Corpo já lavrado eqüidistante da semente é trigo é joio milho híbrido massambala
resiste ao tempo dobrado exausto sob o sol que lhe espiga a cabeleira.
2
O ventre semeado deságua cada ano os frutos tenros das mãos (é feitiço) nasce a manteiga a casa o penteado o gesto acorda a alma a voz olha p'ra dentro do silêncio milenar.
3
(Mulher à noite)
Um soluço quieto desce a lentíssima garganta (rói-lhe as entranhas um novo pedaço de vida) os cordões do tempo atravessam-lhe as pernas e fazem a ligação terra.
Estranha árvore de filhos uns mortos e tantos por morrer que de corpo ao alto navega de tristeza as horas.
4
O risco na pele acende a noite enquanto a lua (por ironia) ilumina o esgoto anuncia o canto dos gatos De quantos partos se vive para quantos partos se morre.
Um grito espeta-se faca na garganta da noite
recortada sobre o tempo pintada de cicatrizes olhos secos de lágrimas Dominga, organiza a cerveja de sobreviver os dias.
Mbanza Congo regressou aos títulos de 1ª. página... infelizmente pelas piores razões. O acidente com um Boeing 737 vitimou seis pessoas. Apenas um milagre poderá terá impedido que mais mortes ocorressem. Ainda bem que há... milagres! A minha solidariedade para com os familiares das vítimas do acidente.
M'banza Congo é e será sempre um marco fundamental na minha vida. O acidente trouxe-me á memória características únicas daquela pista, daquela lindíssima cidade e daquele povo portentoso e amigo.
O meu baptismo de voo aconteceu num voo de Luanda para Mbanza Congo, então São Salvador do Congo.
Um «enorme» DC3 da DTA, antecessora da TAAG levantou do Aeroporto Craveiro Lopes, hoje 4 de Fevereiro, escalou Ambriz, Ambrizete, Santo António do Zaire seguindo depois para São Salvador, antes de rumar a maquela do Zombo e regressar finalmente a Luanda. Uma viagem inesquecível.
Recordo desse tempo as dificuldades que aeronaves de grande porte tinham para ali operar. O avião maior que por ali aterrava era o famoso «Barriga de Ginguba» - o Nord Atlas, militar. Aviões de escala da DTA não recordo, ali, outro que não fosse o Dakota.
Lembro que a capital da Província do Zaire era, na altura, uma pequena cidade do interior, ameaçada pela guerra que não raramente passava não muito longe dos seus horizontes.
Rodeada de arame farpado por todos os lados, a sua extensão máxima correspondia, grosso modo, ao comprimento da sua pista de aviação - curta e estreita.
A «aerogare» não existia e todo o processo burocrático ligado ás viagens era efectuado numa loja de uma vivenda contígua á pista - a Casa Verde.
A pista do aeroporto tinha, no início da década de 70, características muito especiais. Dividia a cidade em duas, estando de um lado a «cidade branca» e do outro a «cidade negra», a sanzala.
Esta pista era talvez uma das únicas pistas onde de um lado para o outro da cidade circulavam livremente pessoas e veículos. Essa passagem situava-se junto ao CRESSA (Clube Recreativo de São Salvador).
O relato do acidente agora ocorrido recorda-me que um avião com a envergadura do DC3 passava com a ponta das asas sempre muito perto das casas, fossem elas, na altura instalações militares, a Missão Católica, a Catedral de São Salvador... ou as humildes casas de adobes de muitos amigos. Qualquer incidente nestas circunstâncias pode tornar-se catastrófico.
Não me parecendo, pelos relatos que tenho, que a estrutura urbana á volta da pista se tenha alterado, mesmo que, como se sabe tenha sido melhorada e eliminada a tal passagem, fácil é admitir que uma pequena falha, tenha ela a origem que tiver, ponha em perigo a segurança da aeronave e de toda a zona urbana que ladeia a pista.
Admitir que aeronaves como a que agora sofreu o acidente escalam aquela pista assiduamente, por melhores que hoje sejam as condições, é sem dúvida uma proeza humana dos pilotos da TAAG!
Confesso que, mesmo antes do acidente, se me dissessem para regressar a Mbanza Congo num Boeing 737, o faria de imediato, sem pestanejar. Mas que, até aterrar em segurança, estaria absolutamente espectante quanto á possibilidade do «monstro» conseguir ali pousar, creiam que estaria...
Assisti, ali, a DC3 tentarem a aterragem e terem que abortar o processo, fazendo razante á pista, em aceleração muito próxima do Hospital Provincial, não muito longe do limite da pista, na altura assinalada com metades de bidãos de 200 litros.
A perigosidade daquela pista, fica patente na imagem de um outro acidente ali ocorrido em 1994, provavelmente por motivos idênticos, com um Boeing 727 da TransAfrik.
Qualquer que seja o avião, quaisquer que sejam os riscos... aí voltarei, estou certo!
Hoje sentei-me debaixo de tiEmbondeiro E, ainda que por momentos, Viajei no tempo do foi assim... Das savanas extensas feitas de mim Das queimadas redentoras sem fim Das chuvas torrenciais do novo capim Na terra dos cheiros a mandioca e açafrão E de todas as metamorfoses de que foste guardião. E senti, no rosto, o beijo de picante paladar Daquela negra de fascinante olhar Semi-deusa, semi-nua em corpo de enfeitiçar Que dentro ti me mostrou um mundo de emoções Ao som de um batuque que lá do longe Nos ofertava os delírios de ancestrais iniciações E nos oferecia lições de aprender a viver Em tempos a que só o tempo sabia responder.
Hoje sentei-me debaixo de tiEmbondeiro E, ainda que por momentos, Fiquei imóvel, esmagado, chão terreno A olhar-te como quem entende esse segredo De seres tão grande e tão pequeno E de me fazes sentir este imenso degredo De só te poder viver nos sonhos de um aceno. Mas, ainda assim, vivi, sonhei, abri asas e gritei. E cavalguei no dorso das gazelas Subi ao penhasco das águias, soltei-me, planei com elas Bebi água com o leão, entre javalis e zebras Descansei à sombra dum elefante, ouvi o choro das hienas Fui mais alto que as girafas, fui animal de mil raças. E entre bandos multicolores em acrobacias de perigo Voei horizontes de azul rasgados a vermelho vivo Para lá da tela do sol-pôr que me ofertavas Enquanto, deleitado, debaixo de ti me abandonava Ao sabor da brisa que canta o imenso hino Que, de tão intenso, cabe numa simples semente de tamarindo.
Hoje sentei-me debaixo de tiEmbondeiro E, ainda que por momentos, Fui livre na criança que te aprendeu a pinceladas de negro E se fez homem nos encantos da mulata em requebro Em batucadas de feitiço vestidas de mil saris E revestidas com cânforas de cheiro e óleos subtis Emolduradas pelos olhares dos longínquos mandarins, Que me fizeram crescer entre o carrinho de arame e lata E a lângua de matope onde pescava cacanas cor de prata No tempo em que as cobras eram simples animais E me ofereciam de prazer todos os pecados originais Herdados directamente da estirpe de Gungunhana Imortalizados nos vermelhos fortes de Malangatana. E eu sonhava com manchimbombos amarelos em ilusões abertas Que rumassem a um futuro de saudáveis descobertas Da harmonia dos cheiros de África e dos orientais incensos... Mas que o homem, abruptamente, manchou de fatais contra-sensos.
Hoje sentei-me debaixo de ti...Embondeiro E, ainda que por momentos...Revivi! Depois..., parti.
Acabemos com este maelstrom de chá morno! Mandem descascar batatas simbólicas a quem disser que não há tempo para a criação! Transformem em bonecos de palha todos os pessimistas e desiludidos! Despejem caixotes de lixo à porta dos que sofrem da impotência de criar! Rejeitem o sentimento de insuficiência da nossa época! Cultivem o amor do perigo, o hábito da energia e da ousadia! Virem contra a parede todos os alcoviteiros e invejosos do dinamismo! Declarem guerra aos rotineiros e aos cultores do hipnotismo! Livrem-se da choldra provinciana e da safardanagem intelectual! Defendam a fé da profissão contra atmosferas de tédio ou qualquer resignação! Façam com que educar não signifique burocratizar! Sujeitem a operação cirúrgica todos os reumatismos espirituais! Mandem para a sucata todas as ideias e opiniões fixas! Mostrem que a geração portuguesa do século XXI dispõe de toda a força criadora e construtiva! Atirem-se independentes prá sublime brutalidade da vida! Dispensem todas as teorias passadistas! Criem o espírito de aventura e matem todos os sentimentos passivos! Desencadeiem uma guerra sem tréguas contra todos os "botas de elástico"! Coloquem as vossas vidas sob a influência de astros divertidos! Desafiem e desrespeitem todos os astros sérios deste mundo! Incendeiem os vossos cérebros com um projecto futurista! Criem a vossa experiência e sereis os maiores! Morram todos os derrotismos! Morram! PIM!
Pudesse eu um dia voltar à minha terra ver os coqueiros e os cafezais em flor ver as sanzalas transformadas em casas dignas de homens que trabalham noite e dia
pudesse eu tornar a ver-te mãe e abraçar-te e beijar-te até não mais e ver finalmente os meus irmãos de cor respeitados como eu sempre sonhei
pudesse eu ver as palmeiras da avenida gingando ao vento e ao grande calor e pisar essa terra agora nossa
pudesse eu daqui dizer-vos tudo que sinto e que quero transmitir pois mesmo longe estarei sempre ao vosso lado
Hei-de compor um dia um canto sem lirismo nem tristeza digno de ti, ó minha terra. Hei-de compor um canto livre e sem regras que de boca em boca vai partir nos lábios de velhos e meninos. Será o canto do pescador com todos os sons do mar com os gemidos do contratado nas roças de São Tomé. Será o canto de todos os dramas do algodão do Lagos & Irmão o das tragédias nas minas da kitota e da Diamang. Será o canto do povo o canto do lavrador e do estudante do poeta do operário e do guerrilheiro falando de toda Angola e seus filhos generosos.
Tenho saudades do tempo Em que corria descalço Pelas areias do rio; Comigo, os meus companheiros Também descalços, correndo, A correr ao desafio.
Tenho saudades do Largo Onde estava a minha casa, Com mulembas altaneiras; Tenho saudades das sombras Com que os seus ramos cobriam Sempre as nossas brincadeiras. (- Quem tem o canhé? És tu! Pescoço de ganso, monco de peru… Quem tem o canhe? Sou eu! Diabo, diabo, vais p’ra o céu…)
Tenho saudades, meu Deus, Tanta, tantas que nem sei Como me cabem aqui; Tenho saudades, até, Das saudades que senti.
II
No quintal da minha casa Vestido de prata nas noites de luar, As sombras das mangueiras Eram rendas espalhadas Pelo chão. E as horas do serão Corriam apressadas. As moças a namorar, As crianças a brincar Rindo, Cantando, Chorando Dum trambulhão; As velhas, quase em surdina, Contavam histórias do mato, Do tempo da escravatura: -Um branco, um coelho e um gato, Outros bichos à mistura, Bichos sabidos que falavam. Depois, quando a lua descia P’ra se esconder no Sombreiro, Todos, todos se juntavam Em redor da minha avó. Havia quifufutila, Havia pé de moleque… …E a lua desaparecia No Casseque!...
III
Onde está o meu quintal Vestido de prata nas noites de luar, Com rendas de sombras espalhadas pelo chão? Onde estão esses meninos Que riam chorando Dalgum trambulhão?
A vida os levou p’ra longe de mim!
Agora, de tudo isso, Só me ficou o feitiço Desta saudade sem fim. E quando a lua se esconde No Sombreiro Fico sozinho na praia À laia Não sei de quê, Olhando o mar, Carpindo saudades, A olhar A olhar…
Trazias tanto mar na pele dos dedos onde o teu corpo é sempre o meu princípio de nunca querer chegar ao fim a voz da vaga quantas vezes te disse e te cantei ? Quantas vezes sal de pôr na boca Quantas vezes concha seios de maré búzio de carne um leito de água no teu ventre de marulhado espasmo musical ?
E quando a água aquecia nossa fúria quantas vezes sentimos que o mar não era tudo e os olhos queriam mais no meio dos ruídos cazuarinos um ximbicar nas coisas sem limite.
Mas põe o nosso corpo nestas dunas de sol pleno e todo destapado alimentando o lago da miragem que se descobre na esquina onde só era o nu da luz na escassez de arbustos de um pouco-a-pouco deste ar sopro quente que a nossa boca expira para a boca e nossos olhos prolongam para sul.
Aqui pressinto o que faltava quase ao nosso mar para que fosse a imensidão mais simples mais essencial. Ouve-me então nesta coragem de planta amor eu penso a minha curva de Welwitchia erecta em solidão da tua ausência depois que trouxeste tanto mar na pele dos dedos."
o rabo do gato desenha letras árabes no mosaico da sala. arranha o tapete de arraiolos, rasga o jornal de letras e um verso escapa-se pela janela entreaberta
uma pétala de violeta é o tempo das violetas fugiu para a janela da vizinha um andar abaixo. talvez atraída pelo cisne de camille saint säens no carnival des animaux
o gato enfurece-se com o silvo do vento e quase me estraga o poema. vale o método tradicional um novelo de linha encanta o gato.
alguém pousa os lábios nos meus olhos.
José Félix in “Geografia da Árvore (a reinvenção da memória)” Abril, 2002
É do mar que vêm estas vozes silabando a linguagem das marés, gravando na areia estranhas grafias onde, quem sabe ver, desvenda o rumo no sobressalto das ondas.
Este permanente arfar marinho desperta a ressonância de oculto escuro de obscuros templos submersos onde o coração, descompassadamente, se perturba na iminência do segredo revelado.
Cheiros de primeira pátria, nesta urgência de sal em nossos membros, atrai as pegadas para a líquida planura pela saudade de verde glauco que estira o corpo na fronteira do mar.
Reminiscência da primeira voz, neste marulhar à concha dos ouvidos, desperta nossa cólera e angústia de malograda fuga e de nos vermos, na babugem das águas, de olhos vítreos, adormecidos peixes sobre a areia.
As pálidas luas das tuas mãos negras, os olhos da paisagem insular, teu corpo conspirando com a noite, (beijo africano de húmidas pressões), toda a claridade da hora aprofundada no ventre generoso e farto.
A viagem regressiva aos ancestrais: O reencontro para lá da linha quebrada, oculta no tempo; justificacão de sermos outra vez humanos, simples, tudo nas pálidas palmas das mãos quando, materna, apresentaste o peito à concha do ouvido para que ouvisse o rumor da noite longínqua e permitiste ao sono que viesse, amável, na grande verdade a nosso respeito. e em toda aquela aurora sem mentira arborizando o corpo quebrantado ansiávamos o dia para celebrarmos o cacimbo matinal em nosso olhar no fresco odor da casa de madeira.
A dor que em mim mora não é o mal no meu corpo carne destinada à terra húmida última guardiã do sofrimento
pois esse já fiz oferenda ao mais Homem de todos os Homens mumificado pela injustiça humana que estrangula o nosso ser
a dor que em mim mora é a que vi em Bissau é a que viveram na travessia para Dakar é a que viveram na travessia para Cabo Verde é a que vejo no corpo dos outros
Em 2005, o fotógrafo Peter Menzel e a escritora Faith D'Aluisio lançaram, Hungry Planet: What the World Eats.
Cada capítulo retrata uma famíla e o que ela consome durante uma semana.
Acima a família Aboubakar, em Darfur, no Sudão. Abaixo a família Melander, em Bargteheide, Alemanha.
As listas detalhadas bem como os valores gastos estão aqui. De que modo a situação se terá alterado?
Da Cimeira de Rostok saiu mais um bocado de nada para os africanos. Não quero ser maldoso mas a semelhança com os chás de caridade vem-me sempre á memória... Fico sempre com a sensação de que a ajuda nada mais é que o pagamento para que África fique com os seus problemas e não os exporte.
Terra vermelha do Lépi és minha mãe Mãe-Terra que aos filhos dá mais do que a vida uma razão
Razão de águia águia transformada no soba dos espaços e das espinheiras cruas.
Terra vermelha do Lépi calma sombra das mangueiras sobre o chão vermelho rocha negra do saber de ferro a água sabe à voz materna
Águia de pedra embala onde sentaram régios Mussindas de vento em gerações de luar gritando ao vale profundo aos muxitos e ás mulembas velhas a superfície larga do barro do corpo negro dos filhos
A hora que anda na angústia forte da esperança e na alegria trágica e cansada de não esperar.
Quando a hora chegar...
Essa hora com bandeiras, bandeiras e bandeiras e multidões vibrantes a passar para dizer aos homens do passado, para dizer aos homens do futuro, para dizer presente e continuar.
Quando a hora chegar...
Há crianças sem pai, há crianças sem mãe, que hão-de por risos novos sobre a boca que ainda não tem pão; que hão-de pôr brilhos novos sobre os olhos que ainda vão chorar; que hão-de pôr forças novas no combate que vai recomeçar.
Quando a hora chegar...
Cimentada com lágrimas e sangue e dor e ansiedade e medo de a perder...
Ah!, levem-me também, eu vou também! ( Eu quero ter esta certeza se não sobreviver!)...
Preto na tonga voluntário contratado preto-prato-colher manta-sandália: seus pertences nas estradas de Angola.
Monangamba de vinte angolares por dia fuba-peixe seco-óleo de palma esteira na cama de tábua nua. Monandengues de dez angolares: meninos sem escola no café robusta de Angola que brincam de gente adulta com a experiência do mundo nos olhos e barriga grande na infância da vida.
Banana. Palmar. Dendém. Café robusta de Angola
E os meninos sem mãe as mães sem marido e os homens sem mulher pelas estradas de Angola.
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança da língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.
Regressei de outros mares Trazendo em cada mão uma lembrança. Antiga ou nova. Minha ou alheia. Regressei docemente de outros mares Trazendo gravado em cada mão muitas lembranças Muitas canções. Muitas esperanças.
Com os desengraxados meus autopés de luxo número 40 tipo escuro de biqueira estilo metatarsos de nascença directamente autopisando os alcatrões no verão percorro este universo emigrando diariamente no interior africano deste território minha pátria escondido no meu País.
Mas não interessa aprofundar os trinta dias seguidos por mês sem uma única folga sequer aos domingos. Que os meus olhos no tabu das montras das sapatarias consomem mil modelos de sapatos subjectivos incompráveis por mim.
E no limiar dos restaurantes exóticos ao meu nariz agredido pelo cheiro da comida chegam bifes totalmente abstractos e Pavlov põe-me a mastigar saborosos menus de nada.
Amigos. Naturalmente se eu fosse poeta em vez de gente isto seria com certeza o tema de uma poesia africana com meias solas de asfalto nos pés descalços sapatos por comprar comida por comer e muito povo à mistura.
Mas como sou apenas um homem como toda a gente a transitar na cidade com autopés de luxo número 40 em vez de uma poesia mais ou menos africana FICA ASSIM!
O post da Phwo que nos remete para mais uma monstruosa obscenidade do poder em Angola.
"O Inferno existe à face da terra e não só no Zimbabué ou na Coreia do Norte", escreve Armando Rocheteau no 2+2=5. Aung San Suu Kyi sabe-o melhor que ninguém! Liberdade, já!
Com atrazo... indesculpável (no mínimo) dou as boas vindas a mais um magnífico volume da série Chuinga, da amiga Isabella Oliveira. Já vai no quinto! Parabéns. Pelo volume e pelo aniversário, mesmo que tenha já encerrado as comemorações.
Fica ainda o solene anúncio que a minha particular e talentosa amiga Célia Silva regressou ás lides, renascida das cinzas para um voo que, esperamos todos, seja grandioso. Força, amiga! Mostra aí todo o teu talento.
Fico malaíko com as cenas que constato Queres ver Luanda, vê primeiro Ecos e Factos Se água tem, energia não tem. Se energia tem, água não tem, nem tudo tá sebem. A maioria não se importa é só tchillar Sexta farrar, sábado no bar, segunda a kubar. E Luanda vai morrendo lentamente. Sem jovens para erguer uma capital diferente. Se não formos nós, quem fará por nós? O estrangeiro explora e foge nunca querer saber de nós. Não há estrilho, para tudo existe um prazo. Nossa existência não é obra do acaso. Digam de que forma a gente vai criticar, vai relatar, não só Luanda, Angola vai mudar.
Só a mudança para sarar minha ferida, ua ué Luanda, amor da minha vida.
Essa é a minha, a tua, a nossa, vossa banda. Essa é a minha, a tua, a nossa, vossa Luanda.
A preto e branco, como vês, nua e crua, crua e nua, conclusões efectua O kimbundo? nana. O português? Fala-se mal! Não é normal, em termos de linguagem, tá-se mal. Luz, niente, água, niente. É melhor eu me calar para não ser inconveniente. O tempo da TPA, quase todo já foi-se. Porque quase todos têm em casa, a Multichoice. Channel O, MTV, KTV, CBC, SIC, Globo, RTPI. Sim, a globalização tem força, vemos outras culturas e esquecemo-nos da nossa. Tu vês que eu não falo a toa. Roulottes em Luanda é tipo cafés em Lisboa. Reparem só, analisem com atenção: sobre o preço da gasolina, sobre o preço do pão. Sobe quase tudo, só o salário que não. Bwé de makas, bwé de estrilhos, bwé de kilingas mayuya.
Mas mesmo assim, minha Luanda kuia. Mas 'inda assim, minha Luanda kuia. Mas mesmo assim, minha Luanda kuia. Mas 'inda assim, minha Luanda kuia.
Bem-vindo a Luanda, a cidade que acontece, onde todos são pausados, todos são kaenches, onde há bwé de problemas, mas ninguém tá preocupado. Muitos passam fome, mas tão sempre bem grifados. Não há retalhos, problemas é a grosso. Tá na moda formar grupo e dar com catana nos outros. Tem dicas para rir, tem dicas pra chorar. E o Luandense até nos óbitos, gosta de se mostrar. Isso é Luanda, ninguém respeita nada. Com conversa, não se entendem, só se entendem com porrada. Fico malaíko com o clima da cidade, na porta da discoteca, todos são celebridade Ninguém pode esperar, todo mundo quer ser visto. "Hey brother, sou VIP". Comé, brother, evita isso! Esse mambo tá empestado de ilusão, Luanda é uma selva onde todos querem ser o leão.
O que nós não vimos donde escorria o suor da surucucu que caía gota a gota sobre aquela terra.
Um colar de platina ou as mãos cheias de missangas deste modo me prendeste às flores de laranjeira que não tive.
Busco o teu corpo como a sombra das tamareiras. Dás-me de beber e eu deslizo pela corrente dessa água.
Tu és o meu oásis e dispo os meus véus em cada palmeira. Fomos peregrinos de tantos lugares e de gentes de outras línguas bebemos água de muitas fontes.
Mas àquela cachoeira que nos pertencia não podíamos chegar. Prenderam-nos no exílio e na tortura de a sonhar.
Não somos mais peregrinos, estamos em outro lugar. Mas viaja a alma para nessa cachoeira mergulhar. Calar essa voz que no caos do mundo, dulcíssima e magoada, não é senão um sopro fora dos caminhos.
Recolher ao útero quente e macio não pelo cordão, perdido para sempre, mas por essa voz silenciada
Quem pode impedir a Primavera Se as árvores se vão cobrir de flores E o homem se sentiu sorrir à Vida?
Quem pode impedir a surda guerra Que vai nos campos deslocando as pedras - Mudas comparsas no ritmo das estações - E da terra inerte ergueu milhares de lanças Que a tremer avançam, cintilantes, para o limite Em que a luz aquosa se derrama Como um mar infinito onde o arado Abre caminho misterioso à seiva inquieta!
Quem pode impedir a Primavera Se estamos em Maio e uma ternura Nos faz abrir a porta aos viandantes E o amor se abriga em cada um dos nossos gestos.
Quem?... Se os sonhos maus do Inverno dão lugar à Primavera!
Em teus dentes o sol é diamante de fantasia a lua caco-de-garrafa e a mentira verdade vagabunda errando de cágado em torno da lagoa dos olhos da noite na treva aveludada de tua pele os dedos curiosos são estrelas de marfim à busca de um dia caprichoso despontando de miragem por detrás das corcundas de elefantes adormecidos
domesticadas asas estrebucham o ancestral sonho sitiado que a exiguidade geométrica da gaiola calca enquanto ouvimos rádio na sala de estar
dura um instante infinitesimal a pausa do locutor e nesse vazio breve oportuno subversivo o pássaro entoa as cores do arco-íris os sons fluem em cascata através dos arames e estacam na sala - vá tu saber se o bicho está triste ou alegre"
Simeão Cachamba
Xirico: pássaro e marca de transístor muito popular
Gostaria de hoje (e sempre) ter a convicção absoluta que estamos a construir um mundo melhor para as nossas crianças. Receio, porém, que a reputação da nossa geração não venha a ser, justamente, muito favorável no futuro. Temos tudo para lhes legar um mundo melhor! Porque não o fazemos?