Paisagem
quinta-feira, setembro 29, 2005
No fundo
além da fortaleza sonhadora,
das acácias em flor,
da cidade espalhada em colinas,
da cascata de vidros nas encostas,
do vôo disparado daquele patos
e do calor de tua mão,
no fundo,
feito paisagem indiferente,
o ruído do mar.
Monótono, constante, distraído,
marcando-me o compasso ao pensamento.
E o pôr-de-sol, as nuvens cor de fogo,
a cinza abrasada, um dongo na baía,
a fortaleza debruçada, além,
como quem espreita para além do mar...
Toda a beleza cálida me fere,
só porque o mar,
monótono, indiferente,
repete aquelas frases, cáusticas, brutais,
que eu trouxe no meu peito com vinte anos
os versos de combate,
o meu olhar altivo,
as horas de visão
e os passos muito incertos e tão fortes
que eu sentia no rumo do futuro.
Há uma sombra no céu
e uma névoa nos meus olhos.
As janelas apagam-se em penumbra,
o dongo atravessou a água mansa
e a tua mão aquece a minha mão.
E a tua mão aquece a minha mão.
Crispas os dedos, sentes esta angústia:
a beleza completa-se com dor.
Ao fundo, o mar,
o mar que nos embala e nos conforta,
o mar...
Ó meu amor, e diz,
eu ouço, ele diz,
que a alma não está gasta,
a ânsia não está morta,
se os olhos são capazes de chorar!
Cochat Osório
(No reino de Caliban II - antologia
panorâmica de poesia africana de expressão portuguesa)