Foi o treino e o trem Foi o porto e o barco O desfile, o abraço O tambor a rufar
Foi o pranto no cais O pai sso que fica Sem jeito p'raida Foi o eco do mar
Foi a marcha, o calor Foi o peito inchado Do homem fardado Foi o seu funeral
Foi a arma na mão A besta que nos berra A força da guerra O avião
Água que seca no nosso cantil O lábio que greta, a febre a subir O sangue que ferve cá dentro de nós O corpo que treme debaixo do sol O medo da morte, a noite a gritar Foi aquilo que a gente não pode falar
Foi o estado maior Foi a messe e o rancho O mando, o comando O quartel general
Os abutres e nós Foi aquilo que fez O negócio da guerra E obrigou a matar
O estilhaço, o napalm A picada no osso O Ambriz, o Tomboco Foi São Salvador
Foi a carta que dói Da mulher que nos foge E o puto lá longe Tão longe de nós
A malta, a maca, o negro que cai O cabaço da preta, o mulato sem pai O soldado castrado no corpo e na voz A mina que rebenta por baixo de nós Foi o preço, é o braço artificial É aquilo que a gente não pode calar
Foi a guerra colonial!
Paco Bandeira do LP "Os ferrinhos, o adufe e a guitarra"
Tenho um poema todo negro no cérebro. Um sabor a sangue Do poema vermelho da boca. Uma ânsia louca e branca Do poema róseo Que me ofereces sôfrega e eterna Ao artista que sou.
A!, fora eu mágico E com esta sinfónica paleta Musicar-te-ia o poema Que fizesse de ti a rainha De um tão pobre escravo-poeta.
Lembro-me de ti Nesse instante absoluto, A vida conduzida por um fio de música. Intenso e delicado, ele vai-nos fechando num casulo Onde tudo será permitido. Se é só isso que podemos ter, Que seja forte. Que seja único. Tão íntimo quanto ouvirmos a mesma melodia, Tendo o mesmo - esplêndido - pensamento.