Não Traio


















(boca cerrada de raiva)

Não traio.
Porque insistes?
Não traio.

Desde criança que meu Pai me ensinou
não haver tempestade
na terra ou nos céus
que não traga
a praga
de um falso herói
salvador da Cidade.
Ou a esperança de um semideus
com um raio
na Mão
que tudo destrói
para pintar depois o sol e o Chão
de outra realidade.
Mas nunca encontrarás traidores
entre os que sempre como eu sonhamos combustões
de novas flores
com pétalas de asas de liberdade
que só nascem e crescem regadas pelos gritos e lágrimas
das multidões.

Povo, continua! Não pares a tua tempestade.


José Gomes Ferreira

Meia-Noite na Quitanda






















Market Pal, quadro de Reuben Glover, aqui




- Cem réis de jindungo
Sá Domingas

O sol
entrega Sá Domingas à lua
nas quitandas dos musseques

E a quitandeira esperando

- Cinqüenta réis de tomate
três tostões de castanhas de caju
um doce de coco
Sá Domingas

Ela vende na quitanda à meia-noite
que o filho
está na estrada
precisa de cem mil réis
para pagar o imposto

o sol deixa Sá Domingas
na quitanda
e ela deixa o luar

Um tostão
dois tostões
três tostões
que o coração de Sá Domingas
sofre mais do que o corpo na quitanda.



Agostinho Neto

Memória de um dia inesquecível

























Trova do Vento que Passa


Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

[Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.]

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.


Manuel Alegre



No mistério do Sem-Fim






















No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro:
no canteiro, urna violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de urna borboleta.



Cecília Meireles

Barca Bela














Foto daqui





Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela.
Que é tão bela,
Oh pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela,
Só de vê-la,
Oh pescador.

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela
Oh pescador!



Almeida Garrett




Madalena Iglésias


Canção em África




















Quadro de Osvaldo Reis, em Espaço Cultural STP




Caminhos trilhados na Europa
de coração em África
Saudades longas de palmeiras vermelhas verdes amarelas
tons fortes da paleta cubista
que o Sol sensual pintou na paisagem;
saudade sentida de coração em África
ao atravessar estes campos de trigo sem bocas
das ruas sem alegrias com casas cariadas
pela metralha míope da Europa e da América
da Europa trilhada por mim Negro de coração em África.
De coração em África na simples leitura dominical
dos periódicos cantando na voz ainda escaldante da tinta
e com as dedadas de miséria dos ardinas das cities boulevards e baixas da Europa
trilhada por mim Negro e por ti ardina
cantando dizia eu em sua voz de letras as melancolias do orçamento que não equilibra
do Benfica venceu o Sporting ou não.
Ou antes ou talvez seja que desta vez vai haver guerra
para que nasçam flores roxas de paz
com fitas de veludo e caixões de pinho:
Oh as longas páginas do jornal do mundo
são folhas enegrecidas de macabro blue
com mourarias de facas e guernicas de toureiros.



Francisco José Tenreiro

Subúrbio



















Ao Rui Nogar e ao Zé Neto



Onde há casas menores com portas abertas
por sobre os espaços que a luz orna
entre as palmeiras
e vultos que amanhecem envoltos
em lençóis de que a noite suja escorreu
a manhã pousa
nos pulsos das mulheres que se elevam com ela
e meninos negros alteiam-se
no flanco das mães
de olhos que a esperança já estria
Os comerciantes assoam-se
de varanda para varanda
retribuem devagar a amizade
Que os meninos trazem para fora
das tarefas diárias
as luas carcomidas no sítio das fogueiras
enfiadas murmuramente em seus colares.



Sebastião Alba

Era uma vez





















...................................................
Vôvô Bartolomé, ao sol que se coava da mulembeira
por sobre a entrada da casa de chapa,
enlanguescido em carcomida cadeira
vivia
- relembrando-a -
a história de Teresa mulata

Teresa Mulata!

essa mulata Teresa
tirada lá do sobrado
por um preto d'Ambaca
bem vestido,
bem falante,
escrevendo que nem nos livros!

Teresa Mulata
- alumbramento de muito moço -
pegada por um pobre d'Ambaca
fez passar muitas conversas
andou na boca de donos e donas...

Quê da mulata Teresa?

A história da Teresa mulata...
Hum...
Vôvô Bartolomé enlanguescido em carcomida cadeira adormeceu
o sol coando das mulembeiras veio brincar com as moscas nos
[lábios
ressequidos que sorriem
Chiu! Vôvô tá dormindo!
O moço d'Ambaca sonhando...




António Jacinto

A Flor da Chuva



















... e a flor da chuva no capim
tem mais perfume

abertas bem abertas estão as mãos
para abraçar esta manhã sem nuvens

ontem (não importa já o pôr-do-sol nas buganvílias)
ontem (murchas estão agora as flores
das coisas que eram coisas nada mais)
ontem havia medo até no caminhar das rolas sobre a areia.


A poesia de hoje é a voz do povo
Todo o mundo o mundo até de algum silêncio persistente
Quer romper e rompe a mancha que da noite inda nos fala.
Ó admirável sangue a pulsar em cada estrela
O sol é negro e ilumina
A imensidão deste perfume
Que nos traz a flor da chuva

O sol é negro e brilha dos vulcões
De cada peito independente.
Madrugada de fevereiro
Sou angolano!



Costa Andrade

Sete horas húmidas
























Ao Alferes Mário Beja dos Santos, na Guiné


Sete horas húmidas, algures.
Progressão, fardas ensopadas.
Silêncio nos corpos, silêncio na terra de combate.
Estacas calcinadas.

O piar das aves, o olhar súplice.
Dois tiros quase num só eco.
O desabar de folhas ramos rápidos.
Um grito incerto.

Missão cumprida, meta adivinhada.
Febre sem alma ou acordo.
O peso súbito de um morto
caindo nos meus ombros estreitos
ou
nos ombros estreitos da minha miséria.



Ruy Cinatti (1970)

in "Guerra de África" - Angola 1961-1974
de Rui de Azevedo Teixeira

Rio

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Impetuoso, o teu corpo é como um rio

onde o meu se perde.

Se escuto, só oiço o teu rumor.

De mim nem o sinal mais breve.



Imagem dos gestos que tracei,

irrompe puro e completo.

Por isso, rio foi o nome que lhe dei.

E nele o céu fica mais perto.



Eugénio de Andrade

Papoilas




















estou opiada de ti
e percorres-me os nervos todos
com papoilas borboletas vermelhas


o meu corpo entrança-se de sonhos
e sente-se caminhando por dentro


aspiro-te
como se me faltasse o ar
e os perfumes dançam-me


qualquer coisa como uma droga bem forte
corpo e alma
rezam pequenas orações
gestos ritmados ao abraçar-te como que abraça
sonhos


coisa estranha


opiada me preciso ou apenas vestida de papoilas e
muito sol com luas por dentro


para poder mastigar estes sonhos
reais como mandrágoras




Ana Mafalda Leite

in "Rosas da China"
Quetzal Editores, 1999

Absolutamente inenarrável...























Capa do livro, retirada daqui


O que é transcrito em seguida a este pequeno comentário, em qualquer país onde seja, de facto, vigente um Estado de Direito Democrático teria consequências imediatas.
Em Portugal este tipo de situações entra directamente no anedotário nacional e faz as delícias das conversas de café...
No fim subsistirá o nacional-porreirismo que tende a transformar "líderes" destes em heróis, primeiro, e a seguir em vítimas, nada acontecendo.
Esta situação é absolutamente insustentável, vergonhosa, indecente e atentatória dos mais elementares direitos e deveres civilizacionais.
Equivale a uma confissão voluntária dos ilícitos e espera-se que as entidades e personalidades do mundo da justiça, algumas bem visíveis na blogosfera, façam um pequeno intervalo na "Guerra a Alberto Costa" para fazerem qualquer coisa!
O fanatismo (e todas as manifestações a ele associadas) tem que ser combatido com justiça, de uma forma isenta, global, sem paixões... esteja onde estiver, venha de onde vier!
O que aqui está descrito nada tem a ver com desporto ou a paixão a ele associada!



Texto retirado do Mocho Falante.



Fernando Madureira o líder da claque dos super dragões lançou um livro, escrito claro está por outra mão, o jornalista Filipe Bastos, e com a chancela da editora Gaiense. Tem relatos onde se pode ler a descrição de tudo, raptos, assaltos, agressões, ódios e paixões… aqui ficam alguns trechos desta pérola:

BENFICA INIMIGO,PORTUGAL "AMIGO"
"O BENFICA é o nosso inimigo mortal. É ponto de honra derrota-los, dentro e fora das quatro linhas."

Benfica-F.C.P (1992) - "Depois da festa, foi o fim do mundo. Distribuímos pancada por tudo o que fosse vermelho.""Surgiu a ideia de criar os ultras Portugal com elementos dos super dragões e da claque do Sporting. A primeira viagem foi contra a Itália.(...) No caminho, o Borrego lançou um concurso que consistia em ver qual era a claque que mais roubava (...) Foi o caos em Andorra! Lojas e mais lojas cheias de maquinas de filmar, roupa, tabaco...Tudo à mão de semear. Ficamos em transe."

Guimaraes-F.C.P. (1994) - "Houve um policia que se armou em esperto e deu uma bastonada num gajo. Veio outro por trás, deu-lhe uma sarda, ele ficou lá esticado."

Braga-F.C.P.(1995) - "Pelo que se comentava, muito do pessoal tinha notas falsas para comprar os bilhetes e ainda trazer troco."

Juventos-F.C.P (2001) - "Abri o cortinado das hospedeiras e vi o Aleixo e o Caveira aos beijos e aos apalpanços (...) Os outros começaram a puxa-las, a dar-lhes surras no cu e a apalparem-nas...Depois, o co-piloto começou a falar comigo a explicar que tinham roubado a carteira ao comandante. Ele estava fodido e já queria aterrar o avião, antes do tempo! (...) Os cães sentiram o cheiro a ganza que os gajos fumaram durante o voo..."

Corunha-F.C.P(2003) - "Só os vi em cima dele a disputarem o telemovel, a camisola, as calças, o dinheiro. Quando me apercebi do que ele estava a dizer vi que era espanhol. Não queria acreditar que tinham raptado um puto de 17 anos. Os cabrões, como íamos de porta aberta, viram o chavalo e meteram-no para dentro do autocarro. Fiquei cego e enchi-os de porrada."Vocês, são doidos! Se queriam roubar, roubassem antes de entrar".

M.United-F.C.P. (2004) - "Nunca vi uma coisa daquelas no free shop. Até montras de ouro tinha. Foram dez minutos. Uma rapadela total."


Agora questiono-me eu... será que a justiça anda a dormir enquanto o senhor tem a distinta lata de escrever os seus próprios crimes e não se faz nada?????
Ou será que não são crimes suficientes para se colocar a hipotese de o prender????
Ou haverá qualquer outra razão???

Aí, o Mar...




















As palavras que desenhei na areia
O mar as levou em lembrança
Os meus segredos de criança
O mar os contou à sereia.As conchas do mar também ficaram
Com os meus segredos do anoitecer
Tudo o que os meus avós me sussurraram
Ainda estava por tecer.Os estilhaços da minha infância
Ficaram emulsionados na força da água
Os versos feitos em minhas mágoas
Também ficaram em turbulência.O mar levou o meu amor
A filha do gra-marinheiro
Pois ela partiu primeiro
Sem escutar o meu clamor.



Hélder Muteia

Exílio



















Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncios e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades



Sophia de Mello Breyner Andresen

Problema...





Uma tentativa frustrada de actualização de template causou, entre outros problemas, a perda de alguns links.
Aos amigos temporáriamente não citados as minhas desculpas.
Tentarei rápidamente repôr tudo no devido lugar.

A Ganância do Império


















Foto de Jean-Marc Bouju, da Associated Press, vencedora da World Press Photo 2003.
A fotografia tirada a 31 de Março de 2003, ilustra um iraquiano que conforta o filho de quatro anos, num campo de prisioneiros de guerra em Najaf, no Iraque.





Poderia dizer,
Flores na explosão
Mas não há flores
Nem folhas...

Poderia dizer,
Água suja de sangue
Mas não há água
Nem sangue...
Só há pessoas
Sem sangue
E sem nome!

Não há carne
Só fome!
Vejo crianças, bombas,
Motores de tanque que ronca

Trágica ditadura
Interrogatórios e tortura
Da maior nação
Que nem sequer
Jogou flores sobre o caixão.




Josanne Gonzaga

Descrição de si mesmo junto a um copo de whisky no aeroporto, digamos em Minneapolis


















Meus ouvidos ouvem cada vez menos das conversas, meus olhos vão ficando mais fracos, mas não se fartaram.

Vejo suas pernas em minissaias, em calças compridas ou tecidos voláteis,

Observo uma a uma, suas bundas e coxas, pensativo, acalentado por sonhos porno.

Velho depravado, é a cova que te espera, não os jogos e folguedos da juventude.

Não é verdade, faço apenas o que sempre fiz, compondo cenas dessa terra sob as ordens de uma imaginação erótica.

Não desejo a estas criaturas, desejo tudo, e elas são como o signo de uma convivência extática.

Não é minha culpa se somos feitos assim, metade contemplação desinteressada, e metade apetite.

Se após a morte eu chegar ao Céu, lá deve ser como aqui, só que me terei desfeito da obtusidade dos sentidos e do peso dos ossos.

Tornado puro olhar, sorverei ainda as proporções do corpo humano, a cor da íris, uma rua de Paris em junho de manhãzinha, toda a incompreensível, a incompreensível multidão das coisas visíveis.



Czeslaw Milosz

I have a dream























(extracto do discurso de 28 de Agosto de 1963, junto ao Lincoln Memorial, Washington D.C.)


I say to you today, my friends.

And so even though we face the difficulties of today and tomorrow, I still have a dream. It is a dream deeply rooted in the American dream.

I have a dream that one day this nation will rise up and live out the true meaning of its creed: "We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal."

I have a dream that one day on the red hills of Georgia, the sons of former slaves and the sons of former slave owners will be able to sit down together at the table of brotherhood.

I have a dream that one day even the state of Mississippi, a state sweltering with the heat of injustice, sweltering with the heat of oppression, will be transformed into an oasis of freedom and justice.

I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character.

I have a dream today!

I have a dream that one day, down in Alabama, with its vicious racists, with its governor having his lips dripping with the words of "interposition" and "nullification" -- one day right there in Alabama little black boys and black girls will be able to join hands with little white boys and white girls as sisters and brothers.

I have a dream today!

I have a dream that one day every valley shall be exalted, and every hill and mountain shall be made low, the rough places will be made plain, and the crooked places will be made straight; "and the glory of the Lord shall be revealed and all flesh shall see it together."²

This is our hope, and this is the faith that I go back to the South with.

With this faith, we will be able to hew out of the mountain of despair a stone of hope. With this faith, we will be able to transform the jangling discords of our nation into a beautiful symphony of brotherhood. With this faith, we will be able to work together, to pray together, to struggle together, to go to jail together, to stand up for freedom together, knowing that we will be free one day.

And this will be the day -- this will be the day when all of God's children will be able to sing with new meaning:

My country 'tis of thee, sweet land of liberty, of thee I sing.

Land where my fathers died, land of the Pilgrim's pride,

From every mountainside, let freedom ring!

And if America is to be a great nation, this must become true.



And so let freedom ring from the prodigious hilltops of New Hampshire.

Let freedom ring from the mighty mountains of New York.

Let freedom ring from the heightening Alleghenies of
Pennsylvania.

Let freedom ring from the snow-capped Rockies of Colorado.

Let freedom ring from the curvaceous slopes of California.

But not only that:

Let freedom ring from Stone Mountain of Georgia.

Let freedom ring from Lookout Mountain of Tennessee.

Let freedom ring from every hill and molehill of Mississippi.

From every mountainside, let freedom ring.

And when this happens, when we allow freedom ring, when we let it ring from every village and every hamlet, from every state and every city, we will be able to speed up that day when all of God's children, black men and white men, Jews and Gentiles, Protestants and Catholics, will be able to join hands and sing in the words of the old Negro spiritual:

Free at last! Free at last!

Thank God Almighty, we are free at last!




A 4 de Abril de 1968 foi assassinado em Memphis,Tennessee.



Velha Goa






























Fotos de INES G. ŽUPANOV, aqui





“Eis a cidade morta, a solitaria Goa
seus templos alvejando num palmar enorme!
Eis o Mandovy-Tejo, a oriental Lisboa,
onde em jazigo régio imensa gloria dorme”

Jaz em tristeza imersa a tétrica cidade!
O turbilhâo dourado, o estrondear da festa
envolve-os em seu corpor a mística saudade
e abisma-os no mistério a pávida floresta.

Nós somos do passado a tímida memória
buscando os seus avós no palmeiral funéreo
que apenas sobredoura um ténue alvor de gloria
como de fátua luz se esmalta um cemitério”


Tomás Ribeiro

O sol tremendamente africano




















O sol tremendamente africano
risca caminhos de sangue sobre a sanzala


na minha sanzala o sol tremendamente africano
enche as cabaças com o silêncio dos imbondeiros


e semelhantes ao sol o tapete verde enche os peitos
nas liturgias da puberdade com os sexos cheios de futuro


na minha sanzala o sol arde
enche os sexos
com apelos de amor



Samuel de Sousa

Reza, Maria


























Suam no trabalho as curvadas bestas
e não são bestas
são homens, Maria!


Corre-se a pontapés os cães na fome dos ossos
e não são cães
são seres humanos, Maria!


Feras matam velhos, mulheres e crianças
e não são feras, são homens
e os velhos, as mulheres e as crianças
são os nossos pais
nossas irmãs e nossos filhos, Maria!


Crias morrem à míngua de pão
vermes na rua estendem a mão à caridade
e nem crias nem vermes são
mas aleijados meninos sem casa, Maria!


Do ódio e da guerra dos homens
das mães e das filhas violadas
das crianças mortas de anemia
e de todos os que apodrecem nos calabouços
cresce no mundo o girassol da esperança


Ah! Maria
pôe as mãos e reza.
Pelos homens todos
e negros de toda a parte
pôe as mãos
e reza, Maria!


José Craveirinha

Oh as casas as casas as casas
























Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
ela morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
respirei - ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas



Ruy Belo

Mulheres de Atenas

























Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seu maridos, orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos, poder e força de Atenas
Quando eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas
Obscenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras felenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só tê presságios
Lindas sirenas
Morenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas



Chico Buarque



Fotonovela












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