Canção do silêncio


















Ouvindo o silêncio das coisas remotas,
Distingo legendas que os outros não lêem...
Vislumbro paisagens confusas, remotas,
- Silhuetas de imagens que muitos não vêem!...

Desvendo os mistérios da selva distante,
Aonde costuma rugir o leão...
- Arroios cantando, num som murmurante,
Anharas perdidas p'ra além do sertão...

Capim verdejante nas húmidas chanas,
Lençol de esmeralda que o sol vai corando...
Matizes da selva, luar das savanas,
Mabecos fugindo, pacaças pastando...

Silêncio das noites sombrias, caladas,
Segredos da selva, murmúrios da aragem...
- Holongos ligeiros, fugindo, em manadas,
Regatos correndo por entre a folhagem...

Latidos de hienas em torno dos quimbos,
Já dentro da noite, se a fome as aperta;
Quimbundas alegres, sachando os arimbos
Depois que o som cavo do goma as desperta

Chingufos ao longe - rufar permanente -
Chamando ao batuque de intensa folganca...
E os pretos, gingando pra trás e pra frente,
Agitam as ancas na febre da dança!...

E a lua, do alto - qual "hostia boiante" -

Envolve o cenário num manto sidério...
- Canção do silêncio da selva distante,
Bem poucos entendem teu som de mistério!
...



M. Correia da Silva
In "Cantares de Angola"