Aula de desenho
sexta-feira, setembro 23, 2005
Meu filho põe sua caixa de pintura à minha frente.
Pede que eu desenhe um pássaro.
Ponho o pincel no pote de cor cinza
e pinto um quadrado com fechaduras e grades.
Seus olhos se enchem de surpresa:
Mas isso é uma prisão, papai!
Não sabes desenhar um pássaro?
Digo-lhe: - Filho, perdoe-me.
Esqueci a forma dos pássaros.
Meu filho põe então
o caderno de desenhos à minha frente.
E pede para que desenhe uma espiga de trigo.
Tomo um lápis. E desenho uma arma.
Meu filho ri de minha ignorância, perguntando:
Papai, não sabes a diferença
entre uma espiga de trigo e uma arma?
E digo:
Filho, uma vez usei a forma da espiga de trigo,
a forma do pão, a forma da rosa.
Mas nestes tempos duros
as árvores da floresta
Juntaram-se aos homens da milícia
e a rosa agora veste uniformes escuros.
Neste tempo de espigas,
de trigos armados,
de pássaros armados,
de cultura armada,
e de religião armada,
não se pode comprar o pão
sem encontrar uma arma em seu interior.
Não se pode colher uma rosa do campo
sem que seus espinhos nos arranhe a cara.
Não se pode comprar um livro
que não vá explodir entre nossas mãos.
Meu filho se senta na borda da minha cama
e pede que eu recite um poema.
Uma lágrima cai de meus olhos na almofada.
Ele a toma, surpreendido, dizendo:
Mas esta é uma lágrima, papai!
Não é um poema!
Digo-lhe:
Quando cresceres, meu filho,
e quando aprenderes o diwan da poesia árabe,
descobrirás que palavra e "lágrima"
são irmãs gémeas e que o poema árabe
não é mais do que uma lágrima chorada
por dedos que escrevem.
Meu filho toma seus pincéis,
a caixa de tintas da minha frente
e pede que eu desenhe uma pátria.
O pincel treme em minhas mãos
e eu me afundo, chorando...
Nizzar Qabbani
Escritor sírio
(1923-1998)
Considerado um dos maiores poetas
árabes do amor e da política.
Destacou-se com obras eróticas
que quebraram as tradições literárias
do Oriente Médio e pela defesa incansável
da emancipação da mulher.