Declaração



Misty sunrise, de Malachi Smith



As aves, como voam livremente
num voar de desafio!
Eu te escrevo, meu amor,
num escrever de libertção.

Tantas, tantas coisas comigo
adentro do coração
que só escrevendo as liberto
destas grades sem limitação.
Que não se frustre o sentimento
de o guardar em segredo
como liones, correm as águas do rio!
corram límpidos amores sem medo.

Ei-lo que to apresento
puro e simples - o amor
que vive e cresce ao momento
em que fecunda cada flor.

O meu escrever-te é
realização de cada instante
germine a semente, e rompa o fruto
da Mãe-Terra fertilizante.


António Jacinto

70 anos após a sua morte


Pessoa, por Luis Badosa


De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre a começar...
A certeza de que precisamos continuar...
A certeza de que iremos ser interrompidos
antes de terminar...

Portanto devemos:
Fazer da interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...


Fernando Pessoa

Ensaio de Lágrimas





Se as nossas lágrimas
apagassem o ódio que nos cerca
e apagassem também o fogo que nos mata
mãe
eu pediria as lágrimas de todos
sangrando as pupilas.

Mas temo, mãe
que nos afoguemos um dia
dentro das nossas lágrimas.



Helder Muteia
In Verdades e Mitos

Dia de Chuva no Mato





Chove,

E a trovoada
é um batuque incessante,
uma estranha batucada.

Os raios são setas de fogo
que mesteriosamente, em tom de guerra,
espíritos do mal lançam da Altura
para incendiar a Terra.

O vento
Ora violento, ora brando,
o vento é o cazumbi dos cazumbis
-o deus do mar, do rio e da floresta-
que vai cantando e dançando,
em tragicómica festa,
o seu coro de mil vozes,
os seus bailados febris.

As nuvens negras são virgens tontas,
quais almas do outro mundo,
errando como sonambulas
pelo céu negro e profundo...
E a chuva, constante e forte,
é o pranto (parece eterno)
dos deuses negros que a Morte
sacrificou no Inferno.


Geraldo Bessa Victor

Regresso





Quando eu voltar,
que se alongue sobre o mar,
o meu canto ao Creador!
Porque me deu, vida e amor,
para voltar...

Voltar...
Ver de novo baloiçar
a fronde magestosa das palmeiras
que as derradeiras horas do dia,
circundam de magia...
Regressar...
Poder de novo respirar,
(oh!...minha terra!...)
aquele odor escaldante
que o humus vivificante
do teu solo encerra!
Embriagar
uma vez mais o olhar,
numa alegria selvagem,
com o tom da tua paisagem,
que o sol,
a dardejar calor,
transforma num inferno de cor...

Não mais o pregão das varinas,
nem o ar monotono, igual,
do casario plano...
Hei-de ver outra vez as casuarinas
a debruar o oceano...
Não mais o agitar fremente
de uma cidade em convulsão...
não mais esta visão,
nem o crepitar mordente
destes ruidos...
os meus sentidos
anseiam pela paz das noites tropicais
em que o ar parece mudo,
e o silêncio envolve tudo
Sede...Tenho sede dos crepusculos africanos,
todos os dias iguais, e sempre belos,
de tons quasi irreais...
Saudade...Tenho saudade
do horizonte sem barreiras...,
das calemas traiçõeiras,
das cheias alucinadas...
Saudade das batucadas
que eu nunca via
mas pressentia
em cada hora,
soando pelos longes, noites fora!...

Sim! Eu hei-de voltar,
tenho de voltar,
não há nada que mo impeça.
Com que prazer
hei-de esquecer
toda esta luta insana...
que em frente está a terra angolana,
a prometer o mundo
a quem regressa...

Ah! quando eu voltar...
Hão-de as acacias rubras,
a sangrar
numa verbena sem fim,
florir só para mim!...
E o sol esplendoroso e quente,
o sol ardente,
há-de gritar na apoteose do poente,
o meu prazer sem lei...
A minha alegria enorme de poder
enfim dizer:
Voltei!...



Alda Lara

Poema da Farra






Quando li Jubiabá
me cri Antônio Balduíno.
Meu Primo, que nunca o leu
ficou Zeca Camarão.

Eh Zeca!

Vamos os dois numa chunga
Vamos farrar toda a noite
Vamos levar duas moças
para a praia da Rotunda!
Zeca me ensina o caminho:
Sou Antônio Balduíno.


E fomos farrar por aí,
Camarão na minha frente,
Nem verdiano se mete:
Na frente Zé Camarão,
Balduíno vai no trás.


Que moça levou meu primo!
Vai remexendo no samba
que nem a negra Rosenda;
Eu praqui olhando só!


Que moça que ele levou!
Cabrita que vira os olhos.
Meu Primo, rei do musseque:
Eu praqui olhando só!


Meu primo tá segredando:
Nossa Senhora da Ilha
ou que outra feiticeira?
A moça o acompanhando.


Zé Camarão a levou:
E eu para aqui a secar.
Eu eu para aqui a secar.


Mário António


Surucucu





Fui mordido sem remédio
quem me mordeu foste tu...
E agora morro de tédio,
veneno surucucu.
Foi numa triste cubata,
mais longe do que a distância,
mais longe do que a saudade
que é tempo morto que mata.
Nunca mais posso esquecer
a tua boca sem fala,
quando um leão que é rei,
assustava e complicava
as murmúrios da sanzala.
Uma palmeira,
à luz da Lua, parecia que rezava
naquele mundo profano!...
Fui mordido... - Foste tu! -
Nunca mais posso esquecer-te
- veneno surucucu.


Tomaz Vieira da Cruz
in Quissange,1971

Fantástico!!.... lol




Um caboclo do interior, bem interior mesmo, tinha um touro que era o melhor da região. O touro era seu único patrimônio.
Os fazendeiros da redondeza descobriram que o tal touro era o melhor animal reprodutor e começaram a alugar o bicho para cruzar com suas vacas.
Sempre nasciam os melhores bezerros. Era só colocar uma vaca perto dele e o touro não perdoava uma.
O caboclo estava ganhando muito dinheiro com isso, o que era seu sustento.
Os fazendeiros se reuníram e decidiram comprar o touro. Um representante deles foi até a casa do caboclo e foi logo falando:
- Põe preço no seu bicho que vamos comprá-lo.
O caboclo, aproveitando da situação, falou um preço absurdo.
Os fazendeiros não aceitaram a proposta e foram se queixar com o prefeito da cidade. Este, sensibilizado com o problema, comprou o animal com o dinheiro da prefeitura e o registrou como patrimônio da cidade. E resolveu fazer uma festa para apresentar o touro para a cidade.
No dia da festa, os fazendeiros trouxeram suas vacas para o touro cobrir, seria tudo de graça.
Na hora da primeira vaca, o touro esbravejou, pulou, cheirou a vaca e nada.
- Deve ser culpa da vaca, disse um fazendeiro.
- Ela é muito magra.
Trouxeram uma vaca holandesa, a mais bonita da região.
O touro esbravejou, pulou, cheirou a vaca e nada.
O prefeito, louco, chamou o ex-dono do animal e lhe preguntou o que estava acontecendo.
- Não sei... - disse o caboclo - Ele nunca fez isso antes! deixa que eu vou conversar com o touro.
E o caboclo, aproximando-se do bicho, foi logo perguntando:
- O que há com você? Não tá mais a fim de trabalhar?
E o touro, dando uma espreguiçada, respondeu:
- Não me enche o saco. Agora eu sou funcionário público!


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Pensamento



"A primeira lei da natureza é a tolerância -

já que temos todos uma porção de erros e

fraquezas."

Voltaire

Nós





Nós ...
Não é a vida
Que nos faz viver ...
Nós fazemos a vida.
Não é a morte
Que nos leva ...
Nós, deixamo-nos levar.
Não é o amor
Que nos conquista ...
Nós deixamo-nos conquistar.
Não é um nada
Que nos dá tudo ...
Tudo ... por vezes ...
Dá em nada.
A vida ...
A morte ...
O amor ...
O nada ...

Somos nós.


Desconheço o autor
(recebido por email)

A Tua Voz Angola




Nos tribos
E assobios
Dos pássaros bravios
Ouço a tua voz Angola.

Dos fios
Esguios
Em arrepios
De mulembas sólidas
Escorre a tua voz Angola.

Nas ondas calemas
Barcos e velas
Dongos traineiras
Âncoras e cordas
Freme a tua voz Angola.

Em rios torrentes
Regatos marulhentos
Lagoas dormentes
Onde morrem poentes
Brilha a tua voz Angola.

No andar da palanca
No chifre do olongo
No mosqueado da onça
No enrolar da serpente
Inscreve-se a tua voz Angola.

No acordar dos quimbos
Nos cúmulos e nimbos
Nos vapores tímidos
Em manhãs de cacimbo
Flutua a tua voz Angola.

Na pedra da encosta
No cristal de rocha
Na montanha inóspita
No miolo e na crosta
Talha-se a tua voz Angola.

Do chiar dos guindastes
Do estalar dos braços
Do esforço e do cansaço
Emerge a tua voz Angola.

No ronco da barragem
No camião da estrada
No comboio malandro
Nos gados transumantes
Ecoa a tua voz Angola.

Dos bongos e cuicas
Concertinas apitos
Que animam rebitas
Farras das antigas
Salta a tua voz Angola.

A flor da buganvilia
A rosa e o lírio
Cachos de gladíolos
O gengibre e a cola
Perfumam a tua voz Angola.

Ouve-se e sente-se e brilha
A tua voz Angola

Inscreve-se nos seres talha-se nas rochas
A tua voz Angola

Vai com o vento goteja com o suor
A tua voz Angola

Por toda a parte por toda a parte
A tua voz Angola

Que voz é essa tão forte e omnipresente
Angola?

Que voz é essa omnipresente e permanente
Angola?

É a voz dos vivos e dos mortos
De Angola
É a voz das esperanças e malogros
De Angola
é a voz das derrotas e vitórias
De Angola
É a voz do passado do presente e do porvir
De Angola
É a voz do resistir
De Angola
É a voz dum guerrilheiro
De Angola
É a voz dum pioneiro
De Angola.



Antero Abreu
in "A Tua Voz Angola"




Em todas as ruas te encontro





Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco


Mário Cesariny

Oferta





Sou a quitandeira mais doce
que todos os doces de coco,
minha boca é tão docinha
como a fruta da minha quinda.
Tenho os seios para dar
duas laranjas do loje,
tenho nos olhos pitangas
tão boas de namorar

Tenho o Sol na barriga
e doçura da manga nos braços,
quem quer a minha vida
pra adoçar os seus cansaços?


António Cardoso
In Reino de Caliban II - antologia
panorâmica de poesia africana de expressão portuguesa

Rugas





Rugas, trilhos do tempo
que sulcam nosso rosto
delineando tarefas cumpridas
marcando caminhos percorridos
esculpindo risos alargados
tatuando a saudade de quem nos faz falta
o vazio deixado pelos que partiram
traços que nos transformaram
lentamente...
Gosto de mim... assim desenhada...
Fui riacho... encorpei...
Agora sou rio... fui amada e dupliquei...
Num dia de Cacimbo, ao mar vou chegar
pintado com o vermelho da minha terra
e com a prata do Luar
serenamente, sem pressa...
no remanso das ondas, desaguarei...



Isaura
in Sanzalangola

Vadiagem






meus passos, sempre meus passos,
eis-me a sós em solo diário
mapeando tardes inteiras e urbanas
automotivas
sinalizadas
enfileiradas
congestionadas
em meu coração que pulsa
na mais legítima contra-mão

ruas intercaladas
de pressas e surpresas
tudo gesto, acção e dispersão
em trajectos que somos
reais, humanos ou mera colisão



Zhô Bertholini

Sem nome…sem lei…


Foto de Rute Santos



Ontem…
Abandonei o claustro
Desamarrei o olhar
Sacudi o lodo da fatalidade
Tomei nas mãos o sorriso
E penetrei em todas as vielas.

Deambulei por ruelas vadias
Rasguei códigos desgastados.
Rompi os véus do formalismo
Desnudei a alma
E tornei-me forasteira de sonhos.

Hoje,
Procurei o cais do silêncio
Tomei o barco da aventura
E converti-me em passageira furtiva
Sem nome e sem lei…



Fátima Morão

Saudade





saudade
é o tempo de pacassas pardas
e macacos sem rabo servindo de administradores
quando o calor ia derretendo o céu
e a chuva se vendia na farmácia
do comerciante de cabelos de fio
saudade
é o tempo de patos bravos
e macacos sem rabo servindo de padres

quando o medo ia gelando a terra
e o pranto se dava de beber aos porcos
do comerciante de cabelos de fio


Arlindo Barbeitos
in "Angola Angolê Angolema"

Os Rios Atónitos

Rio Congo no Soyo



Ouvindo "Kongo", por Miriam Makeba



Há palavras a dormir sobre o seu largo
assombro
Por exemplo, se dizes Quanza ou dizes Congo
é como se houvesse pronunciado os próprios
rios
Ou seja, as águas
pesadas de lama, os peixes todos e os perigos
inumeráveis
O musgo das margens, o escuro
mistério em movimento.

Dizes Quanza ou dizes Congo e um rio corre
Lento
em tua boca.

Dizes Quanza
e o ar se preenche de perfumes perplexos.

E dizes Congo
e onde o dizes há grandes aves
e súbitos sons redondos e convexos.

E dizes Quanza, ou dizes Congo
e sempre que o dizes acorda em torno
um turbilhão de águas:
a vida, em seu inteiro e infinito assombro.


José Eduardo Agualusa







Miriam Makeba
Kongo

Linha de Rumo


Montanhas de Timor, vistas de ErmeraPosted by Picasa



Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Encontro-me parado...
Olho em meu redor e vejo inacabado
O meu mundo melhor.

Tanto tempo perdido...
Com que saudade o lembro e o bendigo:
Campo de flôres
E silvas...

Fonte da vida fui. Medito. Ordeno.
Penso o futuro a haver
E sigo deslumbrado o pensamento
Que se descobre.

Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Desterrado,
Desterrado prossigo,
E sonho-me sem Pátria e sem Amigos,
Adrede...


Ruy Cinatti

Lelo


Camacho Costa Posted by Picasa


''No tribunal, o juiz diz para o réu:
- No momento do roubo, o senhor não pensou na sua mulher e na sua filha?
- Pensei sim, Senhor Doutor Juiz! Mas só havia roupa para homem.''

Rain


Foto de David Sidwell




Listen to the pouring rain
listes to it pour,
And with every drop of rain
You know I love you more

Let it rain all night long,
let my love for you go strong,
as long as we're together
who cares about the weather?

Listen to the falling rain,
listen to it fall,
and with every drop of rain,
I can hear you call,
call my name right out loud,
I can here above the clouds
and I'm here among the puddles,
you and I together huddle.

Listen to the falling rain,
listen to it fall.

It's raining,
it's pouring,
The old man is snoring,
went to bad
and bumped his head,
he couldn't get up in the morning,

Listen to the falling rain,
listen to the rain.


Jose Feliciano

Quando a Manhã Vier





Quando a manhã vier
com um sol maduro
ofertando beijos
aos órfaos da ternura
quando a manhã vier
em apoteose de luz
a semear no vento
risos de alegria


quando a manhã vier
definitivamente
em alvorecer roseo
de paz e tranquilidade


de mãos nas mãos
saberemos chegado o nosso dia.


Jofre Rocha
(1961)


E a manhã chegou há 30 anos!
Finalmente.

Baião de Luanda







Tão velhinha e tão linda, e tão presa
nos mistérios das ondas do mar,
é Luanda uma flor, uma beleza
com perfume e encantos sem par.


De S. Paulo à Marginal
- Vem ver , meu amor! -
Luanda ao sol-pôr,
Como é sem favor, divinal!


Raparigas do Bungo e da Samba,
do Cruzeiro e da Sé, do Balão,
na Paris, Polo Norte ou Mutamba,
são a nossa maior tentação.


Nesta terra onde eu nasci
eu quero casar
e ter o meu lar
e rir e chorar
só por ti.


Pelos bailes selectos da Alta,
nos batuques tão ricos de côr,
é Luanda que dança e que salta,
numa festa de vida e amor.


Bungo, Samba e Sambizanga
ou Portas do Mar
- Tudo isto é Luanda,
cidade e quitanda
ao luar...


Tão velhinha e tão bela e fagueira,
debruçada nas ondas do mar,
É Luanda sagaz, feiticeira.
Quem cá chega, cá quer ficar!


Reis Ventura

O Meu Demónio





Tempos houve em que o meu demónio ria,
E eu era uma luz em jardins soalheiros,
Tinha jogo e dança por companheiros
e o vinho do amor que me inebria.

Tempos houve em que o meu demónio chorava,
E eu era uma luz em jardins de crueldade,
Tinha por companheira a humildade
Que a casa da pobreza iluminava.

Hoje o meu demónio não ri nem chora,
Eu sou uma sombra num jardim perdido,
E o meu companheiro, pela morte enegrecido,
É o silêncio vazio de antes da aurora.


Georg Trakl (1887-1914)

(in "Outono Transfigurado";
Tradução: João Barrento)

Lobitino nos... 49ers.




Atraso imperdoável...
Aqui fica o caloroso kandandu!
Parabéns, Eugénio.


Ser solidário


Porque há O Outro Lado da Moeda... é preciso ajudar!

Deusa das Mil Mãos

Absolutamente fantástico!!

Vídeo em que 21 dançarinos chineses interpretam a "Deusa das Mil Mãos".
Dura cerca de 5 minutos, mas vale a pena.
Detalhe - são todos surdos!
Fazem parte de uma "troupe" de artistas com deficiências, e obedecem a
instruções gestuais de pessoas posicionadas nos quatro cantos do palco.

Poema da malta das naus





Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do sol.

Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
Pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.

Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.

Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.

Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.

Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.

Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.

Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
Do sonho, esse, fui eu.

O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.


António Gedeão
In Teatro do Mundo, 1958

Ilha Nua

Praia Jalé
Foto de António Ferreira de Sousa em Caminhadas e Descoberta em STP


Coqueiros e palmares da Terra Natal
Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos
Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.
Verdura, oceano, calor tropical
Gritando a sede imensa do salgado mar
No deserto paradoxal das praias humanas
Sedentas de espaço e de vida
Nos cantos amargos do ossobô
Anunciando o cair das chuvas
Varrendo de rijo a terra calcinada
saturada do calor ardente
Mas faminta de irradiação humana
Ilhas paradoxais do Sul do Sará
Os desertos humanos clamam
Na floresta virgem
Dos teus destinos sem planuras



Alda do Espírito Santo
(in "É Nosso o Solo Sagrado da Terra")

Intertexto





Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.




Bertold Brecht

Pedra Negra Sobre Uma Pedra Branca

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Foto de Wilson Tsoi


Morrerei em Paris com aguaceiro
num dia do qual já tenho a lembrança.
Morrerei em Paris — e não me envergonho —
talvez numa quinta-feira, como hoje, de outono.

Quinta-feira será porque hoje, quinta-feira, quando proso
estes versos, meus úmeros ficaram
assim mal, e jamais como hoje, nunca me achei
com todo meu caminho, a ver-me tão só.

César Vallejo morreu, todos batiam
nele sem que ele lhes fizesse nada;
davam-lhe duro com um pau, e duro

também com uma corda — são testemunhas
os dias de quinta-feira, os ossos úmeros,
a solidão, a chuva, os caminhos.


César Vallejo
(Tradução de Marlene Andrade Martins)

Canção Terceira




Quando desembarcarmos no Rossio canção
Vão dizer que a rua não é um rio
Vão apresar o teu navio
Carregado de vento carregado de pão

Dirão que trazes tempestades
Dirão que vens de espada em riste
Dirão que foi sangue o vinho que pediste
Quando desembarcarmos no Rossio

Vão vestir-te com grades
Que é um vestido para todas as idades
Na pátria dos poetas em Rossio triste

Virão em busca do teu sonho e do teu pão
E vão exigir a nossa rendição
Mas eu canção
Eu gritarei de pé no teu navio
Não


Vão vestir-te com grades
Que é um vestido para todas as idades
Na pátria dos poetas em Rossio triste
Mas eu canção
Eu gritarei de pé no teu navio
Não


Manuel Alegre

Já esteve mais longe...



A libertação que tal gesto poderá envolver... será pura poesia!

Contra a indiferença ... Proximizade

(clicar na imagem)


Divulguemos a luta por um mundo melhor e um combate permanente á apatia e á indiferença.
Pela solidariedade!