Minha musa

























Nocturnae
É a minha musa
Como Neptuno
É vossa com certeza.

Eu vivo
Respiro
Sofro
E brinco com ela e nela.
Não me queixo e nem lamento.

No meu querer
A juventude dos homens
A vida para todos.
No meu rir
A alegria do mundo em flor
O prazer de viver
As vitórias de todos.

E ainda
Somos nós a certeza
Entretendo
O silencioso choro dos homens
De todos horizontes.



Garcia Bires

Embebedaram a chuva























Acorrentaram a madrugada
e...
com vinho feito de sei lá quê
embebedaram o período da chuva
este... não sangrou
viu a respiração dos sonhos chocar realidade
e na verdade
lama produzida pelos lábios da flor
enfeitiçou de odor a dor e as paredes moribundas

mesmo assim...
chuva encantou noites



John Bella

Amanheceu /quem diria
























Foto de "Angola em fotos"



amanheceu
quem diria
que inda agora hoje era ontem
e que cacos ao longe não iam ser olhos de bicho
quem diria
que patos-bravos mergulhando não eram jacarés
e que lagartos azuis iam a quatro patas
quem diria
que bosta de elefante não eram pedras
e que guerrilheiros antigos iam pisar a sua mina
quem diria
que o professor cismando não era surdo
e que os alunos não iam falar a sua língua
quem diria
que a moça do Muié
que inda agora era virgem logo já o não é
quem diria
que inda agora hoje era ontem
amanheceu



Arlindo Barbeitos
In “Angola Angolê Angolema”

Reminescência

















às vezes o exílio
é uma árvore aberta
na imponderável noite

e nada espreita
a estrada larga
fonte do olhar

principia como um homem
multidões ao vento
a terra exangue
o grito arável



Luís Carlos Patraquim

Muamba
























A minha Lira mulata
tem acordes tão amantes,
que eu julgo serem de prata
as suas cordas vibrantes.



Porque fiz d’Ela mulher,
tem lábios cor de «pitanga»,
da «pitanga» de comer,
com adornos de missanga.



E os seus braços tão nervosos
são dois ramos de palmeira,
que me abraçam, duvidosos,
e me prendem de maneira,



que eu não sei qual é melhor,
se os seus beijos de «muamba»,
se o «jindungo» deste amor...
- Amor mulato... pitanga!




Tomaz Vieira da Cruz

Unchained Melody




Enviado pelo amigo Aires Bustorff
Desconheço o nome do fantástico intérprete desta intemporal melodia.

Eu cantava as lágrimas
























Para ti, rapariga sem nome,
cujos dedos atravessaram meu
muro com suas estrelas

fazia de teu rosto a semente,
o sol da carícia,
as palavras do dia cinzento.

de tua língua fazia a luz,
as folhas, as árvores
dos lugares que nos restam.

e do rio da pele
eu cantava a pele do coração.

cantava as lágrimas sólidas
nos olhos da noite onde
fingias dizer as noites onde
dizias não ser a raiz da estrada.

cantava as lágrimas antigas
que caíam no cesto dos sonhos
do dia que escondia o tempo
do dia que adivinhava os lugares.

e do rio da pele
eu tocava a pele do coração.


João Maimona

Um homem nunca chora























Pintura de Malangatana



Acreditava naquela história
do homem que nunca chora.

Eu julgava-me um homem.

Na adolescência
meus filmes de aventuras
punham-me muito longe de ser cobarde
na arrogante criancice do herói de ferro.

Agora tremo.
E agora choro.

Como um homem treme.
Como chora um homem!


José Craveirinha

a tradução do amor

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É um compêndio o amor caminho de muitas coisas.
Tem coisas novas e outras tão velhas
como são os ventres de raparigas aos estertores;
como o amor de Neto e os suspiros de Eugénia.

Rimas perdidas – não mais a casa da Rima
onde escolhesse uma embriaguez e matutasse
às cores do divume. Sobre esta pedra que
não para de pensar porque estou sentado nela
e ela me tem como a um esposo, sobre esta pedra
concluo a noite.

O amor é a nocturnidade é um compêndio solto.
Qualquer que seja a página que rasgue da noite,
o amor sangrará.
Este é longo caminho e metade de mim mesmo.
“Sabes o que é o amor?”
Quem responderá quem fortalece sua própria insónia?
Todo este tempo que amei é uma insónia.


João Tala

oh negra ardente

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teus cabelos longos
oh negra ardente
como o sol
das estrelas

são a brisa
da kinanga
na boca da lua

oh negra ardente
como a salina
dos sonhos

tua viagem priva
o orvalho da
minha entranha

em teus lábios
ornamento coqueirais
da praia da corimba

teu andar ulungu
oh negra ardente
como o sol das estrelas



Fernando Kafukeno

Barco Negro

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De manhã, que medo que me achasses feia,
acordei tremendo deitada na areia.
Mas logo os teus olhos disseram que não!
E o sol penetrou no meu coração.

Vi depois numa rocha uma cruz
e o teu barco negro dançava na luz...
Vi teu braço acenando entre as velas já soltas...
Dizem as velhas da praia que não voltas.

São loucas... são loucas!

Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
pois tudo em meu redor me diz que estás sempre comigo.

No vento que lança areia nos vidros,
na água que canta no fogo mortiço,
no calor do leito dos bancos vazios,
dentro do meu peito estás sempre comigo.

Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
pois tudo em meu redor me diz que estás sempre comigo.



David Mourão Ferreira

Meditemos



















«Na África, cada ancião que morre
é uma biblioteca que se queima.»


Amadou Hampaté Ba

Kalumba
























Foto de Angola em fotos




Ela veio do mato
e confundiu
as estrelas com as luzes da cidade

Na cidade
os seus olhos eram duas estrelas

E no coração de muitos homens
não brilhou outro sol
se não a linda filha de soba
que viera das terras da Lunda
e morava no muceque Sambizanga

Mas os seus olhos confusos
descobriram na cidade
um mundo diferente
onde a sua alma era aferrolhada
nos navios que levaram do Congo
os homens sobre o mar
Kalunga! Morte

Aquela cidade era um mar
era a sua morte
E na cidade brilhante
que é um mundo, um mar
Kalunga!
onde em cada rua partem navios
para longe de cada homem
perdeu duas estrelas –

Os olhos
da linda filha dum soba da Lunda.



Agostinho Neto