Saudação

Se não voltar,
não hesites: é distância.
se não sorrir,
não sofras: é lembrança.

alongo-mena música
das canções sem sons
dizendo em melodia
chorar alegria e dor.

se mundo sofrer
não lamentes: é alegria.
se só gritar e rir,
beija-me: é solidão.

isola-me o pensamento
no desencontro do quotidiano
apelo ancestral lançado
no despertar telúrico do lago

tão sempre só...
tão trágicamente só...


Ruy Burity da Silva
Foi assim - 1971





30 de Agosto de 1996, uma última olhadela sobre Luanda... um momento duro e doloroso! Intimamente repeti as mesmas palavras de 24 anos antes - voltaremos a encontar-nos!

Nesse longinquo dia 10 de Setembro, sob as asas do 747-B, começara já o destilar do ódio irracional que tantas vidas inocentes custou ao mártir povo angolano. Estava a 7 horas de voo de uma outra realidade... No aeroporto de Lisboa grita-se a plenos pulmões:

EL PUEBLO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO! CHILE VENCERÁ!

Fazia 1 ano que Salvador Allende havia sido assassinado... Entre a turba imensa, lembro sentimentos absolutamente contraditórios - revolucionários, e outros nem tanto, ululando pela Revolução Chilena, recebendo negros refugiados aturdidos e transidos de medo, colonos negreiros e gente sem rumo nem destino, procurando familiares que nunca viram... A alegria da revolução e o desespero da fuga ao inferno para os braços da mais completa incerteza!

24 anos depois, tudo mais burguês, mais civilizado... A família, sorrisos e abraços a acolher... e uma terrível sensação de mergulho na inutilidade, sabendo-se que para trás havia ficado um mundo onde me sentia útil.

Ao voltar a percorrer a 2ª. Circular, recordo, devem ter-me estranhado - havia emudecido, estava distante, muito distante... e, no entanto, larguei uma sonora gargalhada!! Estaria louco?? Defeito profissional, á medida que o carro deslizava sobre o asfalto procurava na coxia do passeio o lixo da Lisboa, suja, que os seus habitantes tanto gostam de afirmar sem saberem o que dizem... e sorri!!! Pelo lixo que não vi, pela inutilidade do que me esperava, pela fantasmagoria da teia burocrática que me iria envolver em breve sobre algo que.... não conseguia descortinar!! E, a 7 horas de voo, o lixo era tão penosamente comum como aqui me parecia a sua ausência... Sentia que era lá, por ser útil e pelo amor áquela terra, que deveria estar!

Que vontade tive de voltar para trás!! Largar tudo, pegar na família e zarpar!!!

Um dia acontecerá...

Não estou convencido da justeza da minha «condenação» a ficar por aqui a morrer aos poucos até à «libertação» dos 65 anos!

Veremos durante quanto tempo se manterá a resistência ao apelo de África!