Já venerei dias de miséria nos ponteiros trilhados de um relógio sem tempo onde cresce o meu tormento
o mesmo flash se repete com miúdos sem nome a abraçar desgraças
nas ruas...
andam aos milhares soltando as malícias do ventre as vozes de fome
no e mesmo instante em cada flash brilham as barrigas destes miúdos que esperam (sem tempo) a abraçar desgraças contrastam com as barrigas eminentes da gente que passa e se escapa a escarrar luxúria regresso odiosamente à minha infância com impulsos incontrolados do coração onde se encontra a muda revolta da minha aflição
vejo-me revejo-me nestes retratos na rua onde o flash se repete em cada esquina como um pedaço de mim escondendo-me dos bocejos da noite mas essa graça da inocência...eu já perdi.
áfrica da nudez plangente dos braços nus dos embondeiros, silhuetando na noite áfrica a contemplar embevecida a imensidão dos oceanos na lembrança trágica dos filhos deportados áfrica dos homens bêbados arrastando os pés descalços na terra sequiosa de vida da mulher nua que se entrega para se achar das barrigas dos meninos barrigudos de fome áfrica do ritmo quente do batuque e da farra perdidos na noite do canto triste dos poetas dos seus poemas escritos com sangue e suor de gente
acredito em ti como a áfrica escultural dos homens esculpindo a vida na pedra da vida
Uma mão relampeja na casa da escrita. Faísca Troveja. Procura um claro instante para a aparição.
Pode-se vê-la correr pelo dorso do papel, deitada do seu lado ou do seu modo rastejante, pode-se vê-la provando o ruminante delírio das palavras, a sua rasante arrumação, e leva vozes aquela mão em cada delicada passagem, rítmica, latejante ou um nervo animal que faz lembrar a textura pedestre do papel. Mas a mão voa, explosiva, e não cai nem agoniza no espaço vibrante onde se comunica.
Voar é um fervoroso recolhimento. E no que é quase a medida elementar do esquecimento a escrita navega num estuário de silêncio. Escrever é uma droga antiga, uma bebedeira que queima com lentidão a cabeça, traz as luzes desde as vísceras, o sangue a ferver nas vias tubulantes, traz a natureza estimulante das paisagens que temos dentro.
Eduardo White In “Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave”. Edição da Caminho, Lisboa, 1992.
Spend all your time waiting for that second chance for a break that would make it okay there's always some reason to feel not good enough and it's hard at the end of the day I need some distraction oh beautiful release memories seep from my veins let me be empty oh and weightless and maybe I'll find some peace tonight
In the arms of the angel fly away from here from this dark cold hotel room and the endlessness that you fear you are pulled from the wreckage of your silent reverie you're in the arms of the angel may you find some comfort here
So tired of the straight line and everywhere you turn there's vultures and thieves at your back and the storm keeps on twisting you keep on building the lines that you make up for all that you lack it doesn't make no difference escaping one last time it's easier to believe in this sweet madness oh this glorious sadness that brings me to my knees
In the arms of the angel fly away from here from this dark cold hotel room and the endlessness that you fear you are pulled from the wreckage of your silent reverie you're in the arms of the angel may you find some comfort here you're in the arms of the angel may you find some comfort here
Jesus Cristo Jesus Cristo Jesus Cristo, meu irmão Sou fio dos pais da terra Tenho corpo p'ra sofrer Boca Para gritar E comer o que comer Os meus pés que vão No chão Minhas mãos são de trabalho Em coisas que eu não sei E não tenho nem apalpo Trabalho que fica jeito Para o branco me dizer “Obra de preto sem jeito” E minha cubata ficou Aberta à chuva e ao vento Vivo ali tão nu e pobre Magrinho como o pirão Meus fios saltam na rua Joga o rapa sai ladrão Preto ladrão sem imposto Leva porrada nas mãos Vai na rusga trabalhar Se é da terra vai para o mar Larga a lavra deixa os bois Morre os bois ... e depois? Se é caçador de palanca Se é caçador de leão Isso não faz mal nenhum Lança as redes no mar Não sai leão sai atum ... Jesus Cristo Jesus Cristo Jesus Cristo meu irmão Sou fio dos pai da terra Um pouco de coração De coração e perdão Jesus Cristo meu irmão.
Um dia eu vou fazer um romance com as histórias da minha rua antes de se chamar Silva Porto e os pretos irem embora. Vai entrar a lua e meninos sem cor a Domingas quitata, o sô Floriano do talho com muita mistura de amor e muito suor de trabalho. Vou meter as cabras e os cães vadios da velha Espanhola os batuques da Cidrália e dos Invejados, os batalhões do "Treze" e do "Setenta e Quatro", o bêbado Rebocho, o velho Salambio', a Joana Maluca da garotada, cajueiros, cubatas, lixeiras, capim e piteiras, e mesmo no fim da história, quando os homens estão desesperados e as fardas passam em fila, acendo um sol de Fevereiro, semeio algumas esperanças e parto com o meu veleiro a dar uma volta ao Mundo!
António Cardoso In “Poemas de circunstância”, 1961
E apesar de tudo, ainda sou a mesma! Livre e esguia, filha eterna de quanta rebeldia me sagrou. Mãe-África! Mãe forte da floresta e do deserto, ainda sou, a irmã-mulher de tudo o que em ti vibra puro e incerto!...
- A dos coqueiros, de cabeleiras verdes e corpos arrojados sobre o azul... A do dendém nascendo dos abraços das palmeiras... A do sol bom, mordendo o chão das Ingombotas... A das acácias rubras, salpicando de sangue as avenidas, longas e floridas...
Sim!, ainda sou a mesma. - A do amor transbordando pelos carregadores do cais suados e confusos, pelos bairros imundos e dormentes (Rua 11...Rua 11...) pelos negros meninos de barriga inchada e olhos fundos...
Sem dores nem alegrias, de tronco nu e musculoso, a raça escreve a prumo, a força destes dias...
E eu revendo ainda e sempre, nela, aquela longa historia inconsequente...
Terra! Minha, eternamente... Terra das acácias, dos dongos, dos cólios baloiçando, mansamente... mansamente!... Terra! Ainda sou a mesma! Ainda sou a que num canto novo, pura e livre, me levanto, ao aceno do teu Povo!...