Les rois mages




Recordando 1971.
Festas felizes a todos os amigos e visitantes!

Beijo negro




















Beija-me profundamente com o teu gosto,
dá-me o teu gosto,
faz-me renascer,
para que no meu despertar sinta a fresca melodia dos pássaros
e a brisa me traga esse incenso
místico... terra...
que os rios e os mares quentes, me lavem a consciência
e me aqueçam a alma,
o meu dia seja uma caça felina... a minha presa... a vida...
o mergulhar no entardecer da esperança ardente,
e esses tambores ao anoitecer, me embalem em sons embriagantes,
o fogo dos corpos mais forte que as chamas das fogueiras,
os gestos dos corpos suados,
uma dança feiticeira de beijo negro,
a minha entrega inteira,
beija-me profundamente com esse gosto,
porque só tu me beijas assim.



Sónia Sultuane

Desenhar














Foto de Maria Branco



Desenhar
teu perfil com um dedo de criança
na areia de uma praia virgem

Andar
com pés calçados de esperança
caminhos de vertigem

Navegar
um barco de solidão
numa vaga dorida

Inventar
Versos para uma canção
De outra manhã florida.



Manuel Rui

Homenagem

Aspiração




















Quero chegar no raiar da manhã.
No afago fresco da madrugada.
No canto do galo e no pregão da quitandeira.
Na buzina do candongueiro
E no sotaque: madrinha quê manga?
Compra só então mãe, dou uma pra esquebra...

Quero chegar na aurora do dia.
Percorrer as ruas d'acácias em flor.
Ai as acácias da Vila Alice e do Maculusso, sorrindo coradas...à minha chegada!

Quero o aroma branco, doce, de frangipani sentir
Lá para as bandas de Sambizanga
Comprar miconde n'avozinha da igreja,
que me espera de promessa, juro por sangue de cristo.

Quero sorrir
Sempre a sorrir nesta chegada
Como se não soubesse fazer mais nada...

Quero subir a avenida, degrau a degrau no sonho
No de dormir ou naquele acordado
Exibindo meu orgulho de filha da rua, do asfalto e da terra, batida
Onde passou o carro da tifa
E os amantes cantaram prá lua
Olhar as mangas que o avó não colheu
E as goiabas que também não comeu

Quero pisar aquele chão e olhar o meu mar
E o horizonte estar dentro de mim
feito onda a me inundar de segredos que não guardei
Um deles, ser feliz, porque cheguei...



Maria Clara Santos

Agora Mesmo




















Está gente a morrer agora mesmo em qualquer lado
Está gente a morrer e nós também

Está gente a despedir-se sem saber que para
Sempre
Este som já passou Este gesto também
Ninguém se banha duas vezes no mesmo instante
Tu próprio te despedes de ti próprio
Não és o mesmo que escreveu o verso atrás
Já estás diferente neste verso e vais com ele

Os amantes agarram-se desesperadamente
Eis como se beijam e mordem e por vezes choram
Mais do que ninguém eles sabem que estão a
[despedir-se

A Terra gira e nós também A Terra morre e nós
Também
Não é possível parar o turbilhão
Há um ciclone invisível em cada instante
Os pássaros voam sobre a própria despedida
As folhas vão-se e nós
Também
Não é vento É movimento fluir do tempo amor e morte
Agora mesmo e para todo o sempre
Amen


Manuel Alegre

Os mestres do mundo















Vieram
levaram tudo
o sonho
a esperança
a vida
até a realidade varreram
e na azáfama da fuga
o vazio arrancaram
com medo que engendrasse
os genes da vida
a luz
e os seus gestos denunciassem


Eles...
os mestres do mundo
afogaram o sonho
enforcaram a esperança
apagaram a vida
com um sopro
um estalar de dedos
um sacudir de ombros altivo…

Senhores de todos os destinos
intocáveis
nas suas torres de cristal
roubadas ao suor alheio
vieram
levaram tudo
o riso
o pranto
o fôlego
até os rostos desfigurados pela dor
e na azáfama da fuga
os olhos arrancaram
para que não os vissem
e com o olhar os condenassem


Eles…
os mestres do mundo
prenderam o riso
amarraram o pranto
asfixiaram o fôlego
num gesto louco
de um estalar de chicote
o olhar altivo...


Deuses do universo
senhores de todos os destinos
decidindo a vida e a morte
vieram
levaram tudo
a dignidade
a modéstia
a honestidade
até o pensamento esvaziaram
e na azáfama da fuga
a consciência perderam
por não lhe suportarem o peso


Eles…
os mestres do mundo
violaram a dignidade
enterraram a modéstia
venderam a honestidade
num abrir e fechar de olhos
como num truque de magia
o semblante altivo…


Senhores absolutos
inverteram a escala de valores
à luz da própria imagem
vieram
levaram tudo
o pão da boca do faminto
o tecto do desabrigado
até a História apagaram
deixando apenas no seu rasto
humilhação
impotência
revolta
que o povo na dor afoga
por iguais armas não possuir
para combater tal violência
que de igual
só tem o ódio
fruto mudo
da fúria destrutiva !


Eles
os mestres do mundo
criminosos impunes
de consciência tranquila
barriga farta de ganância
o peito inchado de razão
da legitimidade usurpada
inconscientes da própria ignorância ! ! !




Filomena Embaló

Nem botas nem canhões















Trago no corpo
as marcas da vida
No coração
Os sonhos abortados
Na pele as chagas do sofrimento

Meus olhos cegaram
De tanta dor enxergarem
Meus ouvidos ensurdeceram
Com o choro da criança faminta
Minha boca se calou
Para não mais clamar minha dor

Mas no âmago do meu ser
Na minha essência mais profunda
Guardei a força do querer
E nem ventos nem marões
Nem botas nem canhões
Nem sórdidas tentações
Minha marcha travarão

Sigo em busca da verdade
Novos sonhos brotarão
Novos mundos se abrirão
Em cada riso de criança acalentada
Colherei um pedaço de vitória
E de riso em riso
De vitória em vitória
Se vai edificando um mundo melhor!


Filomena Embaló

Descubra as diferenças...

Em Roma




No Japão




Nos Estados Unidos




No Chile




Na Australia

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Ganhei coragem




















Lisboa, 1º. de Maio de 1974



"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente
tem coragem para aquilo que ele realmente conhece",
observou Nietzsche.
É o meu caso.
Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo.
Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe
acerca da hora em que a coragem chega:
"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos".
Tardiamente.
Na velhice.
Como estou velho, ganhei coragem.

Vou dizer aquilo sobre o que me calei:
"O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.

Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus
como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar:

a democracia é o governo do povo.
Não sei se foi bom negócio;
o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável,
é de uma imensa mediocridade.
Basta ver os programas de TV que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo
como instrumento de libertação histórica.
Nada mais distante dos textos bíblicos.
Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.
Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha
para que o povo, na planície,
se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.
Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso
que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.

E a história do profeta Oséias, homem apaixonado!
Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras ideias.
Amava a prostituição.
Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias
pulava de perdão a perdão.
Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário
pelo mercado de escravos.
E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava.
Oséias não teve dúvidas.
Comprou-a e disse:
"Agora você será minha para sempre.".
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa
numa parábola do amor de Deus.

Deus era o amante apaixonado.
O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,
porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces;
a verdade é amarga.

Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola
com pão e circo.
No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos
sendo devorados pelos leões.
E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram.
Os cristãos, de comida para os leões,
se transformaram em donos do circo.

O circo cristão era diferente:
judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa,
se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro
"O Homem Moral e a Sociedade Imoral"
observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais.
Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem.
Mas quando passam a pertencer a um grupo,
a razão é silenciada pelas emoções coletivas.

Indivíduos que, isoladamente,
são incapazes de fazer mal a uma borboleta,
se incorporados a um grupo tornam-se capazes
dos atos mais cruéis.
Participam de linchamentos,
são capazes de pôr fogo num índio adormecido
e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.
Indivíduos são seres morais.
Mas o povo não é moral.
O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.

Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional,
segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.

Mas uma das características do povo
é a facilidade com que ele é enganado.
O povo é movido pelo poder das imagens
e não pelo poder da razão.
Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.
Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista
que produz as imagens mais sedutoras.
O povo não pensa.
Somente os indivíduos pensam.
Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam
a ser assimilados à coletividade.
Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.

Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.
Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.
Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung,
o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.
Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.

O nazismo era um movimento popular.
O povo alemão amava o Führer.

O povo, unido, jamais será vencido!

Tenho vários gostos que não são populares.
Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer?
Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche,
de Saramago, de silêncio;
não gosto de churrasco, não gosto de rock,
não gosto de música sertaneja,
não gosto de futebol.
Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo,
eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos
e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno",
à semelhança do que aconteceu na China.

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.
Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,
é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:
"Caminhando e cantando e seguindo a canção.",
Isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.


Rubem Alves

Sabores da Terra





Muxi, coracão ao meu berço M´Banza, M´Banza Congo,
à nossa rebita, a Bela vista, a Ilha dos Amores,
o nosso Carnaval, o lombi, a kibeba, a kifufutila,
o rio Zaire, o Kwanza, safú, cabita, catatu, muxiluxilu,
ai tambarino, o nosso mea cura, as nossas farras de quintal,
a palanca negra, jilojo, mengueleca, reco reco, o kissonde,
a Vila Flor,
ao Bagre, ao nosso bagre fumado, os nossos mirangolos, a
nossa Kissama, Ah! Muxima, a perfumada nocha, a
kissangua,
o marufu, o mona xibata o peixe espada, a nossa chiquanga
o nosso feijão, kandange, olha imbondeiro, olha múkua,
a saca folha, nosso cachuchu, a ilha do Luanda,a
welwitchia, a ginguba e o bombó, o nosso pirão, atenção, a
rebita, cavalheiros a gauche, damas a droite,
primeira forma, vamos embora,- está quase bom, atenção,
a rosa de porcelana, a nossa marimba, o nosso funge, o
nosso batuque, a nossa batucada, o kissange, a nossa
moamba, as missangas coloridas,
a canjica,as águas milagrosas do Huamba, as quedas do
Kalandula, Chinguar, ai a puíta, o maboque, a nossa
moamba,vila flor, o reco reco, loengos, o ungo, o sape sape


Waldemar Bastos

Todo o poeta quando preso



















Todo o poeta quando preso
é um refugiado livre no universo
de cada coração
na rua.

O chefe da polícia
de defesa da segurança do estado
sabe como se prende um suspeito
mas quanto ao resto
não sabe nada.

E nem desconfia.



José Craveirinha

A minha casa
















A minha casa
...É fácil de localizar
É fácil de encontrar,
Basta ires sempre em frente
Para além da linha do horizonte
É fácil concerteza

Primeiro encontras lixo
Lixo e pessoas em convivência
E em harmonia,
Lixo na parte de baixo
E na parte de cima
Lixo e pessoas em convivência íntima

Mais adiante
E com o mau cheiro crescente
Encontras uma lagoa
E nela, crianças a banharem
Crianças a brincarem
Na maior, numa boa

Mais a frente
Entras em becos estreitos
Becos pequenos e apertaditos
É fácil, é só teres isto em mente
Becos e suas enxurradas
Becos e suas águas estagnadas

Sempre em frente
Para além da linha do horizonte
Lá onde a água corrente
Lá onde a água potável
Passa muito distante
E da cor do invisível!

Sempre em frente
Para além da linha do horizonte
Lá onde a luz eléctrica
Connosco brinca
Qual nuvem passageira
Que ora vai, ora vem zombateira!

Sempre em frente
Para além da linha do horizonte
Cheiro de kaporroto no ar
Cheiro de kimbombo a vibrar
Nossas bebidas do dia-a-dia
Nossas bebidas nossa companhia

E no quintal da minha casa
Há jovens a falar alto bêbedos
Jovens cansados, frustrados e arrebentados
São os meus kambas
Kambas das bebedeiras e das malambas
É fácil de localizar concerteza,

Sempre em frente
Para além da linha do horizonte!



Décio Bettencourt Mateus
in "A Fúria do Mar"

Pensamento do dia
















Foto daqui


"Algumas coisas morrem com a luz. Se você puxar para fora da terra as raízes de uma árvore, elas morrerão. Elas necessitam da escuridão, elas vivem na escuridão, na escuridão está a vida delas. Assim como as raízes, o sofrimento também vive na escuridão. Exponha os seus sofrimentos e você descobrirá, eles morreram. Se você continuar escondendo-os dentro de si, eles irão permanecer seus companheiros constantes por muitas vidas. A infelicidade tem que ser expressada."





Osho

Lisboa perto e longe














Foto (espectacular) de Agostinho Dias



Lisboa chora dentro de Lisboa
Lisboa tem palácios sentinelas.
E fecham-se janelas quando voa
nas praças de Lisboa - branca e rota
a blusa de seu povo - essa gaivota.

Lisboa tem casernas catedrais
museus cadeias donos muito velhos
palavras de joelhos tribunais.
Parada sobre o cais olhando as águas
Lisboa é triste assim cheia de mágoas.

Lisboa tem o sol crucificado
nas armas que em Lisboa estão voltadas
contra as mãos desarmadas - povo armado
de vento revoltado violas astros
- meu povo que ninguém verá de rastos.

Lisboa tem o Tejo tem veleiros
e dentro das prisões tem velas rios
dentro das mãos navios prisioneiros
ai olhos marinheiros - mar aberto
- com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.

Lisba é uma palavra dolorosa
Lisboa são seis letras proibidas
seis gaivotas feridas rosa a rosa
Lisboa a desditosa desfolhada
palavra por palavra espada a espada.

Lisboa tem um cravo em cada mão
tem camisas que abril desabotoa
mas em maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguem verá de joelhos.

Lisboa a desditosa a violada
a exilada dentro de Lisboa.
E há um braço que voa há uma espada.
E há uma madrugada azul e triste
Lisboa que não morre e que resiste.



Manuel Alegre

saudades de um ex-amor















construo sólidos castelos d’areia
que se destroem
no contacto
com a ímpia suavidade da onda.

… aspiração frustrada.

amor na concha de vento
no êxtase poético
na ondulante curva
da nossa união. na areia.

… amor na interrogação da onda.

minha lágrima:
néctar salgado
pérola de esperança
no mar adocicado.

… para quando o reencontro?



Conceição Cristóvão

Há Momentos



















Há momentos na vida de um Homem
Em que sabe que acordou diferente
E que já não é o mesmo para ele,
Mesmo que o seja para toda a gente...

Há momentos na vida de um Homem
Onde só pode entrar uma Mulher
Aquela que lhe trouxer
A flor do sexo
Desenhada a vermelho no ventre
E nada lhe perguntar...

Há momentos na vida de um Homem
Onde só pode entrar uma mulher
Aquela que lhe trouxer,
Num abraço total,
A ilusão da vida inteira...
E, depois, partir
Com a esperança de vida que ele semeou...

Há momentos na vida de um Homem
Onde só pode entrar uma Mulher
Para todo o Mundo se resumir
À flor vermelha
Como um bocado de sol
Que desponta numa telha!


António Cardoso

Medo e cruz



















De medo e diabo trazes o corpo envenenado enquanto a
mente balbucia incoerências
Por trás do véu de instintos espicaças a carne
O desejo sob uma resma de salmos
Em nome de que virtude contra quem levantarás a cruz
Um púlpito
A carne
Uma cruz
Ao mistério da criação a humanidade


Amélia Dalomba

Oh, mamy blue





Início dos anos 70.
Todos os dias António Sala colocava esta música no ar.
Cerca das 07:30.
Não saía de casa, nos Olivais, a pé, para percorrer o caminho até á Afonso Domingues sem a ouvir.

Imaginem aqueles dias de Janeiro, solarengos e extremamente frios...
Capa com os livros, como hoje se não usa, debaixo do braço... e o trautear da música.

Talvez venha desta música e deste tempo o gosto por músicas que "enchem o peito", que puxam pelo lado positivo, que empolgam.

Oh, mamy blue!

Hoje recordo-a e tento ganhar novo alento para enfrentar duríssimas batalhas que se perfilaram há muitos, muitos anos no horizonte.

Tal como São Jorge, também hei-de vencer o dragão.
Não precisarei da sua lança, apenas da sua inteligência, da sua coragem e da sua perseverança... e de um "hino" como... Mamy blue

Meu amor da Rua Onze





Tantas juras nos trocamos,
Tantas promessas fizemos,
Tantos beijos roubamos,
Tantos abraços nos demos.

Meu amor da Rua Onze,
Meu amor da Rua Onze,
Já não quero
Mais mentir.

Meu amor da Rua Onze,
Meu amor da Rua Onze,
Já não quero
Mais fingir.

Era tão grande e tão belo
Nosso romance de amor
Que ainda sinto o calor
Das juras que nos trocamos.

Era tão bela, tão doce
Nossa maneira de amar
Que ainda pairam no ar
As promessas que fizemos.

Nossa maneira de amar
era tão doida, tão louca
Qu'inda me queimam a boca
Os beijos que nos roubamos.

Tanta loucura e doidice
Tinha o nosso amor desfeito
Que ainda sinto no peito
Os abraços que nos demos.

E agora
Tudo acabou.
Terminou
Nosso romance.

Quando te vejo passar
Com o teu andar
Senhoril,
Sinto nascer

E crescer
Uma saudade infinita
Do teu corpo gentil
De escultura
Cor de bronze,
Meu amor da Rua Onze.


Aires de Almeida Santos

Parabéns, Madiba!




















"Ninguém nasce a odiar outra pessoa pela cor da sua pele, pela sua origem, ou ainda pela sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar"


Nelson Mandela

Fool's overture







(Churchill's famous speech)
We shall go on till the end, we shall fight on the seas and oceans.
We shall defend our island, whatever the cost may be.
We shall **never** surrender

History recalls, how great the fall can be
While everybody's sleeping
The boat's put out to sea
Born on the wings of time
It seems the answers were so easy to find

Too late the prophets cry
The island's sinking, let's take to the sky
Called the man a fool
Stripped him off his pride
Everyone was laughing
Up untill the day he died

Ooh though the wound went deep
Still he's calling us out of our sleep
My friends, we're not alone
He waits in silence to lead us all home

So you tell me that you find it hard to grow
Well I know, I know, I know
And you tell me that you've many seeds to sow
Well I know, I know, I know

(distant choir sings 'Jerusalem' almost inaudibly)
And was the Holy Lamb of God
on England's pleasant pastures seen?
And did the Countenance Divine,
Shine forth upon our clouded hills?

Dreamer

Can you hear what I'm saying
Can you see the parts that I'm playing:
Holy Man, Rocker Man, Come on Queenie,
Joker Man, Spider Man, Blue Eyed Meanie
So you found your solution
What would be your last contribution?
Live it up and rip it up and why so lazy?
Give it out and dish it out and let's go crazy, yeah



Supertramp

Eu sei que eu vou te amar





Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
A cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que eu vou te amar

E cada verso meu será pra te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida

Eu sei que vou chorar
A cada ausência sua eu vou chorar
Mas cada volta sua há de apagar
O que essa ausência sua me causou

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida


Vinicius de Moraes

Marginal do teu corpo (a confissão do outro)



















Foto de Alecu Grigore, via "O Jumento"


No teu corpo adormeço
Horas longas permaneço
No asfalto da noite…
Revejo cenas do dia


Repasso actos alheios
Extasiado!
Vejo-te…virgem… Beijo-te nua
Serena só para mim!

Viro-me todo… Abro tudo…
Cuidados me cercam
Tuas curvas lânguidas… imagino:
– invejo o prazer alheio:
– deixo fluir as mágoas
Beijam-me águas luandinas
Na curva da madrugada…

Sinto a maresia
A farfalhar-me o ouvido
Solto-me…Venho-me…
Esqueço-me de tudo!
Tudo esqueço
Até minha condição precária!



Isabel Ferreira

Luanda















a lua anda
conforme a música


a noite fecha
meus olhos
mas é você
quem dorme e dança


nua anda
na distância
pelo deserto sereno


eu penso numa boca
que ainda não me beija
a fotografia - a mesma -
revela o sonho
de um sorriso bom.



Felipe Rey
In "Subversos"

Sinfonia














A melodia crepitante das palmeiras
lambidas pelo furor duma queimada

Cor
estertor
angústia

E a música dos homens
lambidos pelo fogo das batalhas inglórias

Sorrisos
dor
angústia

E a luta gloriosa do povo

A música
que a minha alma sente



Agostinho Neto

Doçura



















Quando a fitei extasiado,
Suas mãos pálidas, mimosas,
Escolhiam frutas bem cheirosas
Num recanto calmo do mercado.

E por mero acaso, (eu sei!,
Senhora minha desconhecida,
Ai! só por mero acaso...)
Vossos olhos belos,
Plácidos e meigos,
Negros, fulgurantes,
Sobre mim poisaram,
– P’ra logo se afastarem
Indiferentes, distantes...

Ao compor na rede
A gostosa fruta,
Um pouco vos baixastes
E o decote largo
Do vestido azul
Afastou-se lento
Como onda branda
De cansado mar...


Maurício Gomes

Teus olhos de dendém















Imagem de "Angola Minha Terra"





Para a M. J.


Naquela noite eu disse
lá em casa
que ia prò cinema.

Cruzei a Baixa toda
entrei numa boate
– a mais fina de Luanda –
e fui dançar com ela
apaixonadamente.

Ela era uma pequena
de Malange.

Tinha nos olhos
brilhantes como incêndios ao luar
o claro escuro
dos bagos
de um cacho de dendém.

Naquela noite
dançámos loucamente
apaixonadamente.

Tinha a pele clara
como qualquer daquelas
mulheres que eu conheci
nas longas noites invernais
da Europa.

Mas o olhar
ai
o olhar
trazia o sofrimento
das noites Africanas.

Nunca mais pude esquecer
aquela rapariga branca
de Malange
que tinha os olhos lindos
como as cores
dos bagos
de um cacho de dendém.

Nunca mais
ai, nunca mais
dancei assim
e nunca mais a vi
dançar assim
tão loucamente
alucinadamente
a rapariguinha branca de Malange
que tinha o corpo esguio
o ritmo no bailar
esse ritmo de uma qualquer mulata
das minhas longas noites Africanas.

Nunca mais dancei assim
tão desvairadamente
apaixonadamente
os lábios num murmúrio
a boca num perjúrio
seus seios no meu peito
amachucadamente
aqueles cabelos negros
roçando a minha face
os cílios desse olhar
com gotas de luar
que tinha as ambições
o claro escuro
dos bagos
de um cacho de dendém.

Nunca mais
ai, nunca mais
dancei assim
tão loucamente
apaixonadamente...



Ernesto Lara Filho

Condenado por recolher notícias da net e ter um livro



















André Zeferino Puati, natural de Cabinda/Angola, activista de Direitos Humanos, um chefe de Escuteiros católicos e trabalhador da Chevron, foi condenado neste dia 10 de Junho, em Cabinda, a 3 anos de prisão. A acusação divulgada na altura, para a sua detenção, depois de uma busca a sua casa, foi a de ter em sua posse notícias retiradas da Internet sobre a situação em Cabinda e um livro sobre a História de Cabinda, publicado em Portugal em 2008, e intitulado "O Problema de Cabinda Exposto e Assumido à Luz da Verdade e da Justiça", cujo autor é o advogado Francisco Luemba, detido também posteriormente com a mesma acusação.

Qualquer cidadão livre fica estarrecido com uma notícia com este conteúdo.
Fico-me por aqui.
Deixo aos leitores os pensamentos e os comentários que "isto" merece.

Respigado, com a devida vénia, de "Notas Verbais"

Encontro de acaso



















Na tristeza de meus olhos
Pousaram suaves os teus.
Nos meus lábios secos de tabaco
Roçaram suaves os teus.
Mulher!
Nem sabes a força que deste
A este desespero calado
De rebentar as amarras
De um dongo numa praia de pesadelos
Varado.


António Cardoso

Fabuloso

O café nosso de cada dia...

















A Delta Cafés solicitou uma reunião com o Papa no Vaticano.

Após receber a bênção do mesmo, o representante cochichou:
- Vossa Santidade, nós temos uma oferta.

A Delta está disposta a doar 50 milhões de EURs à Igreja, se Vossa Santidade mudar a frase da oração Pai-Nosso, de "o pão-nosso de cada dia nos dai hoje" para "o café nosso de cada dia nos dai hoje".

O Papa responde:
- Isso é impossível. A oração é a palavra do Senhor e não pode ser mudada.

- Bem, diz o homem, nós já prevíamos sua relutância e, por isso, nós aumentamos a oferta para 100 milhões de EURs. Tudo o que pedimos é que se mude a frase de pão para café.

Novamente o Papa responde:
- Isso, meu filho, é impossível. A prece é a palavra de Deus e não pode ser mudada.

Finalmente, o homem da Delta diz:
- Vossa Santidade, nós da Delta respeitamos Vossa fé, mas nós temos uma oferta final: doaremos 500 milhões de EURs para a Igreja Católica, simplesmente se a frase "o pão-nosso de cada dia" for mudada
para "o café nosso de cada dia".
Por favor, pense nisso.

E o homem retirou-se.

No dia seguinte, o Papa convoca o Colégio dos Cardeais e diz:

- Tenho 2 notícias para dar: uma má e a outra boa. A boa notícia é que a Igreja vai receber uma doação de 500 milhões EURs.

- E a má notícia, Santidade? - pergunta um dos cardeais.

Responde o Papa:
-Vamos rescindir o contrato com a Panrico ...
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amar é mesmo assim



















ela tem uma ave nos contornos de mulher
e me vê com as escleróticas em fuga.
deixa-se ir ao tempo com um corpo de navio
enche a embala com o seu todo.
ela emergiu da “casa inabalável”
e victoriosa depôs o soba.
rendo-me à vassalagem quero-a solta e rica.
certo ou incerto os sonhos errados
tornam-se vivos: como um compêndio de
mil escrituras no amor que gesticulo.



João Tala

Os teus olhos infinitos












Hoje roubei todas as estrelas do céu
e quando pensei em colá-las nos teus olhos
faltava-me ainda o universo todo...


Eusébio Sanjane

Poema para ti
















Não me perguntes por que te amo
pergunta-me antes, por que não te amaria
e eu te responderei:
— Não te amaria, se não houvesse em ti
este sol por despertar, esta sede por matar,
e esta interminável doçura que te habita.

Eu já te amava e te adorava
antes mesmo da invenção da palavra.

Creio que não sabes,
mas tu és esta chama fria
esperando ser encarnada
na alma...És este sentir
que constrói mundos
e move corações...

Não me perguntes por que te amo
pergunta-me sim, o quanto te amo
e eu te responderei:
— Não existe palavra tão intensa
em que caibas completamente, pois tu és
este vazio ainda por preencher, o qual não se
basta nunca...

Sabes,
por vezes um simples olhar teu
desperta um lento fogo em mim
que sem demora enche-me de atrasos
e logo sei o quanto estás distante...
Mas não te preocupes
que em meu olhar
ainda reluzem as tuas pegadas
denunciando-te sob o horizonte...



Eusébio Sanjane

Recordando

















Ontem me pediste de forma dócil para jamais te falar.
Hoje
Me pedes com riso nos lábios para te olvidar.
Que me pedirás quando o sol estiver a fazer Kassuada?
Amanhã já vazio e só serei eu capaz de falar ao mundo
Que afinal nunca estive presente
Fui a mais singela ficção numa curta história
E a minha existência foi uma descabida imaginação?



Garcia Bires

O Mar














Vi-te
trajada furor das ondas
desfeitas
em meus braços

Vi-te
Preenchida de conchas
do meu ouvir
e no paladar
do meu sentir
foste-te pelo vazar do mar
deixando-me o eco
da eterna solidão
verde-azul



Fragata de Morais

3 Momentos




















1.º

ONTEM:
Se não existisse a poesia
serias tu musa-poesia
de todos os tempos de todos
os poetas mendigos e irmãos do AMOR.


2.º

HOJE:
Voltei do além com marcas
frescas da pureza. O teu sorriso
me acenou. Agora, não sei se o mais
puro é a fonte de pureza que te dá origem
ou o estado de pureza que do além trago.


3.º

AMANHÃ:
Quando se inaugurar a cidade da poesia
teu nome escrito com beijos de alecrim
estará com bandeira ao vento saudando
os casais felizes à entrada da cidade.



António Gonçalves

Blues




















Foto de "Angola em Fotos"



Tua voz desliza como um pássaro aberto na lâmina do dia
ilha que se levanta e voa a partir do Sol
lamento gritado da floresta por sua gazela perdida
choro grande do vento nas montanhas
ao nascimento de um escravo mais na história do vale

Tua voz vem de dentro da cidade
de todas as ruas bairros e leitos da cidade onde houver
um calor de pernas
contar o silêncio das horas guardadas a soco no sarilho
dos ventres
com um jazzman a assobiar na escuridão dos pares
a memória ácida do chicote
nos porões do Mundo




David Mestre
in «Subscrito a Giz - 60 poemas escolhidos»

O valioso tempo dos maduros

















Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!



Mário Pinto de Andrade

Vivemos num País onde discordar pode ser fatal !













ALERTA: Vivemos num País onde discordar pode ser fatal


Quero deixar aqui publicamente um gesto de solidariedade de coragem por aquilo que o jornalista António Aly Silva tem feito pelo seu país e por aquilo que considero ser a verdadeira missão de informar.
Mesmo com o risco da própria vida!
Honestamente já esperava que um dia o alerta para o perigo que a sua vida poderia correr soasse...
António Aly Silva nunca deixou de estar nos locais mais perigosos e de exercer a nobre missão de informar.
Ao longo dos anos que levo de acompanhar o seu blog, sem o conhecer, sem um qualquer contacto, habituei-me ao seu verbo duro, á sua coragem intelectual e, seguramente, física.

Abraço de solidariedade e o desejo que a Guiné-Bissau ultrapasse rápidamente e de forma segura mais este momento difícil da sua história.

Continuarei a estar atento e a seguir o Ditadura do Consenso.
Coragem!
Todos quantos amam a liberdade e, por consequência, a lei e a responsabilidade social e política... travarão a sua luta.
Estou consigo!
Bravo!

Peru




Cuzco, Arequipa, Macchu Pichu, Nazca
A música e as ftos e uma viagem por fazer.
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Africana



















dizes que me querias sentir africana,
dizes e pensas que não o sou,
só porque não uso capulana,
porque não falo changana,
porque não uso missiri nem missangas,
deixa-me rir...
mas quem é que te disse?!
Só porque ando de "Levis, Gucci ou Diesel",
não o sou... será?
Será que o meu sentir passa pela indumentária?
Ou que o serei
pelo sangue que me corre nas veias,
negro, árabe, indiano,
essa mistura exótica,
que me faz filha de um continente em tantos
onde todos se misturam,
e que me trazem essa profundidade,
mais forte que a indumentária ou a fala,
e sabes porquê?
Porque visto, falo, respiro, sinto e cheiro a África,
afinal o que tu saberás? O que tu sabes?
Deixa-me rir...
deixa-me rir...



Sónia Sultuane

Singular
















Como somos pequenos e sozinhos.
Ao acordar não tenho ninguem para quem olhar ,
falar meu sonho ou abraçar.
Mas não me cabe usar metáforas para expressar a solidão.
Quem lê esses pensamentos pensa que sou infeliz,
nem tanto,
sou apenas singular!



Larissa Machado

Angola em imagens

Não é um fado normal






Olhas p’ra mim com esse ar reservado
A estoirar pelas costuras
Nem sei se estou em Lisboa
Será que é Tóquio ou Berlim?
Tu não me olhes assim!
Porque o teu olhar tem ópio
Tem quebras nos equinócios
Pitadas de gergelim

Mas se isto é fado
Ponho o gergelim de lado
Vou buscar o alecrim
E tu sempre a olhar p’ra mim;
Como se alecrim aos molhos
Atraíssem os meus olhos
Não tenho nada com isso
Alguém que quebre este enguiço
Que eu não respondo por mim

E já estou, quase a trocar o mal pelo bem e o bem pelo mal
Se isto é fado, não é um fado normal
A trocar, o mal pelo bem e o bem pelo mal
Não é um fado normal

Vou por lugares nunca dantes visitados
E há que ter alguns cuidados
Porque bússola não há
E baralham-se os sentidos
Se andamos ao Deus-dará
Sem sentinelas nos olhos
Vou confiar no ouvido
E nada vai estar perdido

Mas se isto é fado
Vou entristecer o quadro
P’ra tom de cinza acordado
Que eu não quero exagerar;
No meio do nevoeiro
Teimo em ver o teu olhar
Que sei não ser derradeiro
Alguma coisa se solta
Que talvez não tenha volta



Amélia Muge

Sou Jumento!

















Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.



Bertold Brecht




Num país em que se tornou politicamente incorrecto esboçar o mais leve benefício da dúvida relativamente ao que o PS, o governo ou Sócrates fizeram, fazem ou pretendem fazer, onde é altamente suspeito ter pensamento favorável da acção do primeiro ministro, passou a constituir crime emitir opinião positiva dele, sendo temerário manter qualquer conversação pública ou privada em que o tema seja a governação socialista se vista positivamente.

O preço a pagar pela temeridade é o enxovalho público, a bufaria, a delação.

Esta semana fomos confrontados, que não surpreendidos, pelo acto indigno de um pseudo-escriba relativamente a um blogger.

Sabíamos que a prostituição intelectual que é veiculada diariamente pelos media é altamente lesiva da inteligência sabendo-se que o propósito é o de condicionar, fornecendo doses maciças de enlatados tóxicos e prontos a serem absorvidos, dado que nem sequer pretendem que tenhamos o trabalho de digerir.
É perigoso demais.

Ignorávamos ainda que neste país onde todos podem pensar livremente, desde que o façam adequadamente e no sentido pretendido, se chegaria á ignóbil acção que se abateu sobre o Jumento.

Neste momento em que pretendem com estas manobras intimidar, condicionar a participação cívica e dessa forma retirar, objectivamente, direitos constitucionais, TODOS SOMOS Jumento.

Não é por acaso que o Jumento tem a projecção e a credibilidade que tem.
A sua grandeza tornou-o um alvo fácil e óbvio, naturalmente.

E se alguém pensou que desta forma se livraria dos coices… esqueça.
O Jumento possui algo que profundamente me agrada – verticalidade.

Força, companheiro, continue. Como aqui, aqui ou aqui. Sempre acutilante e impiedoso com as tentativas de cercear a participação ou de deturpar e contra-informar.

Abraço de solidariedade.

Sou Jumento!!

Dádiva














Foto de "AngolaBela"




Sou mais forte que o silêncio dos muxitos
mas sou igual ao silêncio dos muxitos
nas noites de luar e sem trovões.

Tenho o segredo dos capinzais
soltando ais
ao fogo das queimadas de setembro
tenho a carícia das folhas novas
cantando novas
que antecedem as chuvadas
tenho a sede das plantas e dos rios
quando frios
crestam o ramos das mulembas.

...e quando chega o canto das perdizes
e nas anharas revive a terra em cor
sinto em cada flor
nos seus matizes
que és tudo o que a vida me ofereceu.



Costa Andrade

Canção de amor de uma negra









Eu te cantei canções de amor
enquanto eles nos jogaram
juntos
entre as baratas e os ratos
no porão do navio negreiro.

Eu te cantei canções de amor
quando naquele buraco fétido
eu te ajudei a ficar vivo
para enfrentar a luta no novo mundo.

Eu te cantei canções de amor
quando eles nos colocaram
à venda no leilão
e te levaram para o leste
me arrastando para o norte.

Eu te cantei canções de amor
entre os meus gritos
de dor
te implorando
Por favor nunca te esqueças de mim.

Eu te cantei canções de amor
quando eles me levaram
para ser sua concubina
e te levaram
para ser seu garanhão.

Eu te cantei canções de amor
até quando eu deixei
de ser a concubina deles
mas não pudeste deixar de ser
seu garanhão.

Eu te cantei canções de amor
quando a backra-massa
nos jogou pra fora de nossas terras
pagas com nosso suor e sangue.

Eu te cantei canções de amor
quando tu disseste
“Se não podemos vencê-los
vamos nos unir a eles”
e ficaste com a backra-missus.

Eu te cantei canções de amor
quando tivemos nossas cabeças
quebradas
juntos
nas demonstrações pelo direito
de falar, de fazer greve
de politizar
de organizar.

Eu te cantei canções de amor
quando tu choraste no meu peito
e eu esfreguei ervas medicinais
nos teus ferimentos
ambos
esquecendo
que os meus próprios intestinos estavam rasgados
e rasgados de feridas.

Eu te cantei canções de amor
quando pegamos em armas
contra o inimigo
para resgatar nossa dignidade.

Eu te cantei canções de amor
mesmo quando tu renegaste
o nosso filho
concebido com a tua semente apressada
disparada no meu útero
num dia de folga.

Eu te cantei canções de amor
depois da guerra
quando trabalhamos juntos
para reconstruir um povo inteiro
e um país livre.

Eu te cantei canções de amor
quando tu me disseste
que eu já não era esperta o suficiente
para freqüentar os jantares de Estado
para os quais tu já eras convidado.

Eu continuo te cantando
canções de amor
mesmo quando canções de ódio
ameaçam sufocar até a minha alma.

Eu te canto canções de amor
homem-negro
para que tu possas entender
que eu te quero
forte
do meu lado
me cantando canções de amor também.



Elean Thomas

Soneto





Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio



Florbela Espanca

Noites




Noites africanas langorosas,
esbatidas em luares...,
perdidas em mistérios...
Há cantos de tungurúluas pelos ares!...


Noites africanas endoidadas,
onde o barulhento frenesi das batucadas,
põe tremores nas folhas dos cajueiros...


Noites africanas tenebrosas...,
povoadas de fantasmas e de medos,
povoadas das histórias de feiticeiros
que as amas-secas pretas,
contavam aos meninos brancos...

E os meninos brancos cresceram,
e esqueceram
as histórias...

Por isso as noites são tristes...
Endoidadas, tenebrosas, langorosas,
mas tristes... como o rosto gretado,
e sulcado de rugas, das velhas pretas...
como o olhar cansado dos colonos,
como a solidão das terras enormes
mas desabitadas...

É que os meninos brancos...,
esqueceram as histórias,
com que as amas-secas pretas
os adormeciam,
nas longas noites africanas...

Os meninos-brancos... esqueceram!...



Alda Lara

Queixa das almas jovens censuradas...





Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade


Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte



Natália Correia
in "O Nosso Amargo Cancioneiro"

Meditemos

Eu queria ser um sábio
















I

Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para
viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!

II

Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo
da revolta
e me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
e não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.

III

Vocês, que vão emergir das ondas
em que nós perecemos, pensem,
quando falarem das nossas fraquezas,
nos tempos sombrios
de que vocês tiveram a sorte de escapar.

Nós existíamos através da luta de classes,
mudando mais seguidamente de países que de
sapatos, desesperados!
quando só havia injustiça e não havia revolta.

Nós sabemos:
o ódio contra a baixeza
também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
que queríamos preparar o caminho para a
amizade,
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós
com um pouco de compreensão.



Bertold Brecht

É duro de encarar o sol que brilha



















É duro de encarar o sol que brilha
e nada pode, a cólera do touro
contra a manada dos areais do rio.
Quem recebeu a cauda
a cauda arrastará.
Não basta juntar a lenha
para recolher os molhos:
é preciso que a maldade os não desfaça.

Sujeito-me a vestir as velhas peles
e olho à volta
atento ao que se passa.
Eu sei que há luz e sombra
Nuvens e chuva...
Mas chegará a minha voz aos vossos pés
como aos da onça o grito da capota?

Guarda a cigarra o seu canto
perante a voz dos tambores.



Ruy Duarte de Carvalho

Meditemos













"(...) Quando morreu a consciência do povo, falou-se em autoridade do governo e lealdade dos cidadãos."


Lao-tsé

Questões...














É próprio de um estado de direito que sejam o sistema judicial e a imprensa a utilizar actos criminosos??

A minha perplexidade, o meu espanto...

Terei sido dos poucos que que não comprou o pasquim.

Até consigo perceber que alguns escribas façam fretes (vimo-lo nas escutas de Pinto da Costa - outro crime!).
Até consigo perceber que os patrões dos media façam coro, exerçam pressão com todo o seu poder económico, político e mediático sobre a sociedade em geral...
Até consigo perceber que a maior parte dos jornalistas tenham uma vida para viver, uma família para governar e filhos para educar...
Mas não consigo perceber onde é que raio andam as virgem impolutas, os grandes senadores dos media, os tais que serão capazes de sacrificar a vida pela verdade, pela notícia, pela liberdade de imprensa...

Por onde andam??

Conseguirão meter as mãos entre as pernas, encontrar algo e erguer a voz??
Ou serão como os machões que em casa, perante a indignação das esposas apenas sabem dizer - Sim, querida!!

Parece ser este último, o caso...

Ninguém está acima da lei, nem o primeiro-ministro, nem o presidente da república.
Ninguém.
Mas ninguém pode, de forma incólume e impune, tratar a democracia e o estado de direito desta forma.

Não é espantoso que um sindicato - Sindicato dos Magistrados do Ministério Público - tão representativo na nossa democracia (excepto talvez para Cavaco Silva) como a Associação dos Adeptos de Futebol peça a demissão de toda a gente...

Espantoso é que deveriam começar por exigir a si próprios e a todos os que diz representar o fim do regabofe.
Espantoso que todos se calem...
Espantoso que as únicas palavras de Cavaco Silva tenham sido de "defesa da liberdade de imprensa"... como se tudo o que se vê e ouve seja questão de somenos importância, como se o liberalismo fosse capaz, por si próprio, de auto-regular a questão.

Cavaco fez, aqui e noutros passos da sua actuação, tendo jurado defender a constituição e todo o edifício que esta sustenta, o papel de Pilatos.
Cínicamente lavou as mãos como se o assunto o transcendesse, como se não lhe dissesse respeito ou não se passasse no país de que é presidente da república.

A propósito da liberdade de imprensa, da posse dos meios de comunicação, da sua utilização para os fins mais inacreditáveis e inconfessáveis, faz-me ferver o sangue nas veias e gritar:

"- Mas esta merda já chegou á Venezuela, é??"

Espero ansiosamente a ressurreição, dos estúdios de Belém, de algum "reality-show" ao estilo das "Conversas em Família".

Contra os profetas da desgraça




















"Portugal está á beira do abismo" expressão tantas vezes ouvida e vista impressa tem sido, felizmente, desmentida o mesmo número de vezes.
De cada vez que enfrentámos o desafio fomos capazes de mostrar que a visão do abismo outra coisa não era que alucinação.
Se tivessemos baqueado na nossa caminhada colectiva enquanto povo ou acredita piamente em tudo quanto nos quiseram vender, há muito que não seriamos outra coisa que essa "famosa" jangada de pedra.

O caracter de um povo não se constrói, felizmente, em opiniões negativas ou em atitudes desmobilizadoras.
Sempre soubemos, nos momentos de crise, discernir e escolher o que é positivo e audaz como designio colectivo.
Nem sempre escolhemos o caminho mais fácil, o mais organizado, aquele que melhores alicerces criou e melhor futuro criou para gerações sucessivas de portugueses...
Ouvimos espíritos críticos que, nos momentos em que a euforia colectiva não permite ver mais que a evidência, nos chamaram á realidade e nos obrigaram a reflectir.
Muitas vezes, porém, avaliámos mal esses personagens e, onde pensavamos haver crítica e chamada á razão... houve medo, provincianismo, imobilismo e desistência.
É verdade que os danos causados por estes foram sempre muito superiores áqueles que os optimistas, entusiastas e sonhadores causaram.
Habituamo-nos a ouvir personagens como a que Camões imortalizou como o "Velho do Restelo" mas, demasiadas vezes, fomos enganados por palavras que julgávamos avisadas... e não o eram.
Ulisses colocou cera nos ouvidos dos seus marinheiros para não ouvirem as sereias.

Estamos, de novo, colocados na encruzilhada dos caminhos da história.
Um daqueles momentos em que temos que reflectir e decidir.
Não podemos continuar a adiar o futuro.
Muito se joga nestes dias que, por certo, irão determinar muito do percurso que viermos a fazer.
Todos somos responsáveis pelo que existe, de mau ou de bom.
Ninguém pode afirmar que não pisou o chão desta caravela.
Ninguém pode dizer que nunca enjoou a viagem.

Estamos a navegar á vista da costa porque o(s) homem(ns) do leme não tem sabedoria e arrojo para mais.
Não tem sabedoria, arrojo e, em vez de se rodear por homens integros, com voz, capazes de dizer não... e justificar, entende ser o melhor rodear-se de cortesãos, arautos e profetas da desgraça.

Creio ter chegado o momento de colocar tudo em questão.
Deixarmos de olhar para os sapatos, levantar a cabeça e olharmos o horizonte.
Temos, através de todos os poderes constituídos, formais e informais, sido condicionados a pensar de forma politicamente correcta e cordata.
Dessa forma os lobos, que bebem antes de nós no curso do rio, continuarão a afirmar que a água suja se não provém de nós, foram os nossos pais a sujá-la.
Cordeirinhos, continuaremos a temer e a ser o seu repasto...tomando sempre como verdades eternas as suas manipuladoras palavras.

Creio que é chegado o momento de repensar Portugal.

Estranho povo este, que não se governa, nem se deixa governar…


















Postulados

1 – O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente (Lord Acton);
2 – Quem parte e reparte e fica com a pior parte, ou é tolo ou não tem arte (provérbio popular);
3 – Quem domina o passado domina o futuro; quem domina o presente domina o passado (George Orwell, 1984);
4 – É tarde para a economia, quando a bolsa está vazia (provérbio popular);
5 – Não há guerra de mais aparato do que muitas mãos no mesmo prato (provérbio popular);


Ingenuidades

1 – A imprensa, em democracia, é completamente livre;
2 – Em democracia, todas as teorias conspirativas não são outra coisa que imaginação e delírio;
3 – Não há qualquer influência de organizações secretas no exercício do poder;
4 – O poder político determina o poder económico;
5 - Todos os agentes políticos, sem excepção, actuam sempre como parte da solução e não do problema e promovem, sem margem para dúvida, o interesse nacional;


Promessas nunca cumpridas

1 – O rico ceder voluntariamente parte do seu pecúlio ao pobre;
2 – O Estado ser o regulador e o garante eficaz do bem-estar dos seus cidadãos;
3 – O poder ser cedido sem recurso á lei;
4 – Não haver qualquer controlo, económico ou político, sobre a informação;
5 – Os agentes políticos serem apenas planeadores, executores e fiscalizadores do poder cedido pelo povo em acto eleitoral;


Arautos

1 – “Conspiração ataca presidente” (Correio da Manhã)
2 – “PGR recusa abrir escutas de Sócrates apesar de especialistas admitirem essa possibilidade” (Publico)
3 – “Parlamento vai investigar controlo de grupos de media” (Diário de Noticias)
4 – “Alerta em Belém: Cavaco quer saber mais sobre o caso TVI”(Jornal i)
5 – “Moniz e Manuela exigem demissão imediata de Sócrates” (24 horas)


A verdade

1 – Sócrates terá dito, enquanto era escutado, alguns mimos se comparado com o que Cavaco pode ter dito em privado sobre Soares (e outras forças de bloqueio). Todos metem o nariz no buraco da fechadura mas ninguém fala, em estado de direito, do primado da lei. De factos tão simples como o conhecimento real que actores, fora do sistema judicial, têm de pormenores processuais que, ou lhes são levados em bandeja… ou ávida e sofregamente procurados. Todos parecem olvidar (ou não olvidam porque definitivamente terão o tão almejado controlo) que os ventos que semeiam poderão redundar em enormes tempestades;
2 – Sócrates, que foi criado pelos media e levado ao colo por estes em face da alternativa Santana Lopes, será por eles destruído. Aconteceu antes e voltará a suceder. Os media apenas admitem o sistema de tráfico – tu dizes e eu transmito e em troca quero isto ou aquilo. Não há, não houve nunca, almoços á borla. A relação é biunívoca mas quando alimentar permanentemente o monstro se torna impossível, aquele torna-se repasto deste. Apenas Pinto da Costa, ao que se sabe, domina o monstro…porque lhe conhece os vícios e podres. Será??;
3 – Portugal não reformou o corporativismo, possui um sistema partidário com unidades que apenas pretendem assegurar os benefícios das respectivas unidades orgânicas e legalizou, há tempos atrás, os lobbies. Mais, de acordo com notícias recentes, qualquer conversa privada tida em público é susceptível de ser utilizada, quem sabe se judicialmente contra o seu autor. Trata-se aqui da ressurreição e potencial institucionalização da Legião Portuguesa, os famosos bufos;
4 – Qualquer (em absoluto) governo português ver-se-á sempre confrontado não apenas por todas as campanhas sujas mas pelas dificuldades (não estou a iludir… são mesmo dificuldades), populismo, irresponsabilidade, irracionalidade, falta de sentido de estado e desinteresse pelos superiores valores do país que a(s) oposição(ões) assumem com o maior descaramento e que são encaradas pelo povo com a bonomia, o marialvismo e a superficialidade que nos caracteriza;
5 - Nunca votamos de forma consciente e assertiva porque o nosso voto é dado apenas em função de impedir que este ou aquele ocupem o poder. Ninguém vota de forma positiva porque somos manipulados de forma bovina, é a inveja que é o motor de desenvolvimento nacional e somos permanentemente aldrabados de forma soez. Mas, verdade seja dita, ás 20:00 horas, conhecido o vencedor, já ninguém votou nele. “Estranho povo este, que não se governa, nem se deixa governar…” (Gaius Julius Caesar);


O que está a acontecer

1 – Muito mais que um ajuste de contas e vingança de estórias como as escutas a Belém ou o Estatuto dos Açores. Sendo a vingança um prato que se serve frio é dada pública evidência do facto e da conhecida falta de ética na política, mas demonstra, acima de tudo, o cinismo da bem-aventurada solidariedade institucional. Vai ser dado o passo mais ousado no controlo da situação – transformação do semi-presidencialismo em presidencialismo, puro e duro;
2 – Preparação de clima e de “factos” que criem na opinião pública a necessidade urgente de demitir Sócrates. Ficará, deste modo, também vingada a afronta feita á “má moeda” por Jorge Sampaio e que foi recentemente medalhado pelo ditador (palavras de Belmiro de Azevedo);
3 – “Golpe de estado” dentro do PSD dado que se a demissão ocorrer antes das directas, Ferreira Leite (com muita probabilidade) ou, seguramente, a facção cavaquista poderá ser reeleita com facilidade, na crença (que será veiculada como emergência, sendo absolutamente imprescindível para o futuro da Nação) que apenas ela (ou Marcelo Rebelo de Sousa, p.e.) podem salvar o país;
4 – Em nome dos “superiores interesses do país”, de repente ocorreu um blackout colectivo nos media que obrigou a que se suavizasse ou quase omitisse estes sórdido assunto das escutas de Sócrates… Quem atentou contra a liberdade de imprensa?? Utilize-se os princípios do jornalismo e responda-se sinteticamente ás perguntas sacramentais – quando, onde, como, por quem e porquê.
O OGE não pode ser o responsável único pelo assumir desse repentino eufemismo que dá pelo nome de… responsabilidade! Não pode! “Este não é o momento adequado para a estocada final, mas o cadáver está pronto a ser encomendado. Aguardem o meu sinal”. Ficam as mesmas perguntas a que nenhum jornalista ousará responder. Claro!;
5 – A direita mais retrógrada nunca perdoou a si própria a falta de controlo da situação que permitiu o 25 de Abril e muito menos a perda do poder, embora o sistema que sucedeu ao 24 de Abril tenha sido, na verdade, muito mais benevolente e economicamente rentável que o Estado Novo. Há anos que estão em curso manobras revanchistas que permitam retroceder no tempo de modo a que seja uma… inevitabilidade nacional. Entretanto, procedeu-se ao arranque da campanha eleitoral para as presidenciais, de modo implacável e de forma que a derrota do candidato que Sócrates apoiar seja tão grande, tão unânime, que a demissão seja um caso de misericórdia. Sócrates será, então, imunizado, alvo de condecoração, elogiado nos seus deveres para com o estado português… e jogado no contentor do lixo mais próximo. Há outros desígnios que realmente contam, muito mais importante que o PSD ou o país.