.

Ânsia de rasgar o ventre grávido da fera
de arrebatar das mãos do medo
o germe implacável da semente portentosa
da chegada

Nas curtas horas realmente longas
a jornada insana das lutas vitoriosas
o grito no caminho firme para a vida
o meu grito na tua voz
o meu desejo nos teus olhos



Agostinho Neto

Pedido

























Imagem de Persikoff, via "O Jumento"




Só te peço esse olhar doce
Profundo, naufragado
No teu olhar.
Essa tão doce promessa
De beijar submersa
Nos teus lábios de sangue...
...para fazer as coisas mais impossíveis do Mundo!





António Cardoso

Panamor

















Foto daqui




nos braços da onda driblada pelo menino
há uma força ancestral que ele desconhece
que levou nossos antepassados
para o outro lado do mar

a flor estéril da mandioqueira
diz que há uma raiz profunda na terra
que alimenta

mesmo no orgasmo infecundo da prostituta
na noite insone à espera da Aurora
existe o Amor
e até na violência do blindado defendendo
a Vida
existe o amor

o Amor existe
o Amor está
nas cinzas espalhadas dos corpos
incinerados no Oriente
à espera da encarnação

o Amor existe
o Amor está
no encanto das coisas singelas da vida
na beleza sem limites
das partituras de Mozart e Beethoven
na exuberância escaldante do batuque africano...

o Amor existe





Domingos Florentino

Uma planta, plantando sonhos


















No canto do fim do mundo
há uma flor
contando histórias

À porta da minha casa
há uma planta
plantando sonhos



Domingos Florentino

Acolho-me

























acolho-me ao lençol do teu cabelo
no amor pedido do teu rosto ilúcido
e entrego-me à irisada luz que zela
os lábios na sombria flor cedida.
a sépala descobre o centro dela
uma a uma dá o corpo à descoberta
na liturgia dos sentidos dados
à reza na capela como oferta.
cavalgo na palavra que me dás
alado nos pequenos montes eros
percorro os sons cativos dos teus ais
aromas luzes são momentos raros.
passeando pela flor acesa o fogo
centelha a cada pétala que apago.



José Félix

Mozart





Fantástico!

Poema de Alforria

























Eu deixarei
que o dia amanheça o teu sorriso
por entre os espaços marfíneos
das tuas colinas desalinhadas.

Eu deixarei
que o sol penetre os poros adormecidos
das fronteiras escondidas
nas lezírias do teu sentir.

Eu deixarei
que o vento arraste areais desérticas
e sobre ti as faça cair
como nuvens de pérolas,
que brilharão nos olhos da criança
que continuarás a ser
Eu deixarei



Anny Pereira